Daniel Becker
Em nossa busca de histórias inspiradoras e lições de carreira, conversamos com o engenheiro mecânico formado pela UFSC, Daniel Becker, que se tornou um executivo de sucesso. Com duas formações em MBA, pela FGV e pela INSEAD (França), em 2021, ele assumiu a Diretoria de Soluções Digitais para o Varejo do Grupo Boticário. Sua jornada única e as experiências que ele compartilha são um testemunho do poder do aprendizado contínuo e da adaptação na carreira.
Muito grato por sua disposição em contribuir para nossa coluna. Você menciona ter feito um MBA logo após sua graduação em engenharia mecânica para aprender a parte teórica de administração. Como essa experiência influenciou sua abordagem de negócios ao longo da sua carreira?
A ideia talvez eu tenha para responder essa pergunta. Preciso voltar um pouco para trás. Por que escolhi engenharia mecânica? Por que escolhi engenharia? Sempre fui mais inclinado para negócios. Então, eu disse: “Está bem, então eu faço um curso de engenharia que é um curso difícil e vai me ensinar raciocínio lógico. E depois eu faço uma especialização, MBA, algo nesse sentido”.
Olhando em retrospecto, talvez o que eu deveria ter feito era produção, produção mecânica, qualquer tipo de produção. Mas na época também havia um estigma de produção que era: “Ah, não é uma engenharia pura”. Tinha algumas coisas que nós tínhamos, sei lá, naquela época. Engenharia de verdade é mecânica, elétrica, civil e química.
O que acabou acontecendo durante a minha graduação é que eu já fui fazendo várias eletivas de produção e logo depois já fiz o MBA. Mas eu fiz, na verdade, o MBA aqui no Brasil, logo depois, que é um da FGV. E aí, sete anos depois de formado, eu fiz o fora. Então, eu acho que agora, mais recentemente, você tem diversos engenheiros que trabalham em áreas que não são áreas técnicas. Na minha época, eu meio que era a única pessoa da sala, eu até tinha um pouco de vergonha de falar isso, que já queria trabalhar com negócio, não queria trabalhar na Petrobras, na Schlumberger, algo nesse sentido.
E então, acho que a engenharia me ajudou. Que não ter feito um curso só de administração não teria me ajudado. Aprende-se conceitos tão complexos na engenharia que, no final, você aprende a aprender qualquer coisa complexa. E depois, a base de administração, contabilidade ou até com as coisas mais humanas e tudo mais, são mais fáceis de aprender, dado a bagagem de engenharia.
Até vi isso numa entrevista, não me lembro quem era a pessoa, mas a pessoa era engenheiro. Eu também. Aí ele chegou para o filho dele, falou assim para os filhos: “Vocês todos vão fazer engenharia antes e depois podem fazer o que quiserem, porque a engenharia vai tornar vocês uma pessoa melhor. Independente se você quiser ser cozinheiro, porque ela te dá uma bagagem de raciocínio lógico e tudo”.
Acho que me ajudou muito, acabou sendo por um caminho que talvez hoje é um caminho um pouco mais óbvio, do profissional fazer engenharia e depois trabalhar em banco. Na minha época era menos óbvio. Então foi meio que uma sorte, mas as habilidades que eu uso hoje na minha carreira remetem muito ao curso, mas principalmente essa coisa de conseguir pegar coisas muito complexas e simplificar, ou destrinchar problemas complexos em três, quatro problemas menores e começar a resolver.
Então, acho que tem muita aplicabilidade, apesar de não utilizar conceitos tipo, não preciso saber o que é entropia para tocar o que eu toco, mas ter tido o desafio de aprender o que é entropia, aplicar isso no curso, me ajuda a entender conceitos bem menos complexos que eu utilizo hoje no meu dia a dia.
