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Coluna Inovação | Exclusiva com André Trigueiro: “O deslumbramento com a tecnologia me preocupa”
18 de Junho de 2018

Coluna Inovação | Exclusiva com André Trigueiro: “O deslumbramento com a tecnologia me preocupa”

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Por Fabricio Umpierres Rodrigues 18 de Junho de 2018 | Atualizado 18 de Junho de 2018

Há 11 anos, o jornalista André Trigueiro é o rosto mais conhecido na TV brasileira quando o assunto é sustentabilidade urbana. À frente do “Cidades e Soluções”, na GloboNews, Trigueiro percorreu o mundo buscando referências de projetos e ideias que reduzam efeitos nocivos de indústrias poluentes, da falta de infraestrutura urbana ou mesmo de hábitos da população (uso de plásticos e isopor, falta de reciclagem etc.).

 

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Convidado para encerrar a programação do terceiro dia do Congresso Catarinense de Prefeitos, evento que a Federação Catarinense de Municípios (Fecam) organizou nesta semana em Florianópolis, Trigueiro falou aos gestores públicos que participaram do encontro sobre a necessidade de repensar custos e buscar inovação nas cidades.

 

Antes da palestra, bati um papo com ele sobre como desenvolver uma mentalidade inovadora sem necessariamente ter que torrar recursos com soluções tecnológicas caríssimas. Confiram:

 

Acontecendo Aqui – Na sua visão, o que é uma cidade inteligente?

André Trigueiro – A expressão em inglês smart city passou a ser o carro-chefe de negócios de empresas de software que informatizam dados para tornar a gestão urbana mais fluida em cidades que podem pagar por isso. Não sou contra, mas o conceito de cidade inteligente, pra mim, extrapola as ferramentas tecnológicas. Elas são bem vindas quando você consegue entender que isso vai transformar para melhor a gestão e você consegue justificar para o eleitor o uso do recurso público. Não dá pra fazer ostentação de tecnologia. Ela pode ser uma ferramenta importante do desenvolvimento da cidade se houver tiver uma leitura clara do custo-benefício. As cidades estão quebradas e o cobertor é curto: vou tirar dinheiro de onde? O deslumbramento com a tecnologia me preocupa.

 

Como o gestor público de uma cidade pode ajudar a torná-la mais inteligente sem precisar fazer necessariamente um grande investimento?

Me parece que a grande maioria dos municípios brasileiro é pobre, inadimplente e não dispõe de recursos humanos ou técnicos para formatar projetos ou descobrir linhas de financiamento que existem no governo federal ou estadual ou outros fundos para permitir a aplicação desses recursos. Este é um estado de indigência. A iniciativa do Congresso de Prefeitos de criar um Banco de Projetos me parece uma solução simples e adequada para, antes de contratar uma consultoria – e existem os espertalhões nesse mercado, conheço alguns casos horrorosos – ter uma base do que deu certo e pode ser ajustado. Conhecer o que outro município fez, buscar apoio, é o primeiro passo.

 

O Brasil desperdiça os saberes das universidades. Dentro de um campus você tem pessoas muito qualificadas, com conhecimento e que são desprezadas. Podem ajudar – e sem custo. Pode fazer uma parceria com uma universidade que pode usar o município como laboratório.

 

A UFSC, nas pesquisas sobre energia solar, é uma das protagonistas no Brasil. A Celesc tem projetos piloto bem ousados e arrojados. Nos últimos seis anos a tarifa média subiu 600%. Todo mundo paga conta de luz. Os prefeitos poderiam desenvolver uma curiosidade cidadã, conhecer melhor esse assunto. Fazer as perguntas certas, olhar pro lado. Quando se acerta a mão na gestão, você tem que reconhecer e pode se apropriar. Nada mais recompensador para um político do que eficiência, não dá pra inventar a roda.

 

Santa Catarina está desenvolvendo uma rede de inovação envolvendo setor público e privado, mas ao mesmo tempo tem um dos piores índices de saneamento básico do país. Essa não deveria ser a prioridade quando se fala em cidades inteligentes?

 

A falta de saneamento é o maior problema do Brasil. Aproximadamente 100 milhões de habitantes não estão bem servidos desse serviço e despejam por dia o equivalente a 6 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura nos corpos hídricos – é algo vexatório. Ninguém se desenvolveu sem resolver seus problemas de base como o saneamento.

 

O que te deixa mais pessimista e otimista quando se fala em soluções inovadoras para cidades no Brasil?

 

O que me deixa pessimista é que inovação existe no vocabulário, mas o Brasil pratica muito pouco. A indústria não inova, com raras exceções. As montadoras rejeitam o carro elétrico porque não querem fazer ajustes no mecanismo – lá fora está está aprovada por lei a suspensão de veículo automotor em alguns países importantes. A gente corre o risco de ser o paraíso do atraso, usando tecnologias do século XX em pleno século XXI. Mudança assusta e é um desafio cultural.

 

Mas sou otimista porque não temos opção. Temos novas gerações que não se sentem confortáveis no ambiente mórbido de perguntas sem resposta com relação a questões ambientais. Se eu tivesse 20 anos eu estaria num coworking buscando parcerias, novas ideias. É inacreditável a facilidade que essa garotada, do nada, cria patentes. Quem está chegando já vem encarando os desafios.

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