Engravatados e equipe criativa de determinada editora estão reunidos dentro de uma sala de reuniões, convocados pelo presidente da empresa, que não anda nada satisfeito com as vendas de quadrinhos periódicos. “Precisamos criar alguma coisa diferente. Um fato novo. Algo que chame atenção dos antigos leitores e, de quebra, ainda atraia novos fãs”, indaga o principal executivo da companhia fictícia de HQs criada na cabeça do Marcelo, este colunista que vos escreve. “Mas chefe, nós já tentamos de tudo. Até super-herói imortal já morreu. O que poderíamos fazer agora?”, questiona o roteirista. “Tive uma ideia! Vamos pegar o maior símbolo de patriotismo da América, o Sentinela da Liberdade, o herói que leva a bandeira dos Estados Unidos em seu manto, e fazer dele um nazista”, exclamou o presidente. “Genial!”, comemoram todos na sala.
Bom, pelo menos é dessa forma que a maior parte das pessoas imagina que seja tomada uma decisão que faça do Capitão América um vilão. A HQ “Steve Rogers – Captain America”, que chegou às comic stores norte-americanas em junho, fez uma revelação surpreendente. A história reapresenta Steve Rogers como o super-herói que retomou seu corpo jovem, força e agilidade, depois de ter se tornado, do dia para a noite, um senhor de 90 anos de idade por conta do soro do supersoldado ter perdido sua validade. E ao zerar novamente a numeração, a HQ escrita por Nick Spencer entra em um ponto que fez alguns fãs enlouquecerem. Apenas para se ter uma ideia, a decisão foi tão controversa que o roteirista chegou a receber ameaças de morte por parte dos mais exaltados. O quadrinho mostrava que a mãe do pequeno Steve Rogers havia sido convidada para uma reunião da Hydra na década de 1930 e que, supostamente, o Capitão havia sido doutrinado ao longo de sua vida pela vilanesca entidade dos quadrinhos. Ao fim da história, o herói joga um de seus sidekicks de um avião em movimento direto para a morte, terminando com a clássica saudação “Hail, Hydra!”.
Voltamos, então, para a reunião pós-lançamento do primeiro quadrinho, entre equipe criativa e executivos da editora fictícia da cabeça do Marcelo. “Pessoal, vocês estão de parabéns. Nossa HQ que transforma o herói bonzinho em vilão está entre as mais vendidas do mês. Sério, a demanda foi tão grande que fomos obrigados a solicitar uma nova leva de impressões à gráfica. Tá chovendo dinheiro aqui”, comemora o chefe enquanto os demais presentes na sala de reunião começam uma tímida salva de palmas. “Mas agora tem o seguinte”, alerta o executivo, “foi legal ter feito a reviravolta e tal. Mas agora precisamos reverter essa situação. Já vendemos quadrinhos o suficiente para o resto do ano. Agora quero o herói de volta como bom moço, entenderam?!”, pergunta de forma retórica. O roteirista esboça uma resposta quando é brutalmente convidado a se retirar pelo presidente. “A HQ não vai se escrever sozinha, Nick”, debocha.
De volta à estaca zero. Ok, foi legal ter o Capitão América como um vilão, mas precisamos esclarecer que isso não passou de um engano. E a saída da equipe criativa da Marvel, confesso, foi consistente. A resposta para a o herói ter trocado de lado é que, quando Steve Rogers teve sua juventude recuperada por meio de uma garota-cubo-cósmico-mágico, a mesma implantou memórias falsas em sua cabeça, a mando do Caveira Vermelha, para que o Sentinela da Liberdade acreditasse que, de fato, é um vilão e um agente da Hydra infiltrado na base dos Vingadores. Mistério resolvido, herói recuperado e muitas revistinhas vendidas [efeito sonoro de palmas].
Outras reviravoltas polêmicas já marcaram a cultura pop. Na década de 1990, a DC Comics tomou a decisão de matar o Superman, herói conhecido por ser praticamente invencível devido as suas condições de kryptoniano na Terra. O herói foi derrotado por um monstro conhecido no Brasil como Apocalipse, mas que tem como nome original Doomsday. Quando lançada, a revista também foi uma explosão nas vendas da editora norte-americana, que em seguida tratou de ‘desfazer’ a morte e trazer o Homem de Aço de volta à vida.
Mas e aí, vale tudo pelo dinheiro? Certamente não. Escrever uma história simplesmente pelo fato de chamar atenção dos leitores e aumentar a quantidade de vendas é tão… [insira adjetivo pejorativo aqui]. Mas quando a história é bem contada, tem lógica e ainda chacoalha o universo dos quadrinhos, tirando as tramas da zona de conforto… aí pode acreditar que é muito válido. Capitão América e Superman são dois exemplos de reviravoltas nas HQs que deram certo. A de Clark Kent, por exemplo, foi tão bem construída que já está sendo adaptada para os cinemas em “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” e“Liga da Justiça”, filmes da DC Comics dirigidos por Zack Snyder. Guru da Marvel e criador de inúmeros personagens da editora, Stan Lee vai no mesmo caminho. Um dos velhinhos mais amados pelos geeks afirmou ter gostado da ideia, disse que nem a mente dele seria capaz de chegar tão longe, e ainda declarou que gostaria de ver a trama em uma adaptação para as telonas. E quer saber, por que não? A liberdade criativa deve mesmo ser explorada ao extremo. Enquanto nerds, queremos ler novas histórias e nos surpreender com elas. Contudo, a linha de pensamento precisa ser respeitada e o dinheiro deve ser apenas consequência de uma boa ideia – e não o contrário.