Em resumo, eu fiz engenharia sabendo que ia fazer MBA. Acho que nem é tanto que aconteceu no Brasil, é que as pessoas meio que banalizaram essa história de MBA. O que eu fiz, na verdade, logo depois da engenharia, foi meio que uma pós em administração, tem o básico do básico na FGV. Mas aquela não FGV São Paulo, a FGV que tem as subsidiárias. E aí entra a pessoa que tem alguma noção de negócio, já de administração, tipo eu, que já tinha feito eletivas, mas entra a pessoa que é tipo dentista, então os conceitos eram muito básicos.
Durante sua trajetória, você liderou o turnaround da estratégia de um modelo B2C para um modelo B2B, co-liderando a criação da marca VIMA, desenvolvendo toda a rede de fornecedores e portfólio de produtos importados da China.. Quais foram os maiores desafios que enfrentou nesse processo e que lições importantes você aprendeu?
Essa história é bem longa. Então, para dar um pouco de contexto, a empresa era uma filial de uma empresa portuguesa. Então, voltando um pouco, eu fiz o estágio em uma empresa italiana que tinha acabado de comprar uma empresa no Brasil. Vim trabalhar nessa empresa que está dentro desse setor de máquinas para indústria de móveis. Com seis meses, acho, de trabalho, o meu chefe naquela empresa virou o diretor dessa empresa Portuguesa e me chamou para ser o gerente dele, que na verdade era uma Startup. Não é uma Startup de tecnologia, mas é uma Startup porque ela começa faturando zero e ela não tem um modelo de negócio definido.
O modelo de negócio era importar, fazer o paralelo com indústria automobilística, importar a Ferrari da Itália e vender para o consumidor final. Então, era importar máquina de alta tecnologia italiana e vender para as fábricas de móveis. Só que esse modelo de negócio foi se mostrando difícil de fazer porque você tinha concorrentes no Brasil que tinham muito mais estrutura que nós e que eram fábricas também. Então, o profissional tinha assistência técnica, peça, nome, confiança. Aí surgiu uma ideia de, em vez de importar Ferrari da Itália, vender para o consumidor final, importar aquele carro chinês barato que tinha no Brasil lá no passado, vender para um distribuidor e esse distribuidor vende para o consumidor final, que no caso era o marceneiro.
E aí, nesse interim, o diretor que foi a pessoa que me contratou acabou saindo. Então, nós reportávamos para o dono, um português, que vinha para o Brasil a cada 2, 3 meses e tinha acabado de começar a fazer esse projeto China. Fui escolhido por um motivo bem básico, eu era a pessoa que falava inglês. E nunca tinha ido para a China. Na época, acho que a China era lugar mais longe do que é hoje. Hoje, as pessoas já foram para lá, virou uma coisa até tecnológica ir para a China. E aí, nós começamos a tentar. Na verdade, pedimos para o dono. O dono veio meio que decidido a fechar o negócio. “Cansei de colocar dinheiro, vou parar”. Ele falou: “Dá uma chance aí que nós temos um negócio, um lead interessante aqui, que é criar esse negócio do b2b”. Beleza, dado o contexto.
Então, desafios. Primeiro desafio, entender quem é quem na China. Então, na China tem de tudo, tem indústria, tem trade, tem indústria de altíssima qualidade, tem indústria de baixíssima qualidade, tem a pessoa com preço alto, pessoa com preço baixo. Então, o primeiro desafio é em um país que você não conhece nada, com uma cultura completamente diferente, com uma barreira de língua, nós falávamos com empresas que tinha uma pessoa que falava inglês e mais ou menos. Então, você tinha que ir lá, criar toda uma relação de confiança. Com todas essas barreiras, acho que o primeiro desafio foi conseguir mapear esse mercado chinês que, na época, nós conhecíamos zero. Depois de algumas idas, nós começamos a conhecer e criar essas relações de confiança com uma pessoa que está do outro lado do mundo e pouco conhece o Brasil.
