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Quatro dicas aleatórias de leitura
20 de Setembro de 2023

Quatro dicas aleatórias de leitura

Por Rogério Kiefer 20 de Setembro de 2023 | Atualizado 20 de Setembro de 2023

A Fúria

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No caixa da livraria, entrego o exemplar e o vendedor puxa papo.

“Conhece a autora?”

“Nunca li, mas ouvi falarem bem”

“Vale a pena. A Silvina Ocampo foi amiga do Jorge Luís Borges e esposa do Adolfo Bioy Casares”.

Rápida e certeira, a senhora logo trás na fila completa:

“Vale a pena sim! Além de ter amigos homens, que pelo jeito é o que vocês consideram ao avaliar uma autora, cabe dizer que foi ótima escritora – se é que isso pesa na análise do currículo dela”.

TUM DUM TZSZSZSZ

Ainda um pouco tonto, paguei rapidinho e dei no pé. O caixa, nesse momento com a respiração entrecortada, percebeu o que já devia saber: a solidariedade masculina é chocha, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsistente, como bem disse a Renata Vasconcellos.

Diante dos contos de A Fúria, a conclusão óbvia: a cliente da fila estava coberta de razão. Silvina Ocampo é uma escritora excepcional. Surpreende o leitor em textos como A Lebre Dourada e O Prazer e a Penitência, dois exemplos que a credenciam como uma das pioneiras do Realismo Mágico, tão característico da literatura latino-americana.

Além disso, tem uma escrita com ritmo dos mais agradáveis e pula com maestria entre diferentes temas e abordagens. Entre as três dezenas de contos – a maioria não muito longos – há no livro o suspense de A Última Tarde, o espanto do ótimo A Fúria e a concisão do Relatório do Céu e do Inferno. Também entre os imperdíveis está Carta perdida em uma gaveta, mistura um tanto descontrolada de paixão, rancor, ódio, mágoa e desejo – enfim: uma declaração de amor surpreendente e ímpar.

Se a literatura argentina passa por um momento de grande valorização no Brasil, Silvina é uma porta de entrada das mais privilegiadas.  E se todo o dito acima não basta para convencê-lo das qualidades de Silvina, apelo para um argumento irrefutável: a escritora era uma das preferidas do Julio Cortázar.

 

Por que escrever?

Philip Roth é um gigante – e a coluna já tratou bastante dele aqui. Mas esse Por que escrever – Conversas e ensaios sobre literatura mostra outras facetas do criador do Nathan Zuckerman e do complexado Alexander Portnoy. Admirador incondicional de Kafka, o escritor americano lembra e relembra de seu grande herói na literatura, o autor da Metamorfose; fala do processo criativo e sobre as dificuldades de escrever em tempos de boçalidade crescente (no caso dele os tempos Nixon). O volume inclui ainda análises ou conversas de Roth com grandes escritores como Isaac Bashevis Singer, Saul Bellow e Primo Levi, entre outros. As conversas ou análises do autor vão muito além da apresentação de dados históricos ou de avaliações superficiais sobre o que é escrito.

O grande Levi, por exemplo, fala de seus livros, do chocante É Isto Um Homem e comenta sua rotina como gestor em uma indústria com uma observação que deveria alertar a todos. “Mas a vida em uma fábrica, em particular num cargo de gerência, envolve diversas coisas além da química: contratar e despedir funcionários; discutir com os chefes, clientes e fornecedores; lidar com acidentes; ser chamado ao telefone mesmo à noite ou quando se está numa festa; lutar contra a burocracia e muitas outras tarefas que destroem a alma”.

 

Aquele mundo de Vasabarros

O Conto da Aia, da Margaret Atwood, popularizou entre os mais jovens um tipo de literatura que já teve grandes autores e publicações ao longo dos tempos: a distopia. O relato de uma sociedade imaginária dominada pelo governo ou outras forças opressoras já serviu de enredo para obras como Admirável Mundo Novo e 1984, entre outras.

Essas obras, que muitas vezes nascem como resistência a uma realidade que aflige o autor, ganham relevância quando extrapolam o cenário inicial e podem ser vistas como um alerta mais abrangente. O brasileiro JJ Veiga faz isso com o Aquele mundo de Vasabarros. Escrita nos tempos da ditadura, a história da fortificação de Vasabarros, onde milhares de pessoas vivem sob o domínio de figuras patéticas, foi uma boa alegoria dos tempos de Figueiredo, Geisel, Médici e companhia. Mas pode ser lida também como um alerta permanente para os riscos que toda a sociedade enfrenta de ser subjugada e controlada por espíritos pouco democráticos. A obra, um tanto debochada e ao mesmo tempo sombria,  cumpre o papel que JJ Veiga esperava de um livro. A publicação, dizia, “pouco pode fazer para corrigir injustiças. Se conseguir causar desassossego, já conseguiu alguma coisa”.

 

 Os sonhos perturbados de Juliano Adrían

Professor e pesquisador no Departamento de Artes e no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marcio Markendorf incorporou um intranquilo poeta argentino para escrever “Os sonhos perturbados de Juliano Adrián”. A obra, contemplada no Edital de Apoio às Culturas 2021, da Fundação Franklin Cascaes, vai ser lançada em dois eventos em Florianópolis: na sexta-feira, 22 de setembro, a partir das 19h, na Fundação Hassis; e na terça-feira, 26, a partir das 17h, no Centro Cultural Veras.

Ainda estou pela metade do livro, que é curtinho e bastante curioso ao adotar uma linguagem bastante moderna para mostrar que quase tudo é possível nos sonhos de uma pessoa atormentada. Vale prestigiar os eventos de lançamento e ler a obra. O que não vale é reclamar da pouca visibilidade da literatura catarinense e, ao mesmo tempo, deixar de prestigiar autores, editoras e projetos daqui.

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