Tem pessoas que são assim: você pode xingar a mãe, chamar o filho de coisas inomináveis, discutir polêmicas políticas, falar mal do time do coração e até questionar sua sanidade mental; em quase todas as situações elas conseguem manter uma relativa civilidade. Mas experimente corrigir seu português.
Nunca entendi por que tem gente que fica tão mortalmente mordida com isso.
Geralmente o ofendido ou a ofendida reclama que estava tratando de um assunto importante e quem corrigiu só olhou para o erro; mas é por isso mesmo, minha gente! Se o assunto é importante, não merece ser perturbado por um ruído bobo como um erro de português. Para mim, é como avisar que o zíper está aberto ou tem feijão no dente. Melhor corrigir rápido e não se fala mais nisso. Tão simples!
Mas não. As redes sociais estão cheias de amizades desfeitas por conta de alguém que, incomodado com a vergonha alheia, quis acabar com o espetáculo e se deu mal. Os corrigidos ficam furiosos, a reações são desproporcionais. Alguém devia fazer um estudo psicológico a respeito.
Há quem considere uma questão de honra e questione a validade da regra (?), dizendo que se a gente procurar no Google, vai achar a palavra escrita dessa maneira também (como se o buscador fosse uma gramática; por falar nisso, procure “voçê” e assuste-se com as ocorrências). Há quem declare solenemente que não liga para as regras e adora quebrá-las, com um ar blasé que mal consegue dissimular o ódio profundo pela intromissão.
Já vi pessoas martelando o bordão de que o conteúdo é mais importante que a forma; sou da opinião que a forma inadequada pode prejudicar a compreensão (e até a credibilidade) do conteúdo.
Sinceramente, não consigo entender qual é o problema numa questão, para mim, tão simples. O que há de tão sensacional num erro de português? Nossa língua é sabidamente difícil, cheia de regras e exceções. Quando eu era pequena, era comum a gente discutir sobre palavras exóticas, suas origens e significados na hora do almoço; por isso, na cozinha sempre tinha um dicionário.
O que me deixa encafifada é que as pessoas não têm vergonha de errar; elas têm vergonha é de ser corrigidas!
Como lidar?
Adoro quando corrigem meu português (mentira, preferia não ter errado, mas acho pior manter o engano), pois quando alguém me dá um toque significa que vou parar de pagar mico em público porque sim, todo mundo percebe, mas finge que não viu nada com medo de apanhar. Acho melhor ainda quando, em vez de um simples erro de digitação, o caso é daqueles que você tem que ir até uma gramática para ter certeza. Já participei de debates bem interessantes sobre algumas situações onde aprendi muito mais do que apenas a correção do erro em questão.
Já fui corrigida (mais de uma vez) publicamente no meio de uma palestra, então posso dizer de cadeira: não dói nada admitir a incorreção e agradecer o auxílio luxuoso. Dá até para fazer graça com o ocorrido, sem dramas. Na verdade, até incentivo esse tipo de interação; muito melhor do que ninguém prestar atenção no que você fala porque está fofocando com o colega ao lado sobre a mancada que o palestrante fez.
Se o texto é só uma bobagem, não dá para ficar corrigindo tudo (senão sua rede social vai virar uma rede solitária). Mas quando o ruído perturba muito, tento fazer o que gostaria que fizessem comigo: aviso o redator. Na verdade, fazia. Depois de levar muita pedrada, fiquei mais comedida. Se o negócio me incomodar demais, simplesmente ignoro, paro de ler e sigo a vida.
Hoje em dia só corrijo quem eu sei que não vai levar a mal; na verdade, só ouso corrigir pessoas de quem gosto muito e cujo trabalho respeito profundamente. Algumas discussões alongam-se e o desafio vira um ótimo entretenimento. Em algumas empresas onde trabalhei, apostávamos caixas de Bis para ver quem estava certo e todo mundo adorava.
Por isso não consigo entender: para que tanto drama?
Coincidência ou não, esse povo que gosta de ser corrigido é quem menos erra, quase não dá para se divertir…