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Do Brasil à África: Como a Dra. Isabela Bonatto Transforma Desafios em Oportunidades no Mundo da Economia Circular
25 de Novembro de 2024

Do Brasil à África: Como a Dra. Isabela Bonatto Transforma Desafios em Oportunidades no Mundo da Economia Circular

Doutora em Engenharia Ambiental, já atuou como consultora em projetos junto à ONU, lidando com questões globais de sustentabilidade

Por Prof Jonny 25 de Novembro de 2024 | Atualizado 26 de Novembro de 2024

Com um impressionante currículo que une excelência acadêmica e experiência internacional, Isabela Bonatto é doutora em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e possui MBA em Gestão Empresarial pela UFPR, já atuou como consultora em projetos junto à ONU, lidando com questões globais de sustentabilidade, embaixadora do Movimento Circular no Brasil, e hoje atua como diretora de operações da WEEE, uma empresa referência em resíduos eletrônicos com sede em Nairobi, Quênia. Diretamente de lá, Isabela nos concedeu esta entrevista, compartilhando sua inspiradora trajetória, desafios e reflexões sobre o impacto socioambiental de sua atuação.


Muito grato por contribuir com nossa coluna de carreira. No seu doutorado na UFSC, você desenvolveu pesquisas em áreas como biogás, resíduo sólido, microbiologia entre outros tópicos. Pode compartilhar algum aprendizado específico dessa fase que hoje impacta seu trabalho em projetos ambientais?

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Muito boa pergunta. Eu acho que, como passei muitos anos como pesquisadora e fiquei focada na minha tese, aprendi algo muito importante que uso hoje nos projetos socioambientais. Embora eu não trabalhe tanto com a parte técnica, aplico a habilidade de planejamento de pesquisa.
Quando você planeja um estudo piloto ou um projeto, considera todas as fases: desde os materiais, recursos, orçamento e a equipe necessários até as análises e o tipo de resultados que serão importantes para interpretar determinada situação. Aprendi muito com essa experiência durante o doutorado; a forma como organizei os dados diz muito sobre a profissional que me tornei.
Minha primeira graduação foi em Biologia, então eu não tinha o pensamento estruturado que os engenheiros desenvolvem desde a graduação, com aquele raciocínio mais metodológico, o “fluxograma” de ações sempre presente. Isso foi algo que precisei desenvolver durante o doutorado em Engenharia, o que acabou me ajudando muito na vida profissional. Hoje, ao começar qualquer projeto, considero todas essas abordagens da Engenharia e pesquisa — a organização, a metodologia e a forma de estruturar os dados para usá-los como fonte.

 

Durante seu período como pesquisadora visitante na Duke University, você focou em nanotecnologia. De que forma essa experiência contribuiu para sua visão sobre novas tecnologias na área ambiental e quais avanços considera mais promissores no campo da sustentabilidade?

Eu fiz uma parte bem técnica lá porque eles tinham aparelhos que ainda não existiam na UFSC. No Brasil, algumas técnicas para avaliar componentes nano e nanopartículas eram limitadas, enquanto eles já possuíam um laboratório completo para essa finalidade. Aprendi que existe uma diferença significativa entre os países quando se trata de dados científicos. Ao escolher uma área, é importante saber onde estão as melhores tecnologias e maquinários, onde a ciência está mais avançada, para que se tenha uma comparação adequada e conhecimento das limitações do trabalho. Caso contrário, corre-se o risco de apresentar um dado que, na verdade, não é tão relevante.
Quando estive lá, aprendi muito sobre nanopartículas. Na época, eles faziam testes que hoje são muito discutidos, como o impacto da lavagem de poliéster em máquinas de lavar, a quantidade de nanopartículas e microplásticos liberados, e como separar microplásticos e nanopartículas metálicas em corpos hídricos. Esse foi um campo novo para mim e que considero super importante atualmente para a sustentabilidade.
Depois, acabei trabalhando com isso em vários projetos de microplásticos. Esse conhecimento deixou de ser uma ideia abstrata para mim, pois pude ver e entender com meus próprios olhos como é a análise e como se formam as nanopartículas. Não é algo que “os olhos não veem, o coração não sente”; eu vi e, por isso, meu coração sente a importância.
Para a área de sustentabilidade, onde trabalho com gestão de resíduos, vejo que precisamos dessas tecnologias micro e nano para entender os impactos. Muitas vezes, não percebemos a quantidade de plástico presente nas nossas águas e no solo, mas ele está ali, sim. Essas técnicas, que ainda estão em desenvolvimento, são essenciais. Ainda precisamos evoluir muito nessa área. A sustentabilidade não se resume apenas a reciclagem, que é mais popular; o estudo de nanopartículas e microplásticos é igualmente fundamental. A inovação nessa área busca métodos para filtrar, mitigar a poluição desses materiais e tornar o ambiente mais saudável.

