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Petrônio Corrêa: uma trajetória vitoriosa
02 de Dezembro de 2013

Petrônio Corrêa: uma trajetória vitoriosa

“Sempre indo direto ao ponto, sem rodeios, ele venceu oposições e adversidades. Sua dignidade me ensinou que é possível, até o final da vida, ser coerente com as escolhas que fazemos”

AcontecendoAqui pede licença para Regina Augusto, editora do Meio&Mensagem e autora do livro NO CENTRO DO PODER, que conta a trajetória de um dos mais dignos representantes da propaganda brasileira, para compartilhar com os leitores deste portal o belo texto que ela publicou hoje em seu Blog revelando seu relacionamento com Petrônio durante a construção da obra que transcorreu com o nascimento de seu filho e o falecimento de sua mãe. Dois exemplos de coragem, obstinação e seriedade no que fazem, que devem ser  seguidos. Por isso, resolvemos reproduzir aqui pra vocês.

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“Escrever, ao longo de 2012, o livro que conta a trajetória de Petrônio Corrêa e uma boa parte da história da publicidade brasileira foi uma grande âncora para eu poder enfrentar tudo o que aconteceu comigo no ano passado. Um ano intenso. Às vésperas do Natal anterior, descobri que estava grávida da minha segunda filha. Em março, minha mãe faleceu. Entre março e julho, toquei a obra de reforma do apartamento recém-comprado, já que a família estava crescendo. Redigir o livro religiosamente aos sábados das 9h às 17h, durante seis meses, era a única forma de cumprir o que havia prometido a mim mesma, que o lançamento seria em 2012. O trabalho havia começado quase um ano antes, no primeiro semestre de 2011, quando semanalmente tomava café com ele e gravava nossas conversas.

Logo após o início desse processo, Petrônio começou a fazer sessões de hemodiálise, pois seus rins estavam comprometidos em decorrência de sequelas do tratamento que o curou de um câncer de próstata, cerca de 20 anos antes. Nesse momento, senti que minha missão tinha de ser cumprida com urgência. Era uma questão de honra lançar o livro com o Petrônio ainda em vida. Logo depois do lançamento, em um jantar que ele ofereceu a mim e ao meu marido, eu confessei que esse sentido de urgência só foi possível porque, de fato, achava que ele ia morrer logo, especialmente depois que começou a fazer a diálise. E fui direta ao dizer que para minha surpresa, minha mãe havia ido antes dele. Na verdade, aprendi com ele esse jeito curto e grosso. Direto ao ponto, sem rodeios.

Petrônio foi uma das minhas primeiras fontes quando comecei a trabalhar como repórter no Meio & Mensagem, em 1996. Um período tenso, ameaçador, com regras consolidadas da indústria sendo colocadas em xeque. Apesar da minha pouca experiência nos assuntos mais específicos da configuração política e institucional desse mercado, tornei-me setorista das intermináveis reuniões para alinhar o texto do acordo que seria a base do Cenp. Em uma dessas reuniões, Petrônio que coordenava os trabalhos preliminares do acordo, convocou a imprensa especializada para uma entrevista coletiva em uma quinta-feira à tarde. Lá fui eu para a sede da APP, na rua Hungria, onde os encontros aconteciam. Depois de um chá de cadeira de umas três horas, ele, com aquela fleuma característica, dirigiu-se aos jornalistas que ali estavam pedindo desculpas e dizendo que não poderia falar nada conosco, pois a reunião não havia evoluído como o esperado. Eu fiquei literalmente desesperada, pois tinha falado à minha editora para reservar um bom espaço para aquela história e não poderia voltar para a redação literalmente com a mão abanando. Dirige-me a ele e expliquei a situação. Estava nervosa e fui incisiva. Disse que ele próprio tinha provocado aquela situação e que não fazia sentido ele simplesmente dizer que agora não tinha nada para falar. Ele me olhou quase não acreditando naquela jovem repórter petulante e disse a mim para ficar tranquila porque qualquer problema que eu tivesse era para minha chefe ligar diretamente para ele. O que acabou mesmo acontecendo. Desconfio que o fato de eu tê-lo, de alguma forma, enfrentado foi fundamental para que ele passasse a me respeitar.

