Imagem concebida com o uso de IA por meio de script produzido pelo autor do artigo
por Carlos Rocha dos Santos*
A ascensão de “personalidades líquidas” nas redes sociais tem se tornado um fenômeno cada vez mais recorrente. Essas figuras, que muitas vezes emergem de episódios banais do cotidiano, alcançam notoriedade nacional sem oferecer conteúdo relevante ou discurso consistente. Um caso recente no Brasil ilustra bem esse cenário: o da jovem conhecida como “Jennifer”, que ganhou uma enxurrada de seguidores após uma situação aparentemente trivial – recusar-se a ceder seu assento junto à janela de um avião para uma criança chorando. Em poucos dias, Jennifer saltou para mais de dois milhões de seguidores no Instagram, sem sequer ter dado uma declaração ou apresentado algo minimamente substancial. Ela ganhou o apelido de “moça da janela” por não ter sucumbido às provocações que recebeu, mantendo-se calada no vídeo em que é criticada por outra viajante.
Esse fenômeno levanta questões sobre o papel que as redes sociais desempenham na formação da opinião pública, na criação de “celebridades” instantâneas e, por que não, na diluição de valores. A internet, com sua velocidade e alcance, permite que um momento isolado seja amplificado ao extremo. As plataformas operam com base em algoritmos projetados para valorizar o engajamento – ou seja, cliques, visualizações, comentários e compartilhamentos. Esse engajamento, porém, não reflete necessariamente qualidade, profundidade ou relevância. Muitas vezes, basta um fato corriqueiro, um incidente menor ou uma discussão fútil para arrastar multidões.
A consequência é uma atenção pública volátil, que se dissipa tão rapidamente quanto surgiu. Personalidades líquidas são esquecidas com a mesma facilidade com que emergiram. Enquanto isso, assuntos de interesse coletivo, debates fundamentais para a sociedade, a necessidade de leitura, de estudo, de reflexão ou até mesmo de um diálogo sincero com amigos e familiares vão sendo relegados a segundo plano. Substituímos tempo e energia mental, que poderiam ser investidos em ampliar nosso repertório intelectual ou afetivo, por uma curiosidade rasa, guiada por cliques e “trending topics”.
A superficialidade dessas interações digitais não apenas empobrece o debate público, mas também condiciona nossas relações. Ficamos suscetíveis a uma espécie de “hipnose” efêmera, construída sobre bases frágeis. Ao celebrarmos momentaneamente indivíduos que nada têm a dizer (literalmente), deixamos de valorizar o esforço intelectual, a criatividade, as vozes críticas, o pensamento complexo e até mesmo a presença física em ambientes onde familiares e amigos estejam à nossa volta. Afinal, quem nunca se isolou ao pegar o celular no meio de uma confraternização, reunião ou almoço familiar?
Em última instância, a força das redes sociais em criar essas personalidades passageiras revela não apenas uma falha do ambiente digital, mas também um sinal de alerta sobre nossa própria conduta enquanto audiência. Ao reconhecer o problema, podemos buscar maneiras de resistir a essa onda de superficialidade, priorizando conteúdos que ampliem nossa compreensão do mundo, fortalecendo nossos valores, nossa capacidade de análise e, sobretudo, nossa humanidade.
É época de Natal, final de ano, encerramento de atividades e preparação para o próximo calendário que se iniciará após o período festivo. Nessas horas, reflitamos sobre o poder da presença “real”, sobre onde nossos pensamentos verdadeiramente habitam. As personalidades líquidas podem até distrair e divertir, mas o convívio forte, verdadeiro, íntegro e sincero com nossos entes queridos é o que efetivamente nos faz melhores. Como disse o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ao comentar a fugacidade das relações na modernidade: “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar.”
Cabe a nós escolher se nos deixaremos levar por essa fluidez superficial ou se iremos ancorar nossa atenção naquilo que é profundo, sólido e verdadeiramente significativo.
*Carlos Rocha dos Santos, jornalista e professor, especializado em gestão de imagens e marketing institucional.
Crédito da foto: Imagem concebida com o uso de IA por meio de script produzido pelo autor do artigo.