O segundo desafio foi conseguir desenvolver esse modelo de b2b que era uma coisa que nós não tínhamos essa expertise. Nós tínhamos muito mais expertise do b2c. Nós não sabíamos quem eram os distribuidores de máquina, nós tínhamos dois, três profissionais que nós conhecíamos. A empresa era operada por três pessoas. Então, eu meio que fazia compras, precificação, orçamento, financeiro, tinha uma pessoa que era mais contabilidade e tinha uma pessoa que era comercial e eu fazia meio que o link entre compras e a pessoa do comercial. Acho que o segundo desafio foi conseguir desenvolver essa base de distribuidores.
O terceiro desafio, que é meio quando você monta o negócio do zero, é: “Por que a pessoa vai confiar? A pessoa está acostumada a comprar máquina da Itália de alta tecnologia, agora ela vai confiar que é uma máquina chinesa de uma marca que ela nunca ouviu falar na vida dela? Um, vai funcionar e dois, não vai dar tanto problema, pois com máquina tem sempre a preocupação dela dar assistência técnica no futuro, ela não poderia parar e tudo mais”. Então, nós tínhamos uma estrutura robusta para dar assistência, tínhamos peça e tudo mais, mas são, acho que foi uma época de muito aprendizado empírico. Porque como nós tratávamos direto com o dono, que era um dono muito mais financeiro do que um dono que tocava o negócio, até porque ele não estava aqui fisicamente, então nós tínhamos uma autonomia absurda. Só que nós não sabíamos o que tinha que fazer. Então, no começo da tua carreira, você não sabe muito o que tem que fazer, você vai meio que por tentativa e erro. Acho que foi uma época de bastante aprendizado e que criou conceitos na minha cabeça que me ajudaram. Depois que eu fui para uma fase mais corporativa, fase de executivo mesmo, foi depois do segundo MBA, aí que é a parte do Boticário.
Após a experiência anterior, que durou um período de 5 anos, você decidiu que era o momento de fazer uma transição de carreira e um MBA facilitaria este processo. Quais as razões que lhe levaram a esta decisão? E o que fundamentou sua escolha para cursar este novo MBA no INSEAD, considerando que naquela época você já tinha cursado outro MBA (na FGV)?
Vou responder a segunda pergunta primeiro. O MBA da FGV eu não considero um MBA, então eles não são nem comparáveis. Eu tinha para mim que isso era um plano e que deveria acontecer em algum momento da minha vida. E o Insead tinha também uma conexão emocional, porque meu pai tinha feito um curso lá atrás nessa escola, eu já tinha visitado a escola e tudo mais. Claro que eu apliquei para outros, porque você não sabe se vai conseguir passar, mas eu estava muito inclinado a querer fazer o Insead.
Por que a transição de carreira? Quando nós inventamos, inventar é meio achar que nós somos muito bons, mas quando nós fomos um dos pioneiros da história de criar o b2b2c, quase que não existiam concorrentes que faziam isso. Em cerca de 2 ou 3 anos, várias outras empresas se aventuraram para a China, algumas até nos mesmos fornecedores. Então, um negócio que antes tinha uma margem alta, potencial de crescimento muito grande, com pouca concorrência, virou um negócio cada vez mais “comoditizado”. O negócio que começou era muito prolífero, começou a ficar não tão bom.
Segundo motivo, como uma empresa pequena, e toda empresa pequena tem um pouco disso, eu tocava direto com o dono, então não tinha muito mais o que fazer para crescer. Ou você cresce o negócio, não tem muito como crescer na hierarquia. Então, como o negócio também não estava indo, tinha uma perspectiva de longo prazo de não crescer tanto, eu achei que era uma boa fazer uma transição.
