Vania Tarkiainen construiu uma trajetória marcada por coragem, empenho e visão de futuro. Formada em Direito, com Mestrado nesta área, MBA em Planejamento Tributário, Certificação em Fintech por Harvard, entre outras formações, ela criou negócios no Brasil, passou pelo Chile e viveu experiências transformadoras na Arábia Saudita antes de se estabelecer como empresária em Dubai. Sua história é um exemplo de como conhecimento, adaptação e propósito podem levar uma carreira para o mundo. Com elegância e muita autenticidade, ela nos concedeu esta entrevista direto de Dubai, compartilhando valiosos bastidores de sua trajetória internacional, temas como cultura, compliance e os desafios de reinventar a carreira em diferentes países.
Muito grato por contribuir com nossa coluna de carreira. Você possui uma trajetória acadêmica sólida e multifacetada, com formações em Direito, Planejamento Tributário, compliance e, mais recentemente, em Gestão Digital e Metaverso. De que forma essas diferentes áreas do conhecimento se complementam na sua atuação como empreendedora e estrategista global?
Todas elas são importantes para os dias de hoje. O último curso que fiz foi em Harvard, sobre Fintech, que está super em alta. Todas essas áreas se conectam porque eu não sou uma advogada “raiz”, sou uma businesswoman. Trabalho desde o início da minha carreira com empresários. Sou uma advogada que, mais do que advogada, é empresária e presta consultoria, como advisor, para outros empresários.
Ao longo da minha carreira, fui atuando com planejamento. Se você perceber, contratos não estão mencionados aí, mas também tenho um curso na Europa sobre contratos internacionais. Ou seja, contrato, compliance, tributário, fintech, metaverso… Quando fiz o curso de metaverso, por exemplo, há três anos, era o assunto do momento. Mas, na prática, estudei Power BI, blockchain, inteligência artificial, ou seja, tecnologias que hoje estão muito em evidência — sobretudo a inteligência artificial.
Por que todas essas áreas? Porque, para atender uma empresa hoje, é preciso ter uma visão holística. Não é viável que o empresário procure um profissional para falar de Fintech, outro para compliance, outro para Tributário. Todas essas áreas se conversam, se convergem, para que a empresa funcione.
Como meu nicho sempre foi o pequeno e médio empresário — e hoje em dia muitos são influencers, nômades digitais, pessoas do universo da blockchain, de cripto, NFTs, startups —, e como venho trabalhando muito com startups, é preciso fazer de tudo. Em uma startup ou pequena empresa, não existe contratar um profissional para cada necessidade. Isso se tornaria inviável.
Diante dessa necessidade dos meus clientes, que fui percebendo ao longo do tempo, fui me especializando. Faltava algo em contratos, então estudei. Não entendia de Fintech? Fui estudar. Estou sempre estudando o que o empresário, a empresa ou a startup precisa, para poder dialogar com ele dentro da sua necessidade naquele momento. Seja em compliance, seja em Planejamento, o importante é que a empresa fique bem atendida e bem amparada, sem precisar montar uma equipe externa de profissionais que muitas vezes não dialogam entre si. No fundo, todas essas áreas são necessárias para o tipo de serviço que presto.
Ao longo da sua trajetória, você passou por setores bastante distintos da economia — como gastronomia, setor imobiliário e tecnologia assistiva — antes de se consolidar na área de compliance. Como essas experiências em ambientes tão diversos contribuíram para sua visão e atuação empreendedora no momento atual, especialmente em um campo tão transversal e estratégico como o compliance?
O compliance é como o “policial” da empresa, por assim dizer. Ele atua em todos os departamentos, garantindo que cada um funcione adequadamente. Quando me especializei e me certifiquei em compliance, percebi que, para conversar com cada departamento — por exemplo, se estou no RH —, preciso ter uma noção de psicologia, de contratos e de leis trabalhistas.
Depois, posso ir para um departamento técnico, como a área de TI. Preciso conversar com o profissional de TI no seu linguajar e entender o que ele está dizendo, o que não tem nada a ver com o RH, com o departamento jurídico ou com o chão de fábrica, por exemplo. Um bom profissional de compliance precisa ter uma visão muito holística da empresa, para conseguir se comunicar, realizar investigações ou oferecer orientações de forma que seu interlocutor o entenda.
Não consigo conversar com TI usando o mesmo linguajar que uso com alguém do RH ou de qualquer outro setor. Todas essas expertises que fui acumulando ao longo da vida me direcionaram justamente para o compliance, porque esse profissional precisa entender um pouco de tudo para desenvolver bem seu trabalho.
Se falarmos de compliance, eu estenderia essa abordagem hoje à minha atuação como consultora. Meu serviço de consultoria para o cliente, de forma geral, também segue esse princípio. Nós sabemos atualmente a importância de entender diferentes culturas nesse cenário globalizado, não só da economia, mas da sociedade como um todo. Minha experiência inclui a Arábia Saudita, Dubai e o Chile.
