ARTIGO | Cannes Lions: eficiência, criatividade e propósito
03 de Julho de 2020

ARTIGO | Cannes Lions: eficiência, criatividade e propósito

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por Roberto Ribas *

O Cannes Lion, festival internacional de criatividade que reúne todos os anos a indústria da comunicação em um gigantesco evento na linda cidade de Cannes (sul da França) para debater sobre criatividade, propaganda e comunicação, deu um baita exemplo este ano e mostrou na prática como responder com agilidade ao contexto imposto pela pandemia e, ao contrário de outros grandes eventos globais, não cancelou suas atividades e conseguiu entregar para sua indústria um conteúdo de qualidade e uma discussão madura sobre o papel da criatividade para os negócios.

O evento se reinventou, assim como a própria indústria criativa tem tentado fazer na última década. A primeira grande surpresa para quem conseguiu acompanhar foi a própria dinâmica de entrega do conteúdo. Ao invés, de apresentar uma sequência de lives, o que traria um grande desafio para a audiência acompanhar tudo sem pensar em se atirar pela janela, o conteúdo foi apresentado em formato de programetes intercalados com cases, comerciais. Semelhante à dinâmica da programação de um canal de televisão.

Ao longo de 5 dias, trouxe à tona inúmeras discussões sobre o novo momento e seus impactos na realidade de marcas, consumidores e na própria indústria da criatividade e da comunicação. Analisando friamente, não percebemos muitas novidades ou tendências marcantes, principalmente para quem acompanha mais de perto estes temas no dia a dia. Mas, não podemos deixar de destacar 2 pontos:

 

1) CRIATIVIDADE SOB A ÓTICA DA EFICIÊNCIA

Seria muito estranho se um evento com a magnitude de Cannes Lion não colocasse em sua pauta a busca pela eficiência e resultados concretos ainda mais no momento que estamos atravessando. Mas, confesso que fui surpreendido positivamente neste sentido. A criatividade é colocada com um papel que vai muito além de chamar a atenção, engajar e envolver a audiência. É posta como um dos pilares essenciais para o crescimento da empresa e, desta forma, se associa com a entrega de resultado tangível.

Peter Field, consultor criativo e palestrante, e James Hurman, autor do livro The Case for Creativity, desenvolveram, ao longo de 2019, um estudo global, envolvendo líderes de marketing e agências, com o objetivo de entender os reais efeitos do trabalho criativo nos resultados de marketing e, sobretudo, de negócio. A primeira percepção foi a falta de uma definição clara sobre eficiência entre os profissionais e, em consequência, de como medir a eficácia criativa. Isso acaba limitando a capacidade de identificar as melhores práticas e, até mesmo, de aprender e aprimorar métodos e processos para os trabalhos futuros. Em resposta a isso, Field e Hurman desenvolveram e lançaram durante o Cannes Lion deste ano o framework chamado The Creative Effectiveness Ladder, que traz em uma escala hierárquica de 3 níveis e 6 tipos de impactos gerados pela criatividade nos resultados do negócio, organizados de acordo com o impacto comercial gerado.

 O framework nasce com o propósito de permitir que os líderes criativos possam entender o que torna suas iniciativas mais ou menos eficazes e com isso desenvolver um processo de aprendizado evolutivo.

Nível 1 — Ideia Influente: As campanhas de Ideias Influentes usam a criatividade para maximizar o engajamento e o compartilhamento, considerando mídia conquistada e conteúdo compartilhado como métricas de sucesso e eficiência da mídia.

Nível 2 — Mudança de comportamento: campanhas que usam a criatividade
para alterar o comportamento de compra dos clientes ou alterar outras formas de comportamento relevantes para o sucesso da marca.

Nível 3 — Pico de vendas: criatividade aplicada na melhoria da performance comercial, gerando crescimento temporário e de curto prazo nas vendas, em market share ou na lucratividade.

Nível 4 — Construção de marca: criatividade sendo usada no desenvolvimento de reputação e de saúde da marca em todas as etapas da relação marca-consumidor, incluindo conscientização, consideração, preferência, intenção de compra e senso de pertencimento.

