Você já parou para pensar como a cultura em que vivemos influencia nossa forma de consumir e até mesmo nossa felicidade? Um estudo recente que tive a oportunidade de produzir em conjunto com os pesquisadores Cynthia Boos de Quadros e Paulo Sérgio Reinert, ligados à Universidade Regional de Blumenau (Furb) trouxe algumas perspectivas sobre como a orientação coletivista pode afetar o nosso bem-estar subjetivo, ou seja, como nos sentimos em relação à nossa satisfação com vida.
Em algumas culturas, o coletivismo é uma característica marcante. O conceito de coletivismo refere-se a uma forma de pensar e agir que valoriza o grupo acima do indivíduo. Em sociedades ou culturas coletivistas, as pessoas tendem a priorizar o bem-estar do grupo — seja a família, a comunidade ou a sociedade em geral — em detrimento dos seus próprios interesses individuais. Esse comportamento está enraizado na ideia de que a harmonia e o sucesso do grupo beneficiam a todos. A influência positiva do coletivismo no bem–estar subjetivo, pode ocorrer por vários motivos. Em sociedades ou grupos coletivistas, as pessoas desenvolvem laços profundos com os outros membros do grupo, como a família, amigos ou colegas de trabalho. Esses laços proporcionam suporte emocional, social e material, o que pode aumentar o bem-estar das pessoas.
O fato de fazer parte de um grupo unido, onde as pessoas trabalham juntas e compartilham objetivos comuns, traz um forte senso de identidade e propósito. Isso pode aumentar a satisfação pessoal, pois o indivíduo sente que suas ações têm significado dentro de um contexto maior. Além disso, no coletivismo, a responsabilidade por lidar com problemas e desafios é frequentemente compartilhada com o grupo, o que pode reduzir a pressão sobre o indivíduo. O suporte social disponível em um ambiente coletivista tende a ser mais sólido, o que reduz o estresse e aumenta o bem-estar.
O consumo sustentável refere-se a hábitos de consumo que levam em consideração os impactos ambientais, sociais e econômicos das decisões de compra. Isso significa que os consumidores se preocupam não apenas com o benefício pessoal do produto ou serviço, mas também com o efeito que sua produção, uso e descarte terão no meio ambiente e na sociedade. Muitas pesquisas já mostram que adotar hábitos de consumo mais sustentáveis pode aumentar a satisfação pessoal, já que a pessoa sente que está contribuindo para o bem comum. Adotar um comportamento de consumo sustentável muitas vezes reflete um alinhamento com valores pessoais, como a preocupação com o meio ambiente e a justiça social. Isso gera uma sensação de integridade, ou seja, as pessoas sentem que estão vivendo de acordo com seus princípios. Esse alinhamento pode aumentar a satisfação pessoal, pois há um sentimento de propósito em suas ações cotidianas.
O estudo em questão investigou a relação entre esses dois aspectos — o coletivismo e o consumo sustentável — e o bem-estar subjetivo de mais de 480 pessoas. A ideia era entender se consumir de forma sustentável intensificaria a influência do coletivismo na felicidade pessoal.
Como resultado, descobrimos que tanto o coletivismo quanto o consumo sustentável foram associados a um maior bem-estar. No entanto, quando analisados juntos, o consumo sustentável não potencializou o impacto positivo do coletivismo sobre a felicidade. Na verdade, ele pareceu diminuir esse efeito. Essa descoberta nos leva a refletir sobre a complexidade das relações entre nossos valores culturais, nossas escolhas de consumo e como isso afeta nosso bem-estar. Nem sempre o que parece ser uma combinação perfeita — como consumir de forma responsável e priorizar o grupo — resulta em mais felicidade.
No entanto, nosso estudo menciona que essa relação entre coletivismo e bem-estar não é sempre linear. Em alguns casos, o forte compromisso com as normas sociais e o grupo pode levar a pressões para conformidade e sacrifícios pessoais. Isso pode reduzir a liberdade individual, e, dependendo do contexto, pode causar desconforto ou frustração em certas situações.
O que isso significa para as organizações?
Para as empresas e formuladores de políticas, isso mostra que é importante promover o consumo sustentável, mas também é necessário entender o contexto cultural das pessoas. Incentivar o consumo sustentável pode melhorar a qualidade de vida, mas é essencial adaptar as mensagens e estratégias para que elas façam sentido dentro das normas culturais de cada grupo. O estudo ainda levanta a questão de que os valores de cooperação, solidariedade e sustentabilidade são essenciais para promover tanto o bem-estar individual quanto o coletivo, mas que essa equação pode ser mais complexa do que imaginamos, trazendo uma nova perspectiva sobre a relação entre cultura, consumo e felicidade.
A pesquisa ressalta a importância de olhar para essas questões de forma integrada e entender que o impacto das nossas escolhas de consumo pode variar conforme os valores e normas culturais que seguimos. A sustentabilidade continua sendo um caminho importante, mas é preciso reconhecer as nuances culturais para que ela seja uma força positiva na vida das pessoas.
Imagens: CanvaPro