E foi exatamente essa relação respeitosa, que se transformou em amizade, a base das nossas conversas semanais para o livro. Um misto de cumplicidade e generosidade. Em todas aquelas manhãs, Petrônio me aguardava sempre elegante como se estivesse pronto para uma reunião formal em Brasília. Era normal ele esquecer detalhes e nomes de personagens das histórias. Com o tempo, fui percebendo que quando voltávamos a essas mesmas histórias, ele se lembrava da parte esquecida da vez anterior e adicionava algumas novas informações. Com o tempo, fui desenvolvendo uma técnica própria para conseguir tirar dele tudo o que eu precisava.

Quando minha filha Candy nasceu, em agosto de 2012, ainda faltavam dois capítulos para serem finalizados. Aproveitei as 18 horas diárias de sono dos bebês no primeiro mês para terminá-los e fazer uma editada geral no que já havia escrito. Antes do final de setembro, como era a minha meta, tudo estava pronto. Faltava apenas um detalhe. Eu precisava mostrar os originais do livro para o Petrônio. E aqui vale um grande parênteses, especialmente em tempos de polêmicas sobre biografias autorizadas. Ao me fazer o convite para escrever o livro, Petrônio queria me remunerar por isso. Na hora, disse que há tempos estava em busca de uma boa história para ser a fonte do meu primeiro livro e que via naquele convite a oportunidade que tanto buscava. E que, por isso, ele não precisaria me pagar. A contrapartida para isso era eu ser a autora do livro e ter total liberdade editorial. Acrescentei que o único investimento que ele precisaria fazer em virtude de todas as atribuições e do pouco tempo disponível era pagar uma jornalista para me ajudar no trabalho de pesquisa e em algumas entrevistas. Ele topou na hora. Parênteses fechado.

Em uma tarde de meados de setembro de 2012, deixei na portaria de seu prédio os originais do livro. Não dormi naquela noite, pois estava apreensiva. Para mim, caso Petrônio quisesse mudar o livro ou suprimir algo, eu simplesmente não iria publicá-lo. Dezoito meses de trabalho árduo estavam em jogo. No dia seguinte, por volta das 10h da manhã, recebo uma ligação dele, dizendo que também tinha passado a noite em claro lendo os originais e que tinha adorado tudo. Pediu para eu ir a casa dele naquela mesma tarde, pois havia a necessidade de fazer algumas correções pequenas de informações e de datas apenas. Alívio geral. Seguiram-se diversas reuniões para acertarmos seu texto de posfácio e os detalhes do lançamento. Em todas essas reuniões, eu levava a pequenina Candy, cujo sorriso alegrava o velho. Ela nos acompanhou até Porto Alegre, quando lançamos o livro lá e eu estava ainda amamentando-a.

Fizemos no primeiro semestre deste ano algumas palestras juntos sobre o livro. Nosso último encontro foi no Festival de Gramado, em junho. Em setembro, soube que Petrônio estava muito doente após sofrer uma queda. Ficou quase 40 dias internado, inclusive na UTI. Tinha voltado para casa havia cerca de um mês. No sábado, dia 30, como faz todo sábado cedo, meu filho mais velho, Theodoro, perguntou-me toda a programação do final de semana. Disse a ele que, entre outras coisas, planejava visitar no domingo à tarde o “seu Petrônio”. Ele ficou o sábado inteiro dizendo que queria visitar o “meu Petrônio”, como ele se referia ao Coronel, pois não sabe ainda diferenciar pronome possessivo de pronome de tratamento. Chegamos a ir à livraria comprar um livro de presente para ele. No domingo, começo da tarde quando soube da notícia do seu falecimento, fiquei passada e resignada ao mesmo tempo. Petrônio nos deixa exatamente um ano e uma semana após o lançamento do livro.

Estou muito triste, mas com uma sensação boa de que fiz algo realmente importante e que coroou uma trajetória vitoriosa. Da minha parte, sempre serei grata a ele por me proporcionar uma das maiores experiências da minha carreira. Descobri-me escritora. Aprendi a ter uma disciplina que não sabia que tinha e, principalmente, fui sua última confidente. O Petrônio tinha posições políticas e opiniões muito diferentes da minha. Sua dignidade, no entanto, me ensinou que é possível até o final da vida ser coerente com as escolhas que fazemos. E a escolha de Petrônio desde sempre foi construir algo grande apesar de todas as oposições e adversidades. Preciso agora criar coragem e descobrir uma forma de contar para o pequeno Theo que não vamos mais à casa do “meu Petrônio”.

Neste link você encontra a página do Blog da Regina e pode comunicar-se com ela.

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