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No seu novo podcast “Reclaiming”, Monica Lewinski entrevistou Kara Swisher. Um ponto interessante da conversa foi quando Kara falou sobre a obsessão dos fundadores de empresas de tecnologia em eliminar qualquer tipo de “atrito” da experiência do usuário, e essa mentalidade não apenas cria produtos viciantes, mas também desumaniza a experiência digital. Segundo ela, os grandes nomes do Vale do Silício acreditam que remover obstáculos e tornar tudo mais fluido resulta em inovação, quando na realidade fricção é essencial para o desenvolvimento humano.
Ela enfatiza que “a fricção pode ser necessária para criar experiências significativas, para estimular pensamento crítico e até mesmo para fomentar relações humanas mais autênticas”. Mas, no mundo da tecnologia, o objetivo é viciar usuários, mantendo-os imersos em ambientes totalmente controlados e previsíveis, onde o engajamento é maximizado pela ausência de barreiras.
E é em consequência disso que estamos vivendo a era da desatenção, com redes sociais que oferecem conteúdo sem profundidade, sugando o tempo das pessoas em troca de microdoses de dopamina; e com investimento gigantesco de energia e dinheiro em áreas que não são prioritárias para aprimorar a humanidade.
Quando inovação vira desperdício de genialidade
A busca por identificar uma “dor” no mercado é um dos pilares do desenvolvimento de qualquer startup. Empresas inovadoras nascem da promessa de resolver problemas reais com soluções eficientes. Até aqui, tudo certo. Mas o problema surge quando essa busca se transforma em uma obsessão cega por eliminar qualquer tipo de atrito na experiência do usuário, sem um critério claro sobre o que realmente agrega valor.
Muitos fundadores caem na armadilha de acreditar que qualquer esforço por parte do usuário é um problema a ser resolvido – e acabam criando produtos que são soluções em busca de um problema, e não o contrário. A narrativa se repete: um empreendedor visionário encontra um “gap” no mercado, levanta milhões de dólares de investimento e lança um produto que promete revolucionar um setor. O único problema? A suposta dor do cliente não era tão grande assim, ou a solução criada não melhora significativamente a vida das pessoas.
É nesse contexto que vemos a proliferação de tecnologias que, na prática, não resolvem nada essencial, mas apenas refinam conveniências superficiais. O mantra do Vale do Silício de que “tudo deve ser mais rápido, mais fácil e mais automatizado” frequentemente ignora que nem toda experiência precisa ser reduzida ao mínimo esforço possível — e que, em muitos casos, o atrito é parte essencial de um processo significativo.
E assim surgem casos como Juicero, um espremedor de sucos “inteligente” de US$ 400, financiado com US$ 120 milhões, cuja função podia ser replicada simplesmente apertando o pacote de suco com as mãos. Ou como plataformas de produtividade que, ao invés de reduzirem o estresse, apenas criam novos níveis de pressão para que sejamos “mais eficientes”.
A obsessão por reduzir qualquer tipo de fricção no uso de um produto ou serviço não apenas pode levar a inovações inúteis, mas também desconecta a tecnologia de sua função original: melhorar a vida das pessoas de maneira significativa.
A tecnologia que não melhora a vida de ninguém
O problema dessa mentalidade é que inovação deveria melhorar vidas, mas muitas startups focam mais em narrativas do que em impacto. Clubhouse, BeReal, Color, Quirky — todas prometeram revolução, mas falharam por não resolverem necessidades reais. Enquanto isso, problemas urgentes como saúde mental, crise climática e desigualdade digital continuam sem investimentos adequados.
Esse ciclo de ideias desconectadas da realidade persiste porque startups não estão sendo cobradas por impacto real, mas sim por narrativas sedutoras. Um PowerPoint convincente, um discurso carismático e um jargão tecnológico são suficientes para levantar milhões – não importa se o produto final faz sentido.
O que realmente precisa ser resolvido?
O grande erro dessa corrida por “reduzir o atrito” é que ela ignora o que realmente importa. E essa mentalidade se espalhou para produtos que usamos no dia-a-dia, como as redes sociais, que se desconectaram da realidade com o objetivo único de capturar a atenção das pessoas.
Enquanto bilhões são desperdiçados em startups e plataformas que não agregam valor real, muitos problemas urgentes da sociedade continuam sem respostas.
A verdadeira inovação não está em eliminar qualquer esforço humano, mas em redirecionar esse esforço para aquilo que realmente importa.
Enfrentar desafios mais urgentes
Alexander C. Karp e Nicholas W. Zamiska, em seu livro The Technological Republic: Hard Power, Soft Belief, and the Future of the West, criticam a “busca por engajamento superficial” que leva engenheiros e fundadores a desenvolverem “aplicativos de compartilhamento de fotos e algoritmos de marketing”, tornando-se “involuntariamente veículos para as ambições de outros”. Essa complacência se espalhou para a academia, política e salas de diretoria, resultando em uma geração cuja “busca estreita pelas demandas de uma economia capitalista tardia” se tornou sua vocação .
Karp e Zamiska defendem que, para o Ocidente manter sua vantagem global e preservar as liberdades, a indústria de software deve renovar seu compromisso em enfrentar os desafios mais urgentes, como educação, saúde pública, energia, meio ambiente e a nova corrida armamentista da inteligência artificial.
O futuro das marcas não é menos atrito — é mais impacto
Se continuarmos no caminho atual, vamos atingir um ponto de saturação tecnológica onde o mundo estará cheio de aplicativos inúteis, automações sem propósito e consumidores exaustos de tanto rolar a tela.
Talvez a grande contra-tendência não seja mais um app que faz algo por você, mas tecnologias que ajudem as pessoas a viverem melhor, e não apenas a consumirem mais rápido.
Vale a pena investir em soluções que realmente:
Melhorem a saúde mental, ao invés de estimular vícios digitais.
Facilitem a colaboração real entre pessoas, e não apenas a substituição delas por IA.
Promovam mais equilíbrio entre vida e trabalho, e não apenas mais ferramentas de produtividade.
Resolva problemas ambientais e sociais, e não apenas otimize anúncios.
A verdadeira inovação não está em eliminar qualquer esforço humano, mas em redirecionar esse esforço para aquilo que realmente importa.
O que você acha? Estamos prontos para uma nova era de tecnologia com propósito, ou ainda vamos desperdiçar mais algumas décadas “reduzindo atrito” para coisas que nunca foram problemas? O futuro da inovação precisa de novas perguntas.
Se as marcas do futuro quiserem permanecer relevantes, precisarão abandonar a corrida por “disrupções artificiais” e focar naquilo que realmente faz a diferença na vida das pessoas. O branding não pode ser apenas um exercício estético que embala soluções vazias; ele precisa se conectar a um propósito real.
A nova geração de consumidores não quer apenas eficiência extrema – quer significado. Empresas que apenas competem para tornar tudo “mais rápido, mais fluido, com menos esforço” podem descobrir que, no fim, estão apenas tornando tudo mais irrelevante.
Marcas que desejam construir legados duradouros precisam fazer uma escolha agora: continuar seguindo o hype das soluções descartáveis ou investir em um futuro onde a inovação não seja medida pelo quão pouco esforço exige do usuário, mas pelo impacto real que gera na sociedade.