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Coluna Carreira | Conhece-te a ti mesmo numa perspectiva panorâmica
31 de Maio de 2022

Coluna Carreira | Conhece-te a ti mesmo numa perspectiva panorâmica

Vantagens, desafios e práticas do feedback 360

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Por Prof Jonny 31 de Maio de 2022 | Atualizado 02 de Junho de 2022

Desde os tempos antigos, filósofos e místicos têm dado grande ênfase ao processo de conhecer a si mesmo. O ser humano, em suas múltiplas dimensões, está sempre diante do desafio de aumentar seu conhecimento sobre o mundo à sua volta, mas também sobre si mesmo. À medida que as interações humanas tornam-se cada vez mais complexas, este desafio só aumenta. Isto se dá tanto na esfera pessoal, quanto na profissional, onde as relações humanas estão diretamente ligadas a situações que muitas vezes envolvem outras pessoas e até populações, dependendo do grau de impacto das decisões e ações de cada colaborador envolvido.

Neste contexto, nossa percepção de mundo, tanto no plano natural, quanto relacional, tem influência direta sobre como interagimos com os outros. Focando no contexto profissional, como seriam as relações se todos os líderes fossem estimulados a receber avaliação de seus colaboradores diretos, de seus chefes e pares?

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É possível que em tal cenário, caso certas orientações fossem seguidas, haveria o fortalecimento da cultura de aprendizagem, onde falhas seriam continuamente consideradas como degraus numa escala evolutiva, e acertos seriam fontes de crescimento do grupo.

É justamente na perspectiva de oferecer uma estrutura que proponha este tipo de cultura, que foi desenvolvida a avaliação 360, também conhecida como feedback 360.


Mas, o que é este tal feedback 360?

Podem existir diferentes formas de descrever esta avaliação, mas vamos utilizar esta definição: “O feedback 360 é um processo de avaliação em que não apenas seu superior, mas seus colegas e subordinados diretos e, às vezes, até os clientes o avaliam. Você recebe uma análise de como você se percebe e como os outros o percebem.” Com isto, o colaborador é levado confrontar sua auto-avaliação com aquela resultante das pessoas com as quais ele mais tem que interagir no ambiente de trabalho. O impacto desta análise pode ser muito amplo, tanto no individuo quanto para organização.

Como as empresas adotam o feedback 360?

Da definição acima, é possível depreender que a aplicação deste tipo de avaliação requeira preparação daqueles responsáveis em conduzir o processo, e daqueles que irão passar por este processo, adiante abordaremos mais sobre isto. Conforme o consultor na área organizacional Jack Zenger expressou em seu artigo na Forbes, pode levar tempo para as pessoas perceberem que o feedback 360 pode ser um presente extremamente valioso para elas e não é doloroso quando solicitado e recebido regularmente. Contudo, os ganhos potenciais com a aplicação também são evidentes, pois de acordo com o mesmo consultor, ele se tornou um grande defensor do feedback 360 como parte central dos programas de desenvolvimento de liderança. É uma maneira prática de fazer com que um grande grupo de líderes em uma organização se sinta à vontade para receber feedback de subordinados diretos, colegas, chefes e outros grupos. Além disto, segundo ele, mais de 85% de todas as empresas da Fortune 500 usam o processo de feedback 360 como base do desenvolvimento de liderança.

Quais cuidados devem ser observados quando se deseja aplicar o feedback 360?

Existe muito material neste sentido, e o objeto aqui é apenas despertar o interesse daqueles que ainda não conhecem esta abordagem. Por ser uma avaliação mais voltada a relações de liderança, é comum que mesmos os cursos iniciais de coaching não abordem esta técnica. No meu caso, tive contato apenas durante a formação de coaching executivo.

