por Ana Lavratti
Sai ano, entra ano, e a cada ano parece que a vida passa mais rápido. E temos menos tempo. E tempo desconectado, temos menos ainda! Porque tudo precisa ser compartilhado em tempo real. Ainda que aquilo nem seja realidade. Ainda que não passe de foto bem tratada, de intimidade forjada, de gargalhada encenada. Mais importante do que sentir o carinho, é mostrar pros “k” de seguidores o que se viu ou viveu. E assim, a obsessão por enfeitar e ilustrar todo e qualquer momento vai destronando dons sagrados.
Ninguém precisa mais descrever ou imaginar. Basta apertar o “play” para exibir ou registrar… de novo, mais um pouco, outra vez. Se assistir ao show, tem que gravar e mostrar. Quando viajar, tem que gravar e mostrar. Onde comer, tem que gravar e mostrar. Quem amar, adivinha? Tem que gravar e mostrar. Afunilando a vida entre “likes” e “views”. Relegando o íntimo, revelando até o ínfimo, impondo a “deja vu” a qualquer um que chegue depois.
Sob o status do smartphone, as pessoas crescem se sentindo a capa da Caras, formadores de opinião (ainda que só compartilhem posts de terceiros), modelos, moderadores, influenciadores (mesmo que não passem de repetidores). E assim tem sido. E assim é. Na completa informalidade, cada um escreve o seu script, perpetuando na web seus dramas e romances, intercalando verdades e ficção. Mas com um negócio, o roteiro é outro. Submisso às regras do meio digital. Com meios, métricas, um passado a zelar e um futuro onde prosperar.
Para garantir o posicionamento da marca no meio digital não basta conhecer o negócio feito a própria mão, ainda que se reconheça cada marca nas digitais. Cada vez mais, a marca deve surgir embalada em conteúdos de interesse do seu público, envolvida por informações relevantes que ultrapassam o apelo comercial. Firmar a logo, o nome e as cores já não basta. É preciso fixar seus propósitos, a identidade por trás das escolhas estéticas, as crenças que norteiam da seleção da matéria-prima ao descarte dos resíduos, estabelecendo uma relação de confiança com o consumidor que compra porque conhece.
Traduzido para o português como marketing de conteúdo, o “branded content” é uma estratégia de longo prazo em que as próprias empresas detêm o processo criativo, disponibilizando conteúdos consistentes, capazes de estabelecer um vínculo entre a sua identidade e o interesse dos clientes. E mais do que isso… diversificando a produção para a linguagem e o meio que o consumidor prefere, seja vídeo, gráfico, foto, quadrinhos, arte, áudio ou texto; um aplicativo inovador ou uma revista tradicional. Post a post, ponto a ponto – feito um patchwork – a marca conta e consolida a sua história. É perfeito. Mas também perecível.
Por mais que uma história seja contada, que desperte emoções e outras reações, isso não assegura à empresa, instituição ou organização que a sua trajetória será preservada, perpetuada e valorizada pelas gerações seguintes. Aos gestores da comunicação, pressupõe-se esta consciência, de repercutir o agora sem negligenciar o amanhã, selecionando com critério o que “armazenar”. Imagens, publicações e gravações compõem a memória do negócio tanto quanto atas e documentos, fazendo jus a um acervo a serviço do futuro.
São estes materiais, guardados em caixas ou nas nuvens – desde que classificados em vez de empilhados – que vão traduzir um “ativo” frequentemente esquecido, a memória da marca. Só assim, encontrando tempo para zelar pelo que se perde no tempo, permitiremos a tradução da história em narrativa, a conexão entre eventos, personagens e tecnologias que hoje podem parecer banais, mas que daqui a um século serão relíquia, tesouros, preciosidades inestimáveis ao alcance de mão.
*Ana Lavratti é jornalista, mestranda na UFSC e escritora. Entre suas obras, escreveu com o publicitário Carlo Manfroi “Somos Centenários – Memórias dos 100 anos da ACIF”, a biografia da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis incluída, entre dezenas de relíquias, na Cápsula do Tempo da entidade, a ser aberta em 2115.