E o terceiro motivo é que nós estávamos começando a ficar estruturados já. Então, por exemplo, na época nós faturávamos 25 a 30 milhões, o que para o patamar de Boticário é nada, mas na época para nós era grande. Então, estávamos começando a criar camadas de governança, fazer um orçamento. E eu era meio que a pessoa que fazia isso, só que eu não tinha tido uma educação formal de como fazer orçamento, nem na faculdade fazendo duas, três optativas, e nem no MBA da GV por ser uma coisa mais rasa. Então, eu falei: “Estou fazendo muita coisa aqui meio que no empirismo, ensinando outras pessoas, porque eu tinha que passar isso para a equipe. Na época, achei uma boa dar uma pausa para educação um pouco mais formal”.
E também, talvez uma terceira coisa, por ser uma empresa pequena, você tem menos isso. Na empresa grande, você tem acesso a um bando de informação privilegiada, curso, formação e tudo mais. Já estava ali com cerca de seis anos de formação, talvez tinha sentido um pouco de falta também dessa sala de aula. Então, era um plano já desde o início, mesmo tendo feito logo depois da GV, e achei que o timing ajudava também porque tem um tempo. Você não tem como fazer o MBA com 35 anos, quer dizer, até tem, mas você vai ser uma exceção de exceção, você perde um pouco do tempo. Você vai já para MBA executivo, que é uma outra coisa. Então, também tem uma idade máxima ali, mais ou menos, que você pode fazer.
Após este segundo MBA, você ingressou no Grupo Boticário na área de Planejamento Estratégico, liderando estudos de lucratividade e novas alavancas de crescimento. Como essas experiências contribuíram para sua visão estratégica e sua capacidade de liderança?
O MBA fornece um conjunto de ferramentas, que acredito ser semelhante ao que as pessoas aprendem, por exemplo, em consultoria estratégica. Ele oferece quadros de análise, acesso a outros estudos de caso de negócios, então ele fornece essa bagagem. Existem outras maneiras de conseguir esse selo, trabalhando em boas empresas, formando-se em boas faculdades e tudo mais.
Se eu não tivesse feito o MBA, muito provavelmente não estaria preparado para trabalhar em uma área de planejamento estratégico. Porque nas minhas experiências anteriores, em uma empresa muito pequena, quase não se usa essa habilidade de planejamento estratégico. A empresa muito pequena está preocupada em sobreviver, não está preocupada com daqui a 5, 10 anos.
Então, acho que houve essa preparação e o que aconteceu na época é que a área de planejamento estratégico era muito pequena. Quando entrei, eram quatro pessoas, ela já tinha sido grande, passou por uma reestruturação, quando entrei eram quatro e hoje é uma área muito maior. Então, tinha uma vantagem de ter tudo condensado em quatro pessoas.
Havia muita comunicação entre as áreas e uma ajuda mútua porque havia muito pouco recurso. Acabou que nos três anos que fiquei no planejamento estratégico na primeira onda, que fiquei lá, que depois fui crescendo dentro do planejamento, no final dos três anos e pouco, eu meio que fiz todo o escopo de planejamento estratégico que tinha a ver com governança, tinha a ver com planejamento estratégico, provavelmente tinha a ver com planejamento financeiro.
Isso me qualificou para os próximos passos que foram o planejamento financeiro propriamente dito, depois uma volta ao planejamento estratégico e agora uma função mais de tocar negócio mesmo, que é a minha função atual. Acho que a passagem pelo planejamento estratégico e também por ter um chefe que foi ex-consultor, quase que tinha um curso intensivo de consultoria embutido nessa história de planejamento estratégico, reforçou o conjunto de ferramentas que tinha aprendido no MBA, de conseguir fazer análises de quadros e também, no final, o que é o produto do planejamento estratégico é um estudo, uma análise que leva eventualmente a uma tomada de decisão. A principal habilidade que você aprende é a comunicação, através de slides, apresentação, tem vários meios, mas no final, nós ensinamos uma linguagem, normalmente com pessoas bastante sêniores, porque as tomadas de decisões estratégicas são realizadas por pessoas de perfil muito sênior, VP, CEO e tudo mais.
