Por Renan Carvalho*
Criatividade, em nosso modelo econômico, está associada a motivação e sucesso. Principalmente em tempos de crise, ganham força os jargões e frases de efeito sobre transformar problemas em oportunidades e tornam-se ídolos os que se dão bem porque inovam e enxergam o que ninguém mais vê.
Estes conceitos de criatividade, porém, soam mais como autoajuda do que como uma valorização efetiva desta virtude humana. São estimulantes paliativos, pois não combinam com os valores que a grande maioria das pessoas aceita como essenciais para suas vidas.
A nossa sociedade quer conforto e segurança. Persegue as conquistas materiais, o controle sobre o futuro e garantias contra perdas ou imprevistos. Os verbos SER, ESTAR e TER são os ícones de uma cultura na qual as pessoas anseiam por aprovação e reconhecimento. Nela, verbos como CRIAR, COOPERAR, CONTRIBUIR e até mesmo VIVER não são prioridades.
Os próprios jargões motivacionais de criatividade têm o intuito de estimular as pessoas a saírem o mais rápido possível de uma situação de crise, para voltar ao conforto e à segurança anteriores. Ou seja, a criatividade é um meio ao qual só precisamos recorrer se um perigo ameaçar nosso status ou se quisermos subir a escala desse status.
Fora isso, é vista até com desdém e piada, como se vê nas postagens que viralizam nas redes sociais, relacionando soluções criativas com pobreza. Ou seja, criatividade é coisa de gente pobre, porque rico pode comprar, não precisa ser criativo.
Até as pessoas mais criativas da nossa sociedade, que são as crianças, acabam rotuladas negativamente quando as consideramos imaturas, incapazes e irresponsáveis e as condicionamos a serem educadas e disciplinadas para que se tornem obedientes.
Mas, porque rotulamos, estigmatizamos e denegrimos a criatividade? A resposta é: porque a criatividade é perigosa. Pessoas criativas descobrem que não precisam estar submetidas a sistemas ou hierarquias. Inventam maneiras alternativas para se estabelecer no mundo, questionam valores que a sociedade preza e percebem que a vida faz mais sentido quando simplesmente vivem, colaborando e criando, sem expectativas de aprovação ou reconhecimento.
Pessoas criativas descobrem que criar com outras pessoas criativas (co-criar) é ainda melhor e podem organizar comunidades criativas. E assim, colocar em risco o sistema econômico capitalista, por descobrir alternativas interessantes para substituir o velho dueto “produzir e adquirir”.
Pessoas criativas podem colocar em xeque os sistemas governamentais e corporativos por descobrirem que não precisam obedecer ou seguir o que se espera delas. Podem colocar em risco as fronteiras entre países, as divisões de classes, os preconceitos, o desenho de mundo e de espaço que conhecemos. Podem colocar em risco o poder dos que pensam que o possuem.
O mundo precisa de pessoas criativas, que pensem fora da caixinha e mostrem como transformar os valores desta sociedade.
Por isso, Criatividade, seja bem-vinda!!!
Está na hora de liberarmos a Criança reprimida e abafada que existe em nós, para nos tornarmos as pessoas criativas, que farão a diferença. Quer algumas dicas para começar já?
Pare de pensar em conforto e segurança, que aniquilam a criatividade e nos impedem de liberar o melhor de nós. Pare de comprar supérfluos, que geram uma dependência da qual você não precisa e tolhem a criatividade. Pare de contratar serviços que você mesmo pode fazer, saindo do conforto para pensar diferente. Seja o “pobre” da piada, construindo soluções alternativas ao invés de comprá-las prontas.
Pare de obedecer, de fazer só o que os outros esperam. Deixe de se preocupar com o julgamento social, pois ninguém vive a sua vida.
Procure resolver os problemas curtindo o momento presente e a sua capacidade, sem expectativas. Reflita sobre a realidade que vivemos: no fundo, não TEMOS nada, pois nada neste mundo nos pertence, nem mesmo a vida. No fundo, só ESTAMOS aqui e agora. No fundo, não SOMOS mais ou menos do que qualquer ser humano entre os sete bilhões neste planeta.
Se continuarmos perseguindo o TER, o ESTAR e o SER, estaremos perseguindo ilusões que nos mantêm encarcerados em crenças, preconceitos e julgamentos, que nos causarão mais sofrimentos do que alegrias e manterão a criatividade trancafiada em algum porão profundo do nosso ser.
Se estamos aqui e agora, se não temos nada e se somos apenas um, vamos CRIAR, porque isso está em nosso DNA, é o que sabemos fazer melhor !
* Renan Carvalho – DesEducador” e fundador do Instituto Movimento Orgânico (www.organicas.org)