Nível 5 — Triunfo comercial: criatividade aplicada para melhorar a performance comercial de forma mais consistente, transcendendo os limites de duração da campanha e do quarter vigente.

Nível 6 — Ícone durável: usam a criatividade para impulsionar crescimento dos indicadores de marca e de performance de vendas de forma consistente, por meio de uma estratégia criativa de longo prazo.

De forma geral, o framework mostra que as campanhas criativas podem ser encapsuladas em 3 grupos diferentes de acordo com sua amplitude de impacto no negócio: 1) Aqueles que geram resultados positivos nos indicadores da própria campanha, ou seja, se restringem aos limites da comunicação; 2) aqueles que impactam positivamente na reputação e saúde da marca e 3) aqueles que geram resultados comerciais para o negócio.

É importante destacar também a relação da criatividade com a construção do futuro da marca. A construção de uma marca forte passa também por uma estratégia criativa consistente e de longo prazo, sustentada por um propósito claro como a mais genuína forma de entregar valor. Mesmo lançando mão de campanhas focadas em responder às pressões do curto prazo, entregando melhorias de performance hoje, estas campanhas devem fazer parte de uma estratégia de longo prazo que mira o crescimento e diferenciação amanhã e a perpetuidade depois de amanhã.

 

2) PROPÓSITO E ATIVISMO

Como não poderia deixar de ser, o tema propósito permeou a maioria das discussões. Sem dúvida, é o grande alicerce para transformação dos negócios e o principal elo de conexão entre marcas e seus públicos. Os líderes de marketing globais perceberam isso e pautam seus movimentos em torno de um propósito claro e forte. Suas iniciativas de comunicação começam a se tornar mais íntegras e coesas ao criarem uma narrativa em torno da essência da marca e sua principal razão de existir.

Bem, até aí não há muita novidade. O interessante da discussão deste ano foi o mérito do propósito em si. O quanto estão ancorados verdadeiramente em temas relevantes para a sociedade e estão engajados em apoiar e transformar a vida das pessoas. As marcas e os negócios que elas representam são integrantes da sociedade e como tal possuem responsabilidades sobre seus interesses, dilemas e desafios. Na edição deste ano, pudemos perceber algo além do discurso. Marcas assumindo posição e desenvolvendo iniciativas alinhadas às metas globais para o desenvolvimento sustentável, que visam criar um mundo melhor até 2030, acabando com a pobreza, combatendo a desigualdade e atendendo à urgência das mudanças climáticas. Enfim, assumindo um papel de transformação e evolução.

A propósito, o ano de 2020 tem sido muito próspero e cheio de oportunidades para as marcas colocarem em prática seus propósitos e mostrarem que suas ações sobressaem seus discursos. Em resposta à crise global na saúde e na economia, que gerou um impacto social gigantesco, muitas marcas arregaçaram as mangas e promoveram inúmeras iniciativas de apoio às pessoas mais impactadas.

Nesta edição, tivemos inúmeros palestrantes e debates em torno deste tema, assim como dos movimentos em prol da diversidade e da igualdade. Um dos mais marcantes foi a entrevista realizada por Stephan Loerke, CEO da World Federation of Advertisers, a Phumzile Mlambo-Ngcuka, secretária-geral da Nações Unidas. Phumzile afirma que as marcas e a indústria da propaganda de forma geral têm a responsabilidade fundamental de combater as injúrias da sociedade, à medida que possuem um poder gigantesco de engajar e influenciar o comportamento das pessoas e que, no momento que não assumem esta responsabilidade, ajudam a perpetuar as diferenças e os esteriótipos que geram a discriminação.

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Ainda podemos destacar outros aspectos bem relevantes que permearam as conversas na edição de Cannes Lion deste ano, como a criatividade sendo posta como a força motriz da transformação; como a indústria criativa está repensando seus modelos de trabalho, integrando times de tecnologia e criatividade ou como tecnologias de realidade virtual (VR) e realidade aumentada (AR) vão revolucionar as experiências dos consumidores. Mas, vamos deixar isso para um outro artigo.

 

* Roberto Ribas é Diretor de Estratégia da BriviaDez, formado em Publicidade e Propaganda pela UFRGS.