 

Você também possui um MBA em Gestão Ambiental, o que lhe levou a buscar esta formação em gestão? Como este MBA complementou suas habilidades técnicas e ampliou sua capacidade de gerenciar projetos socioambientais em organizações públicas, privadas e ONGs?

Vou até dar uma dica para os estudantes que vão ler esta coluna, porque gostaria de ter recebido esse conselho quando era mais jovem. O MBA foi muito interessante para eu perceber que gostava da parte gerencial, mas, na época em que o fiz, ainda não tinha tantas experiências como tenho hoje. Acho que teria aproveitado mais se o fizesse agora. Gostaria muito de ter conhecido aquelas pessoas e feito aquele networking na fase em que estou hoje. Naquela época, eu era recém-formada, estava no meu segundo trabalho. Claro, já trabalhava em órgãos públicos e privados, numa ONG, mas ainda não tinha tanto conhecimento e experiência como agora, quase 15 anos depois.
Aprendi que gostava da parte gerencial, mas ainda não tinha tantas ferramentas para discutir a gestão. Usei mais o MBA para fazer contatos e entender meus interesses para o futuro da minha carreira, do que para realmente trocar experiências ou aprender como aplicar na prática. Eu estava muito no começo da minha vida profissional ainda “verde”. Mesmo assim, foi muito interessante, e acho que agora faria outro. Se tivesse tempo e oportunidade, aproveitaria muito mais.

 

Você atuou como consultora especialista em Economia Circular e Gerenciamento de Resíduos junto ao Programa Ambiental da ONU, em Paris. Poderia compartilhar as principais experiências deste período, e como estas contribuíram para suas decisões posteriores?

Fiz um trabalho de consultoria para a UNEP (United Nations Environment Programme), o órgão do meio ambiente da ONU, de forma remota. Meu escritório era em Paris, mas consegui atuar aqui no Quênia. Claro, tenho algumas vantagens por estar no fuso horário similar ao da Europa, para quem mora no Brasil é um pouco mais complicado. Foi uma experiência muito boa para aprender como órgãos internacionais discutem futuras regulamentações globais. Muitas coisas que temos atualmente eu nem sabia como funcionavam até estar no sistema. Quando você está no sistema, aprende que, antes de uma diretriz ou regulamentação sobre plásticos ser liberada, há uma série de discussões e relatórios de cooperações internacionais.
Existem equipes conversando sobre isso, seja Agências da ONU, Cruz Vermelha (RED CROSS), WWF, entre outras instituições internacionais que estão interessadas em determinados assuntos e constantemente participam de reuniões e negociações. Por exemplo, a COP é uma reunião famosa para discussão de problemas específicos. Atuei como consultora de resíduos, fiz relatórios e coletei dados sobre como é possível fechar lixões. Na África, onde moro, há um problema grave: quase não há aterros sanitários. Existem apenas depósitos de lixo que, em alguns artigos, são chamados de “landfills” (aterros sanitários), mas, na verdade, são lixões sem planejamento de engenharia.
Verifiquei esses lixões, os problemas associados e o que poderíamos fazer para propor regulamentações e recomendações para os países que enfrentam esse problema, a fim de fechar esses depósitos irregulares. Criamos um mapa de ações, reunindo dados de várias partes do mundo, e analisamos como outros países ou continentes, como a América Latina, têm trabalhado no processo de fechamento de lixões.
Foi uma experiência remota, sem necessidade de visitas ao campo ou a escritórios, todas as entrevistas e coleta de dados foram realizadas pelo computador. Para quem não gosta desse tipo de trabalho, pode ser um pouco monótono, pois é basicamente uma pesquisa remota, mas é também uma oportunidade de conversar com grandes especialistas da área. Tive reuniões com pessoas muito importantes que discutem a questão dos plásticos no mundo, conheci gente muito inteligente e que traz resultados significativos para a área de poluição e resíduos.
Essa experiência me mostrou que quero continuar na área de resíduos, atuando nessa questão de negociação internacional e discussão global, algo que me motiva e que considero urgente. Encontrei uma razão para seguir, apesar das dificuldades, e percebo a importância da colaboração internacional. Alguns países nem sequer têm um grupo discutindo esses assuntos, e é por isso que colaborações internacionais são tão relevantes. Elas podem ajudar esses países a implementar melhores ações em determinados setores. Esse tipo de discussão é realmente essencial.

