O mercado publicitário se agita com os investimentos estratosféricos das bets. Mas qual o impacto social destes novos cassinos?
Acho que todos se lembram dos motivos que levaram os bingos à extinção. Além de proibido o jogo no Brasil, os bingos foram responsáveis por levar milhares de pessoas e famílias à bancarrota. Nem mesmo os trocentos projetos de lei que visavam sua legalização conseguiram vencer o repúdio social, e hoje adormecem em escaninhos empoeirados do Congresso Nacional.
Agora, anos depois da caça aos bingos, surgem os sites de apostas. Foram chegando devagarinho, sem mais nem menos, sem grande alarde, mas já começam a se tornar uma realidade incômoda na vida dos brasileiros.
A grande diferença entre a chegada dos bingos e dos sites de apostas é que os bingos precisavam de um espaço físico, de luzes e cores. A magia do jogo estava nas ruas, a olhos vistos. Viam-se, na porta dos bingos, grupos de idosos indo e vindo, entrando e saindo, e aquilo certamente gerava um incômodo silencioso, pois sabia-se que boa parte daquela população era formada por viciados que estavam pondo em risco suas aposentadorias, seus salários, o sustento de suas famílias.
Os sites de apostas, por atuarem apenas no virtual, não precisam de prédios, luzes ou adereços. Precisam apenas de um bom sistema, de um aplicativo parrudo e de muita, muita publicidade.
E assim começaram investindo no setor mais óbvio de todos: os esportes. As apostas precisam de esportes acontecendo o tempo todo, e no mundo inteiro. Um só jogo de futebol, por exemplo, gera dezenas de possibilidades de esportes: quem ganhará, quem perderá, quem fará gol, quantos cartões amarelos, quantas faltas, quantos pênaltis, quantos escanteios para cada time etc.
As bets, como são chamados os sites de apostas, investem em placas de publicidade, em anúncios em telões, em produtos comercializados dentro dos estádios, e são responsáveis por representar boa parte dos patrocínio master de muitas camisas de peso do futebol nacional.
Sem contar, é claro, na publicidade que circula nos veículos de comunicação. Assista um jogo pela televisão ou rádio e veja quantos comerciais são feitos por estas empresas. Os narradores costumam dizer ao vivo quanto estão as odds, ou seja, quanto está valendo a aposta em cada uma das equipes. Ao vivo! Isto acontece em qualquer sistema de transmissão, em qualquer canal e em qualquer horário. Crianças, idosos, homens, mulheres, ricos e pobres, todos são telespectadores desta onda publicitária.
Além da questão física (não precisam de prédios pomposos), os sites de apostas conseguiram romper outra importante barreira em relação aos bingos: o limite de renda não é empecilho para milhares de pessoas que vivem no limiar de suas rendas possam apostar seu parco dinheirinho. É possível apostar pouco, bem pouco, e por isso não sofrem o mesmo preconceito dos bingos.
Mas a conta chegou e continuará chegando.
Levantamento feito junto a beneficiários do Bolsa Família mostrou que parte do que o governo pagou para essas famílias foi gasto em sites de apostas. E se cavar ainda mais fundo, veremos que parte do sustento das famílias de baixa renda está sendo “aplicado” nessas bets.
Não se tem a exata noção do porvir. Há remedos de projetos visando sua regulação, houve uma recente iniciativa do governo federal em cadastrar as bets (só porque ficou feia a história do Bolsa Família), a Receita Federal baba como um cão feroz visando sua tributação, há esforço do Conar em tentar uma efetiva fiscalização. Mas, de concreto, tem-se muito pouco. E, sinceramente, não sei se haverá uma investigação mais profunda sobre o incômodo assunto.
A verdade é que os pobres continuarão apostando seus parcos recursos, crianças continuarão vestindo camisas de seus times de futebol com o patrocínio do sei-lá-bet, e continuaremos a discutir sobre os efeitos nefastos do jogo no Brasil e porque é importante que não tenhamos cassinos, nem bingos!
Enquanto isso, escolas e famílias (quiçá!) que lutem para afastar as crianças e os jovens do vício em apostas, ensinando responsabilidade financeira enquanto assistem a uma partida de futebol com times patrocinados por bets, inserções publicitárias de bets, placas publicitárias de bets, influenciadores incentivando uma apostinha aqui, outra acolá.
O mesmo em relação aos idosos, viúvos dos bingos e saudosos do tempo em que podiam ver as maquininhas girando, girando e levando suas aposentadorias. Agora, com acesso às redes, eles já são figuras presentes nas apostas e não precisam mais ruborizar perante seus familiares, nem justificar onde passaram suas indecorosas tardes.
Fato é que as bets geraram muitos jobs para publicitários e jornalistas. São dezenas de sites de apostas que precisam despejar recursos em peças publicitárias para conseguir disputar este jogo que é dos mais competitivos. O mercado publicitário se agitou e nunca na história do esporte (não só no Brasil, registre-se!) houve tamanho incremento financeiro como o que vem ocorrendo com a chegada das bets.
Bem ou mal, pelo menos as bets estão gerando muita receita para agências de comunicação e de publicidade. A que preço ainda não sabemos, mas aposto (até este colunista está apostando!) que o futuro desvendará problemas que até o momento foram apenas cogitados. Quem mais aposta nisso?
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