É fato que muitas empresas podem não aceitar facilmente o processo de avaliação 360, ou mesmo não implementem na forma mais coerente. Este artigo, publicado pela Harvard Business Review, traz interessantes contribuições sobre como tornar a avaliação 360 bem sucedida. Segundo a matéria, muitos líderes avaliados, ao receberem o relatório resumido dedicam algum interesse sobre seu conteúdo, mas logo o colocam de lado, sem dar o devido valor. Neste cenário, o resultado da avaliação é muito pouco ou quase nenhum. Sendo assim, a oportunidade acaba sendo perdida. Por outro lado, as organizações que conseguem tirar o máximo proveito deste processo, em geral, o aplicam de forma diferente. A abordagem registrada no artigo apresenta alguns destaques, que podem fazer diferença na aplicação:

O líder ajuda a escolher quem entre seus colegas deve responder o questionário.

O líder se comunica pessoalmente com os entrevistados, pedindo-lhes que forneçam observações sinceras.

O relatório é apresentado ao líder, quer seja em grupo ou numa sessão de coaching individual.

O líder recebe contexto e orientação para entender os dados.

O líder também recebe um conjunto personalizado de recomendações, mapeadas por competências, para ajudá-los a criar um plano de desenvolvimento pessoal.

Há acompanhamento de profissionais de recursos humanos para garantir responsabilidade.

Entre os potenciais benefícios de uma aplicação do processo de forma mais sistêmica, a matéria relaciona:

Ampliar a auto-consciência da liderança. Este é um dos resultados mais importantes de qualquer feedback, pois pessoas com pouca autoconsciência muitas vezes ficam intrigadas com o comportamento dos outros em relação a eles.

Melhorar comunicação. Líderes que passam por um processo coerente de feedback 360 muitas vezes refletirão sobre um comentário ou feedback, e poderão assumir novo comportamento, voltado ao seu aperfeiçoamento pessoal.

Maior chance de mudança. Um processo de feedback 360, quando bem feito, muito aumenta as chances de que a mudança ocorra.

Quais obstáculos podem ocorrer com o processo de feedback 360?

Apesar dos ganhos em potencial, evidentemente, existem obstáculos a considerar. A especialista em Recursos Humanos, Susan M. Heathfield traz uma abordagem bem crítica sobre esta avaliação neste artigo, mostrando diferentes facetas deste processo. Por considerar seu enfoque muito interessante, compartilho aqui alguns de seus pontos. Em sua abordagem, a autora discorre sobre o propósito de se aplicar o feedback 360, menciona que através dele é possivel obter avaliação aprimorada de mais fontes, contribuir para o desenvolvimento de equipe, conduzir a uma maior responsabilidade quanto ao desenvolvimento de sua carreira na empresa. Contudo, a especialista também relaciona alguns dos problemas que podem ocorrer nestes processos de avaliação, tais como:

Expectativas excepcionais sobre processo. Aqui, é fundamental se certificar que o feedback 360 esteja integrado a um sistema completo de gerenciamento de desempenho e não seja usado como uma iniciativa isolada.

Falhas na concepção do processo de avaliação. Assim como uma organização implementa qualquer mudança planejada, a implementação do feedback 360 deve seguir diretrizes eficazes de gerenciamento de mudanças. A sugestão é que algumas pessoas, formando um conjunto com significativa representatividade, que terão que lidar com o processo sejam envolvidas em sua concepção.

Falha ao conectar o processo. Para que um processo feedback 360 gere resultado, ele deve estar conectado com os objetivos estratégicos gerais de sua organização.

Informação insuficiente. Como as avaliações provindas do feedback 360 são geralmente anônimas, as pessoas que recebem o relatório de avaliação não têm recurso se quiserem entender melhor o feedback. Sendo assim, supervisores, pessoal de RH, gerentes e outros envolvidos devem ser capacitados a ajudar as pessoas a entender seu feedback, bem como a desenvolver planos de ação com base no relatório.

Concentrar-se em pontos negativos e fracos. É normal ter ênfase nas fraquezas apontadas. Contudo, a recomendação ao considerar a metodologia feedback 360 é concentrar-se nos pontos fortes para obter sucesso.