 

Como embaixadora do Circular Movement no Brasil e com uma carreira conectada a projetos em diferentes países, como você gerencia as diferenças regionais ao aplicar práticas de economia circular e sustentabilidade? Pode nos contar sobre este seu papel de embaixadora?

O Movimento Circular foi algo que eu já conhecia, inclusive algumas pessoas envolvidas, e admirava o trabalho deles. Tinha uma conta no Instagram onde falava muito dos projetos que estou desenvolvendo aqui na África, e eles entraram em contato comigo por meio dela. Vendo que eu trabalhava com resíduos e economia circular, me perguntaram se eu tinha interesse em ser parceira. Hoje, sou embaixadora do movimento, produzindo conteúdo para eles em formato escrito e em vídeo, e participando de eventos onde eles estão representados.
Agora, o Movimento Circular está se expandindo internacionalmente, e é uma experiência de conexão muito interessante. Trago um pouco da minha vivência na África para eventos na América Latina, e é surpreendente notar algumas semelhanças. O continente africano e a América Latina compartilham desafios semelhantes na implementação de práticas de economia circular e gestão de resíduos, o que torna essa conexão uma grande oportunidade para mim. Além disso, é uma forma de manter uma ligação com o Brasil, já que continuo acompanhando as discussões na América Latina. Agradeço muito essa oportunidade, pois não quero me desligar do Brasil, e ainda participo de eventos e trabalhos por lá.
Como Embaixadora, minhas principais linhas de ação envolvem representar o Movimento Circular. Falo sobre economia circular, explicando como ela pode ajudar em vários setores da sustentabilidade, não apenas nos resíduos, mas também em áreas como alimentação sustentável e gestão de água. A economia circular tem aplicação em diferentes setores, além de contribuir para questões socioambientais, que são muito importantes nos projetos atuais. Meu trabalho envolve participar de discussões sobre o movimento, falar sobre economia circular, gestão de resíduos, novas inovações e linhas de atuação nos setores, além de contribuir com documentos, relatórios, eventos e congressos.

 

Desde junho, você exerce a função de Diretora de Operações no WEEE Centre, em Nairobi. Como ocorreu esta escolha? Quais são os principais desafios de coordenar iniciativas ligadas à economia circular e gestão de resíduos nesta organização?

Desde junho, fui contratada como diretora de operações (Chief of Staff) no WEEE Center, uma empresa de reciclagem de resíduos eletrônicos. “WEEE” significa “Waste Electronic and Electrical Equipment,” que remete aos resíduos eletrônicos e eletrodomésticos. A gestão de resíduos eletrônicos ainda é um setor em desenvolvimento, com logística e reciclagem menos avançadas que em outros setores. Essa empresa privada foca na reciclagem e gestão desses resíduos.
Fui contratada inicialmente como Head of Projects, devido à minha experiência com projetos de resíduos. Entrei para lidar com estratégias e gerenciar os gestores responsáveis por diversos projetos, ligados à sustentabilidade, reciclagem e impacto socioambiental. Hoje, gerencio uma equipe de 56 pessoas, sendo nove gestores. Cada um desses gestores atua em áreas específicas, como desenvolvimento de negócios, impacto socioambiental, reciclagem, exportação, inovação, e reuso de computadores. Nós, por exemplo, recebemos muitos computadores ainda em bom estado, então temos um time que conserta, testa e recondiciona esses equipamentos para reutilização. Trabalhamos com os conceitos da economia circular, o que exige equipes diversificadas.
No cargo de Chief of Staff, reporto-me diretamente ao CEO, atuando como ligação entre os gestores e a diretoria. Além disso, sou responsável por garantir o bom andamento dos projetos e assegurar que o gerenciamento de projetos ocorre de maneira fluida. Essa função exige conhecimentos amplos em finanças, gestão de projetos e design de projetos. Diariamente, trabalho com propostas e interações entre diferentes stakeholders. É um grande desafio, mas gosto de estar à frente de discussões importantes, o que me faz sentir que estou no caminho e ocupação certos.
Quanto à decisão de morar em Nairobi, no Quênia, ela surgiu como parte de um plano familiar. Durante a pandemia, meu marido e eu queríamos uma experiência internacional; ele é engenheiro mecânico e tinha interesse em expandir a carreira fora do Brasil. Iniciamos a busca e, ao receber uma proposta de Nairobi, decidimos aceitar, pois a cidade também tinha boas oportunidades para minha área. Nairobi é um importante centro de discussões ambientais e abriga uma das maiores sedes da ONU, que está se expandindo ainda mais, além de contar com vários investidores e iniciativas ligadas ao meio ambiente e sustentabilidade.
Ao chegar aqui, deixei meu trabalho no Brasil, mantendo algumas consultorias que consegui continuar remotamente. Também comecei a fazer muito voluntariado em ONGs, com o objetivo de me conectar com pessoas e mostrar meu trabalho. Paralelamente, apliquei para diversas vagas, o que incluiu processos seletivos longos e desafiadores, especialmente para quem busca posições em organizações como a ONU, onde o processo é bastante competitivo e exaustivo. Foi um caminho difícil, principalmente em um lugar onde não conhecia ninguém, mas com persistência e foco, consegui as oportunidades que tenho hoje.