Sobre o Chile, fui para lá no primeiro governo pós-Pinochet, ou seja, em uma transição de uma ditadura pesada para um governo democrático. Mas todos sabiam que o poder ainda estava nas mãos da estrutura anterior. Saí de uma democracia plenamente estabelecida — mais ampla do que a que temos hoje, diga-se de passagem — e fui para um país recém-saído de uma ditadura.
Além disso, o Chile da época era fortemente influenciado pelo Opus Dei. As mulheres não podiam usar anticoncepcional, não existia divórcio. O Chile foi o penúltimo país do mundo a aprovar a lei do divórcio, em outubro de 2006, se não me engano. Imagine sair de uma cultura como a do Brasil, com 24 anos, e me inserir em um ambiente com valores tão distintos.
Anos depois, fui morar na Arábia Saudita, não a de hoje, mas a mais tradicional. Lá, usei abaya (chamada de burca pelos brasileiros), não podia dirigir e, sinceramente, como mulher, não tinha nenhum direito. Era apenas “a esposa de”.
Depois, fui para Dubai. Embora seja bastante ocidentalizada, é preciso entender que aqui convivem mais de 200 culturas, cada uma mantendo sua fé, seus costumes, seus hábitos. Quando morava no Brasil, achava, como muitos brasileiros, que vivíamos em um país miscigenado, aberto a outras culturas. Mas, ao chegar em Dubai, percebi que isso era diferente.
Aqui, por exemplo, há uma colônia libanesa maior que a do próprio Líbano. Há mais libaneses morando no Brasil do que no Líbano, mas lá não se observa, por exemplo, a aplicação da sharia nos brasileiros de origem libanesa. Já em Dubai, convivem muçulmanos, hindus, judeus ortodoxos, cristãos evangélicos, e todos são respeitados em suas culturas, religiões e idiomas.
Aqui, o inglês é falado por todos, mas cada um com um sotaque característico da sua região. Foi em Dubai que realmente percebi o que é a miscigenação cultural. Você anda em um shopping e vê pessoas vestidas com a kandura, com roupas indianas coloridas e brilhantes, com roupas africanas vibrantes e turbantes, com roupas ocidentais… tudo junto, convivendo em harmonia.
Sua experiência inclui viver na Arábia Saudita e em Dubai, dois ambientes culturais e econômicos bastante distintos do Brasil. Quais aprendizados essas vivências trouxeram para sua atuação como empresária e consultora internacional?
Olha, primeiro: resiliência. Chegamos com vários hábitos formados ao longo de uma vida inteira, e é necessário ser resiliente para se adaptar. Também é preciso ter muita empatia. Escuto muita gente dizer, com o que sou totalmente contra, frases como: “meu corpo, minhas regras”. Quando se está na casa dos outros, isso não existe. Não são “as minhas regras”, mas as regras do país que está te recebendo, e você é quem deve se adaptar a elas. Isso é uma questão até de bons modos.
Aprendi aqui bastante sobre resiliência, sobre a necessidade de abandonar velhos hábitos. Por exemplo, aqui é proibido, mais do que proibido, é ilegal falar palavrões ou fazer gestos obscenos, como mostrar o dedo do meio. Isso pode levar alguém à prisão. Eu sou da Bahia, e lá é comum usarmos certas expressões que, para nós, fazem parte do nosso dialeto local. Não vou nem citar aqui, mas, para me adaptar, precisei de tempo. E mesmo assim, às vezes no automático, durante uma brincadeira ou no trânsito, a gente corre o risco de fazer algo que, para nós, é normal, mas que aqui pode ser considerado uma infração grave. Por isso, a palavra que define bem esse processo é resiliência, é necessário se moldar, como um bonsai, todos os dias, para não cometer irregularidades.
Além disso, há os costumes religiosos, como o Ramadã, e novamente entra a empatia. É muito fácil julgar. Muitos brasileiros julgam as mulheres daqui, por exemplo, que usam a abaya. Não é uma imposição do marido ou da religião; muitas delas gostam de se vestir assim, da mesma forma que, no Brasil, gostamos de usar biquíni na praia. Para elas, isso seria uma aberração. Então, aprendemos a respeitar.
Outra curiosidade: as indianas, por exemplo, usam roupas com muitos brilhos. Quando cheguei aqui, achava engraçado ver senhoras de 80 anos com blusas curtas, mostrando a barriga. Eu pensava: “Oi?” Mas depois percebi que isso é a cultura delas. O que pode parecer ridículo ou estranho para nós é perfeitamente normal para elas.
Aprendi que cada país tem suas regras e seus costumes. E essa vivência me transformou numa pessoa melhor, mais humana, com mais capacidade de dialogar com todos, sem colocar meus preconceitos à frente de qualquer situação. Isso inclui visões sobre o que é ser mulher, homem, ou sobre questões culturais. Aqui estou num país tradicional, como o Brasil era há 60 anos. E