“Marketing não é a cereja do bolo. É o fermento.” Rory Sutherland
A frase, simples e definitiva, desmonta uma das maiores ilusões do mundo corporativo moderno: a ideia de que o marketing é um adorno, uma etapa final do processo, algo que se coloca “depois que tudo está pronto”.
Na verdade, o marketing é o que faz a massa crescer. É o que transforma produtos em soluções, tecnologias em comportamentos, e empresas em motores de desenvolvimento. Enquanto governos e empresas se perdem em planilhas, cortes de custos e fetiches por eficiência a qualquer custo, ignoram o que de fato move a economia: a imaginação.
E nenhuma disciplina entende tão bem de imaginação aplicada quanto o marketing.
Quando o desejo vale mais que a eficiência
Boa parte do crescimento americano ao longo do século XX pode ser explicado menos pela força industrial e mais pela maestria em vendas, publicidade e storytelling. Não por acaso, muitos dos “inventores” que moldaram o mundo — de Edison a Steve Jobs — eram, na verdade, artistas da persuasão.
Essa é a economia da “narrativa persuasiva”: aquilo que move o comportamento humano mais do que qualquer lógica racional. E é aí que reside a falha dos modelos econômicos tradicionais, que tratam o marketing como um apêndice da cadeia de valor, quando, na verdade, ele é a engrenagem oculta que torna tudo mais humano, desejável e escalável. Produzir pratos de porcelana em massa, sem marketing, gera apenas estoques encalhados. Fazer com que as pessoas queiram esses pratos — esse é o verdadeiro milagre econômico.
Criatividade é infraestrutura invisível
Vamos pegar um problema concreto: a crise habitacional. A maioria das pessoas não coloca seu imóvel à venda, mas se mudaria diante de uma boa proposta inesperada. Isso não é uma falha de mercado. É uma falha de contexto. E, portanto, de comunicação.
Soluções que alterem o enquadramento — como plataformas que exibem imóveis “tecnicamente disponíveis” — podem destravar estoques, gerar mobilidade urbana e aquecer a economia sem novos investimentos em infraestrutura. Trata-se de resolver um problema econômico com imaginação, não com cimento.
Esse é o ponto: enquanto engenheiros tentam empilhar blocos, os marketeiros entendem como desbloquear desejos. A criatividade, quando usada com estratégia, é um ativo econômico de alto impacto — e baixíssimo custo marginal.
Em tempos de IA e eficiência radical, há um risco silencioso: matar o processo que gera valor enquanto se persegue apenas o produto final. Criar um anúncio, por exemplo, não é só entregar um artefato publicitário — é passar por uma jornada de perguntas fundamentais: “Para quem existimos?”, “O que nos torna únicos?”, “Qual mudança queremos provocar no mundo?” A pressa por execução mata a reflexão. E quando se encurta a caminhada, perde-se a chance de descobrir o que realmente importa. Assim como os ensaios universitários valem mais pela escrita do que pela nota (é o processo de aprender que faz diferença), o marketing ganha poder quando obriga empresas a pensar sobre si mesmas antes de falar com o mundo. Essa reflexão profunda é fundamental no desenvolvimento de posicionamento de marca e construção de mensagens que se conectam com ass pessoas, e não pode ser abandonada em troca de uma ferramenta tecnológica. Humano e tecnológico tem que se unir, com propósito.
A lógica linear nunca construiu uma marca lendária
Um dos insights mais potentes sobre crescimento econômico está no papel da fama. Tornar-se conhecido — seja uma pessoa, marca ou nação — não é um capricho de ego, mas uma tática probabilística. A fama aumenta a chance de que boas coisas aconteçam. Amplia a superfície de contato com a sorte.