Inexperiência e ineficácia dos avaliadores. É possível que avaliadores possam inflar as classificações para fazer um funcionário parecer bem, ou diminuir suas avaliações para fazer um indivíduo parecer em condição pior do que esteja. Verificações e contrapesos devem existir para evitar essas armadilhas, bem como treinamento para os avaliadores.

Como é apresentado o resultado de um feedback 360 na prática?

Existem diferentes formas e questionários para se aplicar a metodologia do feedback 360. Tipicamente, a pessoa que passa pelo processo preenche um questionário em que deve se avaliar, nos mais diferentes aspectos cobrindo por exemplo, habilidades ligadas a: Estratégia: planejamento, execução, objetivos e metas; Comprometimento: dedicação, e resiliência. Liderança: motivar, desenvolver, e inspirar. Credibilidade: valores, integridade e congruência.

O mesmo questionário é enviado a pessoas com quem o indivíduo interage, sendo importante que estes representem seus superiores, colaboradores subordinados, pares e outros. Diante destas avaliações o sistema gera um relatório, onde o analisado obtem diversas informações sobre sua liderança, partindo da sua percepção, e das avaliações de liderados, superiores e outros colaboradores. Neste sentido, tão importante quanto a auto-avaliação é a comparação destes resultados com os gerados pela avaliação do “mundo ao seu redor”. Como exemplo, têm-se gráficos do tipo radar, como os mostrados aqui.

 

Embora os gráficos acima pareçam os mesmos, posso lhe garantir que são diferentes. A fonte destes gráficos me informou que ficou muito satisfeita ao ver os resultados de seu feedback 360 por notar a grande semelhança entre sua avaliação e aquela resultante das médias dos avaliadores. Alguns insights que podem resultar de tais avaliações, por exemplo, na dimensão “valores”, nota-se que o avaliado foi mais rigoroso consigo do que seus avaliadores, o que pode inferir num forte senso de justiça. Por outro lado, nos aspectos relacionados a dimensões como estratégia e comprometimento, o avaliado atribuiu notas maiores do que as percepções refletidas pela média. O que se pode concluir que seria necessário maior atenção às atividades de planejamento e envolvimento com o grupo.

Além de opções de gráficos como o exposto acima, os sistemas de feedback 360 também permitem analisar em mais detalhes as diferentes dimensões, bem como colher comentários qualitativos que devem ser recebidos com a devida consciência.


Lições de carreira

Como mencionado antes, embora a maioria das abordagens do feedback 360 seja relacionada a cargos de liderança, mesmo que você, no atual estágio de carreira, não esteja em tal posição, pode ser muito benéfico conhecer sobre esta metodologia, e assumir uma postura de pedir feedback contínuo, o que pode levar a um desenvolvimento pessoal nas diversas dimensões e trazer benefícios concretos na sua trajetória profissional. Minha experiência pessoal, ao aplicar esta metodologia anos atrás, durante a formação de coaching executivo, trouxe diferentes insights, entre eles:

Muitos pares vão ter resistência em emitir suas avaliações. Por exemplo, dos quinze questionários que enviei, dois não foram respondidos. Um deles me disse que tinha perdido o prazo, e o outro, um colega de departamento, disse que não iria responder, mesmo sabendo que as respostas seriam anônimas e diretas ao sistema, por que “não se sentia confortável” em fazer isto. Note, este colega era professor há muitos anos, e como tal, exercia continuamente a atividade de avaliação.

Outro ponto de grande valor foi que pelos resultados do meu feedback 360 pude perceber a necessidade de investir mais energia na comunicação sobre o propósito de atuar na área de desenvolvimento humano. Naquela época, estava na fase de conhecer e estudar sobre coaching, algo distante das atividades do mundo acadêmico da engenharia, e até sendo visto por alguns colegas, apesar de nenhum ter me exposto isto diretamente, como uma atividade de menor valor.

Finalizando, vale lembrar o filósofo Tales que disse: A coisa mais difícil da vida é conhecer a si mesmo. Espero que estas ideias sejam úteis em sua jornada de autoconhecimento.

Grato pela leitura. Nos encontramos no próximo!

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