 

Diante de sua ampla experiência internacional, qual seria sua mensagem final para esta entrevista, visando contribuir com alguém em início ou fase de transição de carreira?

Para quem deseja uma experiência internacional, a palavra-chave é empenho e perseverança. Além dos requisitos básicos, como estudar idiomas, é essencial ter fluência em pelo menos uma ou duas línguas adicionais ao português, o que facilita muito o caminho. Quanto mais cedo se começa, mais fácil é. Se você está na universidade e já tem o desejo de morar e trabalhar fora, com ganhos em dólar ou euro, sugiro que comece a procurar desde cedo. Existem muitas oportunidades, e universidades como a UFSC possuem parcerias com outras instituições, além de programas como Erasmus, CAPES e CNPq. Essas oportunidades variam conforme a época e as políticas governamentais, mas sempre há algo disponível para quem corre atrás.
Também é importante não ter vergonha de falar em outro idioma, pedir ajuda e enviar e-mails para buscar estágios. Calçar as sandálias da humildade e realizar trabalho voluntário não é ruim. Passei um período me dedicando bastante a isso aqui e uso essas experiências tanto no currículo quanto na vida. Me tornei uma profissional muito melhor, porque busquei essas oportunidades e trabalhei muito de graça, seja em voluntariado oficial, palestras, mesas redondas ou aulas em universidades.
Hoje vejo que tudo isso valeu muito a pena. Mesmo como estrangeira, já conquistei um espaço de fala e construí uma boa rede de contatos aqui, o que considero uma grande realização. Mas é preciso batalhar – nada vem de graça e não vai bater à sua porta. Embora haja barreiras a serem superadas, acredito que todos podem sim ter uma carreira internacional. Para quem gosta de viajar, essa experiência enriquece muito a vida.
Lembre-se: nada é permanente. Posso voltar ao Brasil ou tentar outras oportunidades. Tudo passa rápido, então é bom ter isso em mente.

 

Lições de carreira

A jornada da Dra. Isabela Bonatto é uma verdadeira lição de resiliência e inovação. Ao combinar seu conhecimento técnico com a paixão por soluções socioambientais, ela não apenas constrói uma carreira internacional, mas também contribui para um futuro mais sustentável. Sua trajetória é um convite para que todos repensem seu impacto no mundo e se lancem em desafios que, à primeira vista, podem parecer distantes, mas têm o poder de transformar realidades. Ao conectar o Brasil à África por meio da economia circular, ela demonstra como a visão global e o compromisso com causas sociais podem abrir portas para oportunidades únicas. Sua jornada é uma inspiração para todos os profissionais que desejam expandir suas fronteiras e fazer a diferença no mundo.

Vale a pena comentar como conheci Isabela, assistindo ao Programa Expresso Futuro do Canal Futura, vi uma breve entrevista dela ao apresentador Ronaldo Lemos. No mesmo instante, a contatei pelo LinkedIn, já convidando para entrevista, que ela prontamente aceitou. Assim, na mesma semana, conversamos e ela generosamente nos brindou com seus insights. Isto mostra como as conexões estão disponíveis para todos que buscam compartilhar conhecimento para um mundo mais sustentável e de propósito.
Grato pela leitura. Nos encontramos no próximo artigo!

Abraço, Jonny

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