Em 26 de junho de 2023, o International Sustainability Standards Board (ISSB) emitiu as 02 (duas) primeiras normas de sustentabilidade – IFRS S1 e S2, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2024. Com isso, em 20 de outubro de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Resolução nº 193, também estabeleceu requerimentos para a elaboração e divulgação de relatórios de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade às companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras.
Importante ressaltar que tal resolução atende ao próprio mercado, que vê crescer a cada dia a demanda por informações relacionadas à sustentabilidade por parte dos investidores e da sociedade, e as empresas que optarem por segui-la terão um enquadramento regulatório para a elaboração desses relatórios, com intuito de garantir certa uniformidade e comparabilidade.
A resolução define 02 (duas) fases de adoção:
1. Voluntária, a partir de 2024 para relatórios divulgados em 2025; e
2. Obrigatória, a partir de 2026 para relatórios divulgados em 2027. Essa abordagem permitirá que as companhias se adaptem de forma gradual às novas normas.
Mesmo com a obrigatoriedade definida somente a partir de 2026, muitas empresas já estão adotando a divulgação voluntária há alguns anos, seguindo outros frameworks, como por exemplo Global Reporting Iniciative (GRI) e Sustainability Accouting Standards Board (SASB), e demonstrando comprometimento com as questões ESG, através não só da realização e divulgação de relatórios de sustentabilidade, mas também por meio da implementação de diversas medidas e processos de conscientização e engajamento de seus colaboradores, de forma a garantir um alinhamento efetivo e natural. Assim, não é exagero afirmar que tais empresas saem na frente para liderar uma nova era de desenvolvimento.
Adicionalmente, em 25 de outubro de 2023, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) emitiu a Resolução nº 1.710, dispondo sobre a adoção das normas de preparação e asseguração de relatórios de sustentabilidade, e incluindo a responsabilização técnica do profissional da contabilidade que, assim como com as demonstrações financeiras, será responsável por identificar essas informações de sustentabilidade integrado as DFs.
Importante esclarecer que isso está em linha com o panorama internacional, no qual o ISSB está “ao lado” do International Accounting Standards Board (IASB) – (no Brasil, o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), de forma equivalente). Dessa forma, em que pese a Resolução nº 193 da CVM seja aplicável apenas às companhias que estão sob sua regulamentação, a probabilidade de extensão para outras empresas, com o advindo da Resolução do CFC e da própria demanda do mercado, é muito grande.
E o que determina a nova resolução da CVM?
As empresas serão afetadas em várias dimensões. A elaboração dos relatórios demandará recursos significativos, incluindo pessoal qualificado e sistemas de coleta e análise de dados. Apesar dos investimentos iniciais relevantes, tais medidas tendem a melhorar a governança, a estratégia e a gestão dos riscos, impactando beneficamente a operação das companhias como um todo.
As normas estabelecem um padrão internacional para os relatórios, e ajudarão as empresas a comparar seu desempenho com o de outras organizações em todo o mundo. O que também será um diferencial competitivo, haja vista que investidores e demais stakeholders buscam cada vez mais se alinhar com instituições que se preocupam com o desenvolvimento sustentável.
Pode-se dizer que uma das principais implicações da resolução é o aumento da transparência das políticas e práticas das empresas, o que permitirá diferenciar o discurso da prática. Isso, pois, por muito tempo, companhias se apropriaram do discurso de sustentabilidade, e incorporaram ações de marketing para melhorar e/ou construir uma boa reputação, mas sem ações efetivas nesse sentido. Porém, atualmente com a evolução para a criação de um framework único, será possível identificar as empresas que estão realmente vivenciando tais práticas, daquelas que estão apenas falando sobre ESG.
Em um futuro não muito distante, com essa parametrização de divulgações, será praticamente mandatório mapear, promover e incorporar medidas ambientais, sociais e de governança à gestão das operações das companhias, cujas informações deverão ser aferidas e apresentadas a toda sociedade.
Uma maior transparência será imposta e, consequentemente, espera-se a geração de um efeito cascata no mercado, uma vez que mesmo aquelas que não têm obrigatoriedade de divulgação desses dados começarão a adotar tais parâmetros, seja por voluntariedade e legítima preocupação com as questões ESG, seja por imposição de outras empresas reguladas com as quais transacionam, e que necessitam de rastreabilidade e adequação de sua cadeia de valor.
Isso acontecerá porque, com o desenvolvimento galopante da temática ESG globalmente, prestar contas de forma transparente em relação à essa jornada tende a se tornar uma regra que, assim como a auditoria hoje, será uma prática natural do mercado.
Importante destacar que a resolução também determina que os relatórios de sustentabilidade devem ser apresentados seguindo a mesma periodicidade das demonstrações financeiras de encerramento de exercício social, o que assegura que as informações estejam atualizadas.
Da mesma forma, as empresas que realizarem a elaboração e divulgação do relatório de sustentabilidade deverão passar por processo de asseguração por auditor independente, garantindo a confiabilidade das informações, sendo que o processo de asseguração poderá seguir a metodologia limitada nos anos de divulgação voluntária, devendo, contudo, migrar para a metodologia de asseguração razoável a partir do início do período de obrigatoriedade.
Este é um outro importante ponto, pois atualmente a asseguração limitada desses relatórios é realizada também em caráter voluntário, utilizando-se a norma NBC TO 3000 (equivalente a ISAE 3000). Com o exposure draft da ISSA 5000, emitido em 02 de agosto de 2023 pelo International Auditing and Assurance Standards Board( IAASB), muito provavelmente teremos também uma nova norma de asseguração em breve.
A Resolução nº 193 da CVM beneficia a sociedade ao promover a responsabilidade social das empresas, e fornecer informações essenciais para avaliar os impactos que suas operações causam ao meio ambiente e sociedade. Isso, por sua vez, incentiva práticas mais responsáveis e perene no mundo dos negócios.
Acreditamos que a edição dessa norma representa um marco importante no caminho em direção a um mercado financeiro mais sustentável e transparente, com empresas, investidores e auditores desempenhando papéis-chave na construção de um futuro mais ético e responsável.
Por Viviene Bauer, sócia da BDO.
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