É isso que explica por que marcas desejadas atraem talentos por salários menores, conseguem parcerias inesperadas, enfrentam crises com mais resiliência e abrem portas que marcas anônimas jamais conseguiriam bater. O erro está em medir o marketing com régua de causa e efeito linear. O impacto da fama não é proporcional ao investimento. Ele é exponencial, composto, aleatório. E profundamente transformador. Perceber essa distinção e colocá-la de fato em prática pode transformar a realidade de uma empresa.
Benchmarking é o esporte corporativo preferido da mediocridade. Copiar os pontos fortes dos concorrentes torna tudo indistinto — e entediante. A diferença surge quando se faz o oposto: atacar os pontos fracos alheios, e desenvolvê-los como fortalezas da marca. Criar excelência onde ninguém espera. Dar atenção a públicos negligenciados Tratar com seriedade o que o mercado ignora.
Inovação não está apenas em ser melhor. Está realmente em ser diferente. E, mais do que isso, em ser memorável. Surpresa, aliás, é o que fixa marcas na mente das pessoas. O cérebro humano é uma máquina de previsões e de reconhecimento de padrões. Aquilo que escapa do esperado acende uma fagulha de atenção. Boas campanhas funcionam como boas piadas: subvertem a lógica, criam reviravoltas e deixam resquícios emocionais. E isso gera valor real para as marcas ao longo do tempo.
O custo invisível de não comunicar
O maior desperdício da economia moderna talvez não seja de recursos, mas de imaginação. Empresas têm medo de se comunicar. Medo do erro. Medo do julgamento. Resultado: Silêncio. Obscuridade. Irrelevância.
A obsessão por dados e atribuição destrói a coragem de investir em campanhas de longo prazo. Em vez de medir tudo com três casas decimais, talvez seja mais sábio reconhecer: algumas coisas são apenas boas ideias. E isso basta.
Empreendedores entendem isso intuitivamente. Certos fundadores ousam mais, experimentam mais, confiam mais na intuição. São eles que distribuem ursos de pelúcia com geladeiras, não os analistas financeiros. Porque entendem que afeto, surpresa e encantamento também geram ROI — mesmo quando não cabem no Excel.
Se a economia é cada vez mais probabilística — cheia de variáveis imprevisíveis, contextos mutáveis e comportamentos não-lineares — então o marketing não é apenas um diferencial competitivo: é o melhor cassino da cidade. Um cassino onde as apostas certas não dependem de certezas, mas de percepção, timing e sensibilidade cultural. É nele que podemos lançar campanhas que não apenas promovem produtos, mas provocam desejos que antes não existiam. Que não apenas convencem consumidores, mas reconfiguram comportamentos coletivos. Que não apenas aumentam market share, mas criam novas categorias, desbloqueiam mercados adormecidos e transformam escassez de atenção em abundância de significado.
Em vez de buscar segurança em modelos deterministas, o marketing nos convida a operar com ousadia estratégica — aceitando que, no jogo da economia real, vencer não é questão de controlar tudo, mas de influenciar o suficiente.
Mas para isso, precisamos parar de tratar o marketing como um gasto e passar a vê-lo como investimento público, política econômica e ativo estratégico. Assim como infraestrutura, educação e saúde, comunicação é vetor de desenvolvimento.
A pergunta não é se podemos crescer com marketing.
A pergunta é: por que ainda estamos tentando crescer sem ele?
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D.J. Castro
Fundador da Nexia Branding e sócio-fundador do Fluxo – Ecossistema de Estratégia e Criatividade
Estrategista de marcas, arquiteto de futuros e caçador de ideias que conectam marcas com pessoas.
“Traduzo negócios em marcas fortes e relevantes. Criatividade sem estratégia é só arte, estratégia sem criatividade é só planilha.”
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Referências
- Rory Sutherland – Uncensored CMO: “Why marketing is the answer to economic growth”
- Deirdre McCloskey – Bourgeois Virtues
- Will Guidara – Unreasonable Hospitality
- Roger Martin – Playing to Win
- Brian Klaas – Fluke
- Les Binet & Peter Field – The Long and the Short of It
Imagem em destaque Freepik