Por João Paulo Borges*
Quando soube da notícia comemorei. Bom saber que a crônica vive entre jornalistas que atuam em Santa Catarina, precisamente em Florianópolis. Admirador de Rubem Braga, Fernando Sabino, Stanislaw Ponte Petra, Paulo Mendes Campos, Luis Fernando Veríssimo e outros, fiz questão de prestigiar o lançamento do livro “Pauta do Dia” pela Associação Catarinense de Imprensa (ACI), organizado pelos jornalistas Marco Aurélio Gomes e Rogério Kiefer.
Foi minha última agradável leitura de 2016. Sobre o livro, Moacir Pereira resumiu bem no prólogo do livro. “Trata-se, pois, de um mosaico a enriquecer a literatura, que desnuda seus autores, exibindo muitas vezes suas preferências, seus hábitos e características pessoais.” Como já escreveu João do Rio: “crônica é colocar-se à janela, abrir janela. Das janelas vê-se como os dias passam. Da janela espiamos a intimidade doméstica. Da janela lemos a psicologia urbana.”
Das crônicas lidas dos 12 colegas jornalistas, destaco “O prazer da crítica” na análise de Rogério Kiefer. “Sejamos francos: quem tem interesse em críticas – ainda mais construtivas? Se eu quisesse ouvir verdades construtivas sobre meu comportamento, visitaria um psiquiatra.”
De Paulo Clóvis Schmitz, recomendo reflexão sobre a imortalidade em tempos de redes sociais. Difícil escolher apenas uma das quatro crônicas da Viviane Bevilacqua para sugerir leitura. Cronista diária do Diário Catarinense, ela demonstra sua facilidade com o gênero ao relembrar como é bom um “Banho de Chuva” e ao desvendar “Nossa vida na porta da geladeira”. “A porta da geladeira de casa diz muito sobre a nossa personalidade e nosso jeito de viver. Já reparou nisso?” provoca. Em “Carta para Gabriel”, Viviane emociona ao escrever sobre a chegada do seu afilhado que nasceu com Síndrome de Down. “Aprendemos, contigo, que cada um tem seu ritmo, e que ele precisa ser respeitado. E isso vale para todas as pessoas, não só para quem tem alguma deficiência ou fator limitante”. Por último, uma passagem sobre a chegada dos filhos e “Uma bagunça gostosa” provocada pelos novos membros da família Bevilacqua. “Admito que minha casa nunca foi a mesma. Mas mudou para melhor, com certeza”.
Da Karin Verzbickas, difícil segurar o riso ao ler “Louca é pouco”. Jaime Ambrósio nos brinda com a história do escritor que perdeu “O conto” e teve ajuda da empregada para reescrever o desfecho da história. A poeta desde os 13 anos, Michelle Araújo, lança a ideia da criação de um “SAC para os relacionamentos fast-food”. “Já que as pessoas estão aí disponíveis como mercadorias em supermercados, que tal se existisse um SAC dentro dos aplicativos?”. Em “Santo Bom Senso”, ela reflete sobre algo cada vez mais raro. “Para enxergar o Bom Senso há que se ter muita fé. A verdade é que ele só pode ser visto sob uma única ótica, a de quem foi beneficiado pela situação, ou seja, da ótica do miraculado”. Também vale ler A felicidade nossa de cada dia, na visão de Michelle.
Na reta final do livro, Ana Riba Diefenthaeler, divaga sobre a maldita “Folha em branco”, provação diária de jornalistas e escritores. “O saltitar das letrinhas sobre o papel se transferiu para as telas de computador. De frente para elas, porém, se repetem igualmente os mesmos conflitos, as angústias, inseguranças e incertezas, nascidas de necessidades vitais de colocar cada caractere no seu exato lugar, dando à palavra uma criativa e impensável dimensão “.
Jovem cronista dos bons, discípulo do velho Braga, Felipe Lenhart, compartilha suas dificuldades ao ser escalado para substituir temporariamente o nobre Sérgio da Costa Ramos no Diário Catarinense, em “Da crônica e da pose”; relembra a virada de ano de 2015 quando tomou uma difícil decisão e contra todos os prognósticos proclamou “Não vai ter gole”. A diferença entre “Falar e escrever” também mereceu observação de Lenhart, que sentencia: “eu me exprimo é por escrito, de preferência em letra de forma”. Para fechar, uma crônica de Carlos Damião, em “Adeus, Brasil!” sobre a mulher que morava no interior da Ilha e nunca tinha ido ao centro da cidade.
Vivo fosse, Jair Hamms comentaria com o seu D.T.Tive o surgimento dos novos observadores do nada na tal Ilha da Magia. O saudoso Salim Miguel possivelmente recomendaria a leitura e aos não leitores chamaria de “tanso”. A obra é uma prova de que da pauta nossa de cada dia nascem bons cronistas.
*João Paulo Borges é jornalista. O artigo é oriundo de seu blog blogdojpborges.wordpress.com.