Publicidade
Coluna Entretenimento | Entrevista o pianista Pablo Rossi
16 de Maio de 2023

Coluna Entretenimento | Entrevista o pianista Pablo Rossi

A multidisciplinaridade dos artistas é uma das causas pela qual um dos maiores pianistas do Brasil, na atualidade, advoga nos projetos que realiza. Acompanhe a conversa com ele e entenda as tendências atuais do fazer artístico no Brasil e no mundo

Publicidade
Por Entretenimento 16 de Maio de 2023 | Atualizado 16 de Maio de 2023

Entre um ensaio e outro para se apresentar na temporada que passou em Brasília, onde foi convidado a participar do Ciclo Beethoven, no início de maio, um dos maiores pianistas do Brasil, o catarinense Pablo Rossi, conseguiu uma brecha na agenda para conversar com a coluna Entretenimento.

Em um papo sincero sobre a atuação do artista brasileiro no mercado da cultura e do entretenimento, Pablo compartilhou diversas observações e experiências dele, que trabalha neste segmento há muitos anos.

Publicidade

Ele observou, por exemplo, que o artista brasileiro pode se dividir em várias funções, mas em dois principais campos: primeiro o artista pelo que o move ser solista, camerista, recitalista; a outra é atender a demanda que existe no mercado musical brasileiro com apresentações nas capitais e as diferentes orquestras, por exemplo. Essa agenda toda é sob demanda e é acompanhada pelo empresário.

 

Acompanhe a conversa com Pablo para entender os conceitos e as tendências atuais do fazer artístico, na visão do artista:

 

Tendências do fazer artístico

Crédito da imagem: Vitor Jorge

 

Pablo, conta um pouco mais sobre as experimentações artísticas em geral.
Por vezes, ainda, conseguimos fazer a curadoria de projetos mais conceituais com objetivos específicos, que é quando acabamos também na organização, captação de recursos, venda, captação de público, fica à frente de todo o projeto.

Isso aconteceu com o Iluminuras, que apresentamos em Florianópolis no final de abril deste ano.

Este projeto faz parte da agenda cultural da Orquestra Filarmônica Catarinense, que é uma OSCIP, da qual eu estou à frente como diretor artístico e tem toda uma agenda que queremos e defendemos.

Neste caso, é preciso estar à frente da performance artística, mas também fazer a gestão cultural, acompanhar todo o processo, a criação do conceito, da temática, um lado mais experimental mesmo e de vanguarda que a gente propõe, que tem um quê de inovação.

 

Você pode explicar melhor essa inovação?
Na verdade a ideia atual que temos de inovação nas artes, de fazer um diálogo entre elas, é um resgate do que era feito desde o século XIX, com o próprio Chopin e o círculo que ele habitava com a escritora George Sand, quando faziam saraus…

Uma das coisas que perdemos com a contemporaneidade e nesse formato cultural atual, é que ficamos muito nichados e eu advogo pela volta dessa multidisciplinaridade. Eu, por exemplo, não sou só um músico, eu sou artista.

Quem trabalhar com arte é, essencialmente, artista. Afinal, o que é ser ator, cineasta, músico…? É ser artista. Então, eu parto do preceito de voltarmos às nossas origens, porque as nossas artes estão conectadas.

Na Grécia Antiga o artista deveria ser um grande intelectual, conhecedor da literatura, da música, da astronomia, da matemática, da política… ele deveria dominar esses assuntos e ter uma formação por completo do ser humano, que não a toa incluía todas essas matizes.

Então, hoje me surpreende a gente viver numa sociedade apartada da cultura ou políticos que falam que a cultura é supérflua, que é um aditivo, que pode ou não existir. Quando na verdade a cultura é detentora do bem estar, pode e deve trazer o bem-estar para as pessoas e o artista deve retomar essa essência, somos todos faces da mesma essência.

 

Vocês todos estão falando de arte e formando a sociedade intelectualmente de uma certa maneira. Você acha que se os artistas colocassem em prática essa nova leitura, a sociedade – de forma geral – entenderia que ser artista é ter uma profissão?

Acredito que ajudaria sim. Porque entendo que o grande problema são os nichos, todos acabam se segmentando e ficando não globais.

A arte não tem acesso nas massas, que é quem indica como a sociedade pensa. Então, enquanto você não é valorizado como profissional, a massa não te enxerga dessa forma. E isso se dá por vários fatores e acaba sendo um círculo vicioso.

 

E tem alguma saída para conseguir essa prática?
Ao invés de ficarmos falando sobre isso, devemos nos questionar sobre como agir a partir desta mentalidade.

A tendência mundial é voltar a construir cenários multidisciplinares, para poder se comunicar com uma plateia ampla.

Se o artista não é bem aceito, como você pode mudar para que as pessoas te aceitem e entendam que a vida daquele público vai ficar muito melhor com a arte que eles veem/sentem.

