Feriadão da Independência.
Pela janela do escritório
vejo o verde que garrida nossos campos com mais flores,
o sol da liberdade que hoje brilha em raios fúlgidos,
o azul risonho e límpido no céu impávido colosso.
Aqui dentro, ao contrário, só vejo folhas e folhas e folhas,
secas, sim; áridas jamais.
Amores tombados em cartas manuscritas.
Eternizados nas letras desbotadas.
Recuperados na faxina improvisada
onde limpei muito mais do que papel.
Lavei a alma, mesmo sem chuva.
Desinfetei lembranças nocivas,
bolor acumulado em dolorosas despedidas.
Calorosos elogios de quem depois me demitiu.
Relatórios, diplomas e cartilhas de uma expertise obsoleta,
dos tempos sem internet, do orgulho em ser jornalista.
Uma vida depurada, espremida feito hiato a cada folha descartada.
Como árvore subjugada ao Inverno, também perdi parte de mim.
Folhas e folhas e folhas imunes à criptografia.
Uma vida por extenso. Amor profundo imune ao vento!
Anos e anos se passaram. Intempéries me moldaram.
E quando crio coragem pra podar a tinta sem cor,
eis que as memórias chacoalham, se confundem de galho em galho,
dificultando o desapego. Aflorando no peito
um furacão de emoção.
Tudo isso eu vivi, no feriado da Independência,
na faxina da alma prévia à nova estação.
Não sem sofrer. Até me convencer
do quanto sou dependente, indelevelmente,
de tudo o que eu vivi.
Do soluço que jorra da letra que reconheço.
A lágrima que foge, o vulcão que eclode
só de lembrar
do que não tem volta nem sei se vai sanar.
Mas cabe a mim desocupar
caixas, gavetas, prateleiras,
amarguras contorcidas que lotam minhas veias.
Dar outro significado ao sentimento embolorado.
Doar livros aos quilos.
E o conteúdo das cartas, filtrar grama a grama… Emoldurar telegramas
que em outro tempo traduziam a urgência da saudade.
Desfolhar o passado nunca foi fácil, mas decidi, com vontade,
trocar o pó pelo pólen. Espanar velhas crenças. Acatar a mudança.
Te recebo, Primavera, com mais espaço e esperança.
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