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Coluna Julio Pimentel |O Charlie Hebdo do Tucuruvi
25 de Fevereiro de 2015

Coluna Julio Pimentel |O Charlie Hebdo do Tucuruvi

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Impressionante como o Carnaval afeta a vida do brasileiro. É o marco que, ano após ano, delimita dois períodos que se sucedem num verdadeiro moto-contínuo. Num deles, milhões passam 360 dias se matando no trabalho, horas perdidas no transporte péssimo, restrições, desgastes de todo tipo, para nos outros cinco dias se soltar completamente, desligando, esbanjando energia, entusiasmo, euforia, sexo, mesmo que à base de muita bebida e alguma droga. Depois começa o calendário das atividades e o Brasil, bem ou mal, volta a funcionar. E segue tudo na mesma toada até o próximo carnaval. Para mim, carnaval sempre foi circunstancial – se era para pular, vamos lá; se não, igualmente bem. Tudo sempre dependeu do momento, das oportunidades, da vontade, do dinheiro. Quando a idade permitiu, cheguei a pegar matinê no Pacaembu e clube à noite, verdadeira maratona. Curti praia ou sítio, desfilei na avenida, fiquei lendo em casa. Assim, a cada ano o Carnaval de renovava, sem grandes planos ou compromissos. Agora, com pouca paciência, me recuso a ficar mais do que meia hora vendo os desfiles pela TV. Mais do mesmo. Igualzinho ao ano passado e que não será diferente no ano que vem. Nos poucos minutos que fiquei à frente da TV, vi a Acadêmicos do Tucuruvi, em São Paulo, fazendo uma bonita apresentação em homenagem a Chiquinha Gonzaga, compositora, musicista, ativista, autora do “Abre alas”, hino do carnaval, que rompe espaço para os foliões. O samba-enredo da escola foi todo baseado em trechos de marchinhas do passado, o que achei muito bem bolado, mesmo considerando que os jovens não as identifiquem. Gostei, e inevitavelmente comparei aqueles tempos com os de hoje, em que muitos querem impor censura à mídia e aos costumes e igualmente tantos outros defendem nossa liberdade. Mas o fato é que somos todos censurados pelo politicamente correto, pelas pressões sociais e políticas. Exemplos? Aqui vão alguns. A Tucuruvi diz “daqui não saio daqui ninguém me tira”, que criticava então a falta de moradias no Rio. Hoje seria um desafio dos movimentos dos sem teto e sem terra.  Mais pra frente diz “cachaça não é água, quero me acabar, sou da turma do funil, tenho a cara do Brasil”. Faltou acrescentar “se beber não dirija”. Em trecho inspirado, diz o samba-enredo noite dos mascarados revela apaixonados, tem lança perfume no ar”. Não pode – mascarado é coisa de Black Block e lança perfume, apologia ao consumo de drogas. Mais pra frente a escola lembra a cabeleira do Zezé e pergunta “será que ele é”? Nem pensar em continuar com a antiga marchinha, pois ela dizia “será que ele é Maomé, será que é transviado, mas isso não sei se ele é”. E completava com outra agressão intolerável: “corta o cabelo dele, corta o cabelo dele”. Clara manifestação de preconceito, a ser violentamente atacada pelo LGBT, pelos movimentos dos direitos humanos e pelo prefeito Haddad. E, pior que tudo, a Tucuruvi ia correr o risco de se transformar no Charlie Hebdo tupiniquim. Outras marchinhas, que não estão no samba enredo, mas que são bons exemplos diziam: “Ei, você aí, me dá um dinheiro aí” – óbvia alusão ao mensalão, petrolão e outros ãos que infestam o governo. Uma que eu gostava: “ai ai brotinho, não cresça meu brotinho, nem murche como a flor… eu sou um galho velho, mas quero seu amor”. Pedofilia. Teje preso! Resumindo, hoje não seria aconselhável tentar publicar aquelas marchinhas, parece que nem convém lembrar de Chiquinha Gonzaga e dos compositores do passado. Melhor mesmo nos contentarmos com as letras atuais, tão inspiradas…    

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