A música clássica é um ótimo exemplo disso, tem um formato muito engessado, é um público muito nichado, o conteúdo é muito extenso, mas também não fazemos muito esforço para conseguir falar com outros públicos.

 

Como a cultura e o entretenimento se encontram, na sua opinião? Um vive sem o outro?
Entretenimento é fazer algo mais apelativo, como o rock sinfônico ou apresentação de piano e Elvis Presley, isso tem um radar mais amplo e chama mais o público.

Cultura vai um pouco além, tem o lado do entretenimento, mas também passa mensagens importantes da sociedade. Assuntos essenciais para a vivência em sociedade como a questão climatica, a superação humana, questões de fome.

A gente faz isso usando instrumentos mais amplos, quebrando paradigmas, mesmo que isso cause alguns desgastes, como aconteceu com o Iluminuras.

A gente inovou para este espetáculo ao fazer uma parceria com uma companhia de teatro de surdos, o Grupo Signatores, mas tivemos críticas por termos feito isso.

 

Mas por que?
Porque o que é diferente incomoda. Quando eu convidei e surgiu a ideia de fazer uma parceria com o Signatores, por exemplo, eu resolvi seguir meu coração e enfrentar todos os desafios que essa proposta trouxe.

A LIBRAS deveria estar em sincronia para quem é surdo e quem não é surdo, foi preciso desenvolver um sistema de comunicação da equipe, por exemplo.

Mas é isso, o artista não tem que ter medo de botar o dedo na ferida da sociedade, chocar, se for preciso, e evoluir sempre que possível. Eu pretendo instituir uma série de teatro com música e ter sempre a colaboração, refinando esse processo, por mais complexo que seja.

A pior coisa é o artista se moldar pelo que os outros dizem. É necessário você ser fiel à sua essência e não apenas mudar porque a tendência atual é outra.

 

Tendências do fazer artístico

Crédito da imagem: Vitor Jorge

Você estudou e já se apresentou em grandes teatros e orquestras do mundo. Em relação aos públicos brasileiro e europeu, quais são as diferenças?
Tudo é uma questão de comunicação, como você comunica a mensagem que você quer passar. Temos contextos diferentes em cada lugar.

A história do Brasil não pode ser comparada com a da Inglaterra, por exemplo. E o Brasil tem vantagens que lá não tem.

O europeu é mais tradicional e, em geral, o brasileiro aceita mais novidades, apesar de algumas pessoas ainda não aceitarem algo inovador como música e teatro para surdos.

Lá, a escolha das obras podem ser menos populares, digamos assim; aqui já preciso pensar de uma outra maneira. Mas a pior coisa é o artista se moldar pelo que os outros dizem, é necessário você ser fiel à sua essência.

É um processo complexo, mas o interessante é ficar investigando as novidades e não se satisfazer com o que você já tem.

 

E qual seu próximo trabalho?
Será a “Árvore da Vida”, um projeto que envolve a gestão da minha carreira internacional e vou trabalhar nele o ano todo. Está muito embasado na cultura indiana, budista que se comunica com todas as culturas, afinal somos uma grande aldeia mundial.

Eu participo como artista e curador e será sobre Floresta e Música. No Brasil será um discurso diferente do discurso na Inglaterra para este espetáculo. Aqui, vivemos na natureza, lá não.

Não podemos ignorar isso. E é aí que está a graça, a gente poder, como artista, irmos nos adaptando, entendendo o contexto de cada espaço de apresentação. Se não fosse assim, a arte seria um livro acadêmico.

 

Quando e onde será a estreia de “Árvore da Vida”?
A estreia desse trabalho será em Londres, será no segundo semestre deste ano, e vai encerrar o festival de arte indígena, organizado pela embaixada brasileira em Londres, e será a primeira exposição internacional do artista indígena Aislan Pankararu.

 

Quando me chamaram pra fazer esse trabalho achei maravilhoso e vou fazer um repertório que envolve a música indígena e a natureza, que é um ser sagrado para os indígenas.

 

E você já tem o repertório?
Entre as músicas vamos ter “A Floresta do Amazonas” de Villa-Lobos, para piano e voz, “Saudades das Terras Brasileiras” e “A Dança do Índio Branco” que também são ele.

Além destas ainda teremos a abertura de “O Guarani” do Carlos Gomes, que foi inspirada no livro de mesmo nome de José de Alencar, então tudo se interliga como uma teia.

 

E como você concilia toda essa agenda?
É realmente é necessário que você tenha uma vocação para ser artista, porque é muito difícil sobreviver como artista. Por isso, é preciso ser neurótico pelo que se faz, a gente doa nossa vida para nosso trabalho. Mas, no final, não tem preço que pague. São escolhas, claro, mas é preciso ter o perfil para isso.

 

Envie sugestão de pauta para [email protected].

Publicidade
Publicidade