Já que minhas “férias” acabaram, acabo, junto com ela, meu livro de férias: “Vida” 4 Biografias: Cruz e Sousa, Bashô, Jesus e Trótski, do grande Paulo Leminski.
Só me resta dizer: que presente! Leminski leva a gente, pelo seu ponto de vista, rumo à vida destes quatro caras incríveis. Faz rever a história, crenças, preconceitos, escolhas, caminhos e traçados de vida!
Já na primeira história, sobre Cruz e Sousa, meu conterrâneo, ele provoca à luta, aos desejos e à vida! Negro, nascido em 1861, filho de escravos, na antiga Nossa Senhora do Desterro, adotado pelo Marechal do Império. Foi tratado como “branco” por uma classe declaradamente preconceituosa! O único em uma escola de brancos. Poeta simbolista de grandes feitos, assimilou sua contradição social, ética e cultural e transformou sua história. Fez o seu traçado a próprio punho! Desde quando me foi apresentado na escola, ele me encoraja, rompe fronteiras!
Depois, vamos ao Japão, na época dos Samurais, com os haikais de Bashô. Um homem viajante atrás das palavras certas para sua escrita sucinta: “haikai é apenas o que está acontecendo aqui e agora”. Traçou o seu caminho, a pé, por todo Japão agreste e agrário.
Nesta grande viagem, o autor nos leva, também, à Rússia revolucionária. De homens áridos, de fala bruta, em busca de poder. Onde encontramos Trótski, que, mesmo colecionando inúmeras prisões e o exílio, move as fronteiras do pensamento russo estratificado.
E Jesus no meio disso? O que mais me encanta é o jeito que Leminski o apresenta: o menino Jesus andando descalço em Jerusalém. Como quem pisa no chão de seu bairro apenas para brincar. E conta que este menino, às vezes, seguia o cego na estrada e voltava só à noite prá casa. Maria ficava
preocupada com seus sumiços e, na volta, Jesus perguntava: mãe, tem pão?
O menino Jesus subia no telhado para ver as estrelas, sumia na feira, ficava no rio o dia todo. Um dia, José viu crescerem pêlos em Jesus e comentou: ele está crescendo! Graças a Deus, quem sabe ele endireita – comenta Maria! Até
que José perguntou: Vai ser carpinteiro, meu filho? E Jesus respondeu: Não sei o que vou fazer da vida pai. Acho que vou andar mais um pouco por aí. Mãe,tem pão?
Este livro, estes homens, estas histórias foram me colocando em contato com a minha própria estrada. Com as escolhas que fiz e onde estou hoje. Observando e constatando que sempre há muitos caminhos na frente. Quando escolhemos um, estamos abrindo mão dos outros. E é com esta vareta da escolha que começamos a fazer o traçado dos nossos desejos.
Este traçado fica mais forte quando há sonhos, habilidades e realizações envolvidas. Isso faz com que preconceitos sejam revistos. Faz com que um país possa ser atravessado a pé. Permite que façamos uma revolução filosófica.
E talvez o grande sucesso, não este vendido nas prateleiras, a preço de fórmulas e bens materiais, mas o verdadeiro sucesso seja olhar para trás e ver que seu caminho está bem traçado. Há pegadas, há areia mais grossa, areia mais fina. Num pedaço, o mar lambeu e deixou mais sutil.
E nunca se sabe o terreno que espera à frente. Mas, com sua vareta da escolha na mão, você pode continuar a caminhar, romper suas barreiras e preconceitos, inventar um novo jeito de fazer algo, revolucionar um gênero poético, traçar sua
história. E voltar para casa e perguntar: mãe, tem pão?