Acho que essa bagagem me deu uma visão de longo prazo, o planejamento estratégico está acostumado a ter essa visão de três, cinco, algumas empresas fazem até 10 anos, e um pouco desse conjunto de ferramentas de como fazer análise e talvez um terceiro, que é como se comunicar com stakeholders mais sêniores, que é o stakeholder padrão do planejamento estratégico.
Atualmente, como Diretor de Executivo de Soluções Digitais para Varejo no Grupo Boticário, você lidera uma equipe grande e diversificada. Como você aborda o desenvolvimento de talentos e o apoio ao crescimento de seus colaboradores em diferentes áreas e localidades?
Essa parte talvez seja a que eu mais aprendi na prática no Boticário. Acho que nenhum curso que fiz antes me preparou para essa história de ser gestor de pessoas. Talvez o MBA tinha um pouco de algumas aulas que são mais de habilidades interpessoais que chamamos, mas é difícil você aprender isso com um quadro, você meio que vai aprender na prática sendo gestor.
Aqui, tive acesso a ferramentas, mas mais do que isso, acho que exemplos de pessoas que tinham como grande objetivo na carreira delas desenvolver outras pessoas também, porque isso ajuda você a ter um time melhor, mas acho que primordialmente por um propósito de querer fazer as pessoas se desenvolverem na carreira. Acho que a primeira coisa é você tem que dedicar tempo a isso e considerar que isso é uma coisa importante. E acho que aí a cultura do Boticário ajuda muito porque é uma cultura que não só incentiva como premia quem faz isso. Premia no sentido de que você vai crescer na sua carreira se você for um bom formador de time, um bom desenvolvedor de time e tudo mais. Então, acho que os grandes aprendizados aqui são que se você genuinamente tem o propósito de querer ajudar as pessoas nas suas carreiras, você vai colocar isso na frente das outras decisões.
Vou dar um exemplo, um dilema que acontece diariamente na vida de um gestor: movimentar as boas pessoas de posição causa sempre uma entropia no time, você tira uma pessoa boa de uma posição, você, na hora que você tira a pessoa, você arruma um problema, porque aquela posição lá vai ficar desguarnecida. Se você tiver uma visão mais conservadora de falar assim: “Não, eu não quero trazer nenhum tipo de risco para a empresa”, você não move ninguém, mas também não cresce, as pessoas não vão se desenvolver e tudo mais.
A minha abordagem é a carreira das pessoas em primeiro lugar. E aí, esses problemas que vão surgir porque você vai movimentar as pessoas de um lugar para o outro, você, como gestor de pessoas, tem que aprender a gerir. Como é que você faz isso? Tendo sucessor mapeado, o sucessor para as diversas posições, tendo um pipeline de crescimento, então na sua estrutura tem que ter a pessoa júnior, a pessoa plena, a pessoa sênior, tem essa escadinha. Mas se você colocar na cabeça que o principal objetivo da empresa é fazer as pessoas avançarem na carreira dela em primeiro lugar, acho que genuinamente você vai conseguir ajudá-las.
Isso vale também numa posição de uma empresa de 20.000 colaboradores e que tem bastante estrutura, então que você tem são esses sucessores. Essa mesma realidade, às vezes, uma empresa de 15 pessoas, não sei se é tão verdadeira que você mover uma pessoa ou se sair uma pessoa, meio que a empresa acaba. Então, também estou dando o meu contexto, é a empresa que eu vivo hoje.
Acho que tem uma coisa que é muito legal, que se você fizer isso genuinamente, as pessoas vão se desenvolvendo, elas tomam como um exemplo que você faz. O seu time vai melhorando e, um dos outros dilemas, que é atrair pessoas boas para a sua área, se você fizer isso também com pessoas que não são da sua área via mentoria, coaching, quase que magicamente, vão aparecer vários talentos muito bons para trabalhar com você. Mas é porque você dedicou tempo a isso anteriormente.
Você não vai precisar recrutar de fora, você não vai precisar fazer muito, pagar mais para a pessoa querer vir trabalhar com você ou alguma coisa nesse sentido. Então, é algo que, no final, é muito gratificante. É isso que você vai lembrar da sua vida. Eu não vou lembrar se o EBITDA que eu fiz foi 10, 15, 20 ou 25, mas aquela pessoa chegou naquela posição porque você ajudou ela um dia a destravar alguma coisa ou aprender uma habilidade, você vai lembrar o resto da sua vida.
Acho que o super legal é quando pessoas, já tive, por 10 anos no Boticário, já vivi alguns desses ciclos, a pessoa sai da sua área, sai da empresa, vai para um outro lugar, fica 2, 3 anos e um dia toca o seu telefone, a pessoa fala assim: “Quero voltar ao Boticário, a primeira pessoa que eu liguei foi você”, porque você criou um elo de confiança com a pessoa. O Boticário é uma grande empresa, então é mais fácil aqui a pessoa querer voltar, mas a pessoa podia ligar para 20.000 pessoas dentro do Boticário, ela liga para mim porque você criou algum tipo de confiança.
Então, acho que essa é a parte do meu trabalho que mais gosto e que, como engenheiro, não é uma coisa tão óbvia, você não aprende tanto isso na engenharia, na verdade, não aprende quase nada disso, mas eu fui tomando bastante gosto, investir tempo em aprender também que tem técnicas para, mas acho que a principal coisa que tem que fazer é abrir espaço na sua agenda para esse tipo de coisa porque, senão, os problemas da empresa consomem o seu dia a dia, com certeza.
Sabemos que o universo do trabalho está passando por uma considerável transformação, sobretudo pela influência crescente com o avanço dos sistemas de Inteligência Artificial. Como você encara esta transformação? E quais medidas já tomou no sentido de preparar seus colaboradores neste novo contexto?
Temos um dos negócios aqui que é uma consultoria de dados e IA. Já tínhamos isso, ela nasceu fora do grupo, foi uma aquisição do grupo, daí ela transferiu pessoas para dentro do grupo e continuou prestando consultoria para empresas fora. Já é uma realidade, a IA ficou muito famosa agora porque ela tem essa vertente da IA generativa, mas a IA é um negócio relativamente antigo que já existe.
A minha interpretação é que qualquer avanço tecnológico, seja ele IA ou qualquer outro que temos, normalmente vai trazer algum tipo de eficiência no trabalho, você vai fazer mais alguma coisa mais rápido. Mas é muito difícil que ela entre no lugar do desafio humano de decisões complexas.
No final, essas ondas tecnológicas fazem com que a principal habilidade que um colaborador tem que ter hoje é continuamente ficar aprendendo para não ficar obsoleto. Isso já era uma coisa que você precisava fazer há 200 anos atrás, a diferença é que talvez lá os ciclos eram mais longos, então a pessoa quase que podia viver quase a carreira inteira dela sem ter que aprender muita coisa nova. Agora, os ciclos são muito mais curtos de 1 ano, 2 ou 3 anos. Apesar de uma coisa é a tecnologia virar uma buzzword, outra coisa é a aplicabilidade dela e às vezes tem um atraso das duas coisas. Mas acho que, no final, se você continuamente ficar aprendendo e fechando o gap, é difícil que uma máquina vai fazer o seu trabalho porque tem um trabalho de julgamento ainda.
Acho que sim, você pode tornar o seu trabalho mais eficiente, mas acho que a complexidade intelectual do ser humano é difícil de substituir. O que estamos fazendo aqui é que nós sempre estudamos as várias ondas de tecnologia, mas estamos interessados na aplicabilidade dela no nosso negócio. Então, nós não vamos usar só porque virou moda, vamos usar porque tem algum fim nisso. A tecnologia não é o fim, ela é o meio da história, é o meio de fazer. E IA é uma das coisas que você pode utilizar e o grupo já utilizava há bastante tempo, algumas soluções aqui para previsão de demanda já se tinha machine learning para várias coisas. Acho que o desafio maior que as pessoas vão ter é sempre de fazer esse catch up do conhecimento.
Por exemplo, vou falar de habilidade bem simples que inclusive aprendemos lá na época da faculdade. Então, você se formava lá, quando me formei em 2006 e quase que o inglês era uma coisa obrigatória, que era uma língua obrigatória. Agora, saber programar em diversas linguagens é uma língua obrigatória também.
Você tem que ir fechando esses gaps de aprendizado para não ficar obsoleto, mas eu não acredito muito que a tecnologia vai acabar com empregos. Acho que ela torna os empregos mais estratégicos. Então, a pessoa que hoje faz uma coisa muito operacional, essa pessoa talvez tenha que ter preocupação, é importante. No final, você vai subindo na carreira, os problemas não ficam mais simples, eles ficam com só trade-off, não tem uma resposta certa. Só tem: “Quero fazer isso, mas o downside é esse, o positivo é esse”. Eu acho que isso ainda a IA não consegue fazer um julgamento tão claro para qual caminho ir.
Acho que quando você tem um negócio, a preocupação maior que deveríamos ter aqui é continuar tendo um negócio super próspero que vai continuar crescendo e produzindo novas vagas. E as pessoas têm que acompanhar esse gap através de autodesenvolvimento, o aprendizado dentro da empresa e tudo mais. Existem diversas ferramentas para fazer isso, mas acho que talvez a coisa que mais acreditamos aqui é que você vai aprender no trabalho e menos de uma forma acadêmica, mas aí é uma crença meio que da nossa empresa. Acho que tem outras empresas que acreditam mais em outras coisas, mas aqui acho que você, por a empresa continuamente se desenvolver, quando entrei, a empresa era bem menos complexa do que ela é hoje. Tem vários canais novos, várias marcas novas, várias categorias novas. Então, para você conseguir entender isso e aplicar no seu trabalho, já tem um aprendizado na história. Acho que naturalmente pelo desenvolvimento da empresa, o crescimento dela, principalmente, as pessoas vão tendo que se desenvolver. Se a pessoa não se desenvolve, ela sai.
Diante de sua experiência como executivo de grandes empresas do país, qual seria sua mensagem final para esta entrevista, visando contribuir com alguém em início ou fase de transição de carreira?
Meu irmão agora está fazendo transição de carreira. Eu vou falar o que eu falei para ele: primeiro, não se importar tanto com “o que” e se importar mais com o como. O que eu quero dizer é que as pessoas tentam escolher com o que elas querem trabalhar. “Ah, eu quero trabalhar com tecnologia relacionada à logística”, e ele fica obcecado pelo que. Às vezes, ele acha esse “o que” numa empresa, daí ele vai trabalhar naquela empresa, e depois de um ano, ele descobre que a cultura da empresa é muito ruim e daí ele sai. O “como” é a cultura, e a cultura é feita das pessoas daquela empresa, da história daquela empresa.
Talvez a primeira dica, quando você vai procurar uma nova empresa ou começar, tente achar esse “como”. E o “como” é difícil, porque você vai ter que lá falar com mil pessoas na empresa, tentar entender o que é a cultura da empresa, por que momento ela está passando e tudo mais. Porque eu acho que é isso que, por que eu estou 10 anos na empresa, porque a cultura dela é muito boa, não só porque ela é um negócio muito bom, lucrativo e tudo mais. Tem vários outros negócios muito bons e lucrativos que, provavelmente, eu não ficaria 10 anos, porque eu não gostaria de trabalhar naquela empresa com aquelas pessoas por 10 anos.
Então, acho que a primeira coisa é o “como”. A segunda coisa, dentro do “como”, é dentro de uma empresa que tem uma cultura muito boa. Você tem uma empresa de 20.000 pessoas, tem uma cultura, mas também tem microculturas. E essas microculturas elas são normalmente determinadas pela pessoa mais alta daquela vertical, o vice-presidente, diretor executivo e tudo mais. Acho que a segunda dica é dentro do “como”, tente encontrar o seu gestor direto ou gestor indireto que te puxe para um lugar melhor na sua carreira e te desenvolva.
Aquela história que nós tivemos agora, aquela conversa que nós tivemos sobre desenvolvimento de pessoas, se você pegar alguém que genuinamente gosta de fazer isso, você vai melhorar na sua carreira. Não é todo mundo que tem. Tem gestor que está mais preocupado em preservar o emprego dele do que desenvolver os outros e, por isso, ele não vai promover ninguém ou não vai nem contratar gente boa porque ele está mais preocupado em manter o dele.
Acho que essa segunda coisa que deveria procurar é alguém que eu tive a sorte de ter, ótimos gestores aqui que me deram sempre oportunidades antes de eu achar que estava preparado para elas e, por isso, que fui aprendendo. A pessoa dava um gap grande assim de conhecimento, você tinha que ir lá descobrir, mas a pessoa era corajosa para te dar essa oportunidade, senão isso não teria acontecido.
Portanto, acho que a primeira é o “como”, negócio da cultura, o segundo é o gestor.. E o terceiro, você pode ser a melhor pessoa do mundo, mas se você estiver numa empresa que está num setor ruim ou que é uma empresa que está dentro de um setor ruim, no final, a gente brinca aqui que você colocar um management muito bom numa empresa muito ruim, o que ganha é a empresa, que a pessoa não vai conseguir fazer turnaround numa empresa ruim num setor ruim.
Também tive a vantagem de estar no melhor player de um setor muito bom que é o setor de cosméticos no Brasil, porque se estivesse nesse mesmo contexto e tivesse apostado no cavalo errado lá atrás, não estaria aqui na minha carreira porque nem existiria essa minha posição, não teria avançado. Então, é mais fácil você conseguir se desenvolver numa empresa e crescer numa empresa que produz muito mais vagas do que ela consegue produzir de talentos internos, do que numa empresa que fala cada ano vamos cortar 30% das vagas.
E no que não quer dizer que você tem só pode, deveria trabalhar empresa grande, pode trabalhar na empresa pequena também que tem mais risco. O tema é tentar fazer uma leitura de cenário para entender se aquela empresa vai virar porque, senão, não adianta você ser a melhor pessoa num negócio que não dá certo que você vai morrer junto com o negócio. Acho que são essas três aí, mas talvez a mais importante é a primeira, é se preocupar mais com o “como” do que com o “quê”.
Isso não é fácil de fazer, é difícil você conseguir fazer uma leitura tanto de fora e também falando com pessoas que às vezes estão querendo te convencer a entrar, mas acho que tem como, é gastar muito tempo nisso e talvez menos obcecado pelo “quê” porque o “quê”, no final do começo da tua carreira, você não sabe bem o que você quer fazer. É mais fácil você entrar na empresa certa e depois você vai descobrindo o “quê” do que ser obcecado pelo “quê”. Você fala assim, mas esse meu “quê” aqui, na verdade, eu me desiludi, não era uma outra coisa que imaginava e isso tem numa empresa errada, você tem que trocar de empresa.
Lições de carreira
O contato com Daniel Becker para esta entrevista se deu logo após conhecer seu pai, Ismar Becker- recém entrevistado nesta coluna, e descobrir de sua migração para área executiva, tendo em vista que ele tinha se formado em Engenharia Mecânica pela UFSC. Daniel se mostrou muito receptivo a realizar a entrevista e prontamente agendou nossa reunião numa vídeo conferência, muito descontraída e aberta. A jornada de Daniel Becker nos lembra que cada trajetória é única, mas uma característica comum a praticamente todas que obtem sucesso é a necessidade de crescimento e aprendizado contínuo. Que esta história possa inspirar você a buscar o mesmo em sua própria carreira.
Grato pela leitura. Nos encontramos no próximo artigo!
Abraço, Jonny