Seria o sexto título, coleção que começou há exatos 60 anos na Suécia.
Só que naquele ano foi o contrário. Chegamos desacreditados, após a dramática derrota para o Uruguai na final de 1950 no Maracanã, e a eliminação precoce, ainda na fase de grupos, em 1954. Em nosso primeiro jogo ganhamos da Áustria por 3 a 0, mas na sequência empatamos com a Inglaterra sem gols. Para seguir na competição, precisávamos ganhar da União Soviética, ambas equipes apresentando os mesmos resultados, com a diferença de que a União Soviética era reconhecidamente muito forte. Jogo duríssimo e nossos atletas precisavam de estímulo. Era tudo muito diferente naquela época – os jogadores não eram milionários, podíamos reconhecer a equipe inteira, pois eles atuavam defendendo as camisas dos nossos clubes, não ganhavam fortunas em comerciais, e havia um tipo de heroísmo, cada qual um guerreiro em campo.
Eu estava em começo de carreira, trabalhando como contato na Grant Advertising, nas contas de Caterpilar, cujo Gerente de Propaganda era Julio Ribeiro e General Electric, atendendo a Heitor Whetger. Foi assim, com a GE, que tive participação ativa na Copa, além de torcer. É que criamos uma promoção, que consistia em presentear cada jogador com um televisor, em caso de vitória naquele jogo decisivo.
É preciso lembrar que a televisão estava chegando ao Brasil, era uma grande novidade e muito poucos possuíam um aparelho. Havia, portanto, um forte valor simbólico, além do material.
Só que não podíamos anunciar antes. Imagine se perdêssemos. Foi então montado um esquema logístico que hoje, com os recursos disponíveis, parece absurdo: a mídia era jornal e os materiais normalmente eram preparados com antecedência para entregar às representantes, que se encarregavam de encaminhar. Não houve tempo para isso, e uma equipe da agência saiu com os clichês em baixo do braço com destino às principais capitais onde a veiculação estava prevista. Coube a mim Curitiba e outros foram para o Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e não me lembro que outras capitais, em voos bate-volta.
No dia seguinte, estávamos colados ao rádio, que transmitia os jogos com qualidade de som não mais que regular, torcendo duplamente – pelo jogo e pelo sucesso da promoção.
No outro lado do mundo, o técnico, Vicente Feola, fez três alterações no time (comentou-se depois que sob pressão dos próprios jogadores), e mandou a campo Nilton Santos, Garrincha e Pelé. A seleção de futebol do Brasil nunca mais seria a mesma, teve um salto de qualidade, mudou de patamar. Até hoje chegam a nós imagens de suas incríveis façanhas em campo, principalmente de Pelé e de Mané Garrincha. Vitorioso por 2 a 0 no jogo contra a URSS, nosso time continuou e na final batemos a Suécia por 5 a 2, com direito a um gol antológico de Pelé, que tinha apenas 17 anos. Foi a primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil, que acabou invicta e entrando no livro dos recordes Guiness, como a equipe que mais gols marcou em copas do mundo.
Deixando de lado o viés filosófico e o futebolístico, voltemos à história da promoção. No dia seguinte ao jogo, os principais jornais publicavam um anúncio de página que dizia que cada jogador receberia um televisor na volta para casa. Um telegrama foi enviado à delegação, que era comandada por Paulo Machado de Carvalho, dono da Rádio Record que, com o advento da televisão, originou a Rede Record.
Na volta para o Brasil, a delegação em São Paulo desfilou num carro de bombeiros para a multidão que se acumulava em todo o percurso, desde o aeroporto de Congonhas.
Tínhamos preparado um carro alegórico com a réplica em flores de um enorme televisor, cercado por onze lindas garotas com o uniforme da seleção. Contratamos para isso a empresa de Ruth Prado, a mais conhecida das garotas-propaganda que apareciam ao vivo nas telas, empunhando o produto que anunciavam. Ruth, mulher muito bonita e competente, abriu uma empresa que agenciava essas modelos.
Feriado, dia lindo, sol brilhando, lá fomos, ela e eu, conferir se tudo estava certo. O nosso carro alegórico estava bem no fim do aeroporto, onde um táxi nos deixou, pouco antes que o trânsito na avenida fosse interrompido para o desfile. Vimos que estava tudo preparado e só nos restava voltar para onde pudéssemos alcançar um táxi.
Antes da reforma, havia uma espécie de marginal elevada paralela à avenida, que acompanhava toda a frente do aeroporto e que naquele momento estava totalmente tomada por uma multidão em estado de euforia, esperando a chegada dos campeões.
Descrevo a cena: deviam ser uns 200 metros de caminhada pela avenida praticamente vazia, tendo um pouco acima uma multidão em grande agitação. Detalhe: eu usava um terno de linho bege, devidamente engravatado, e ela ostentava um arrojado vestido saco, moda que havia sido recentemente lançada com enorme repercussão e que deixava o corpo soltinho, um convite à imaginação. Loira platinada, de vestido saco branco, joelhos à mostra. Imaginem isso em 1958, sessenta anos atrás.
Começamos nossa caminhada, era quase um desfile numa passarela. Ia tudo muito bem, até que ouvi o primeiro assobio – fiu, fiu. Desse momento até onde pudemos encontrar um táxi, foi um alarido só, inclusive com um coro que se formou quando alguém gritou:
– Vai saco aí, loira?
Ruth pegou no meu braço e sorria para a multidão, enquanto eu vencia a distância com dignidade, sentindo o suor escorrer em todo o corpo.
Campeões do mundo, promoção de sucesso, desfile para milhares de torcedores enlouquecidos. Relembranças da primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil.
Até a próxima.
Fotos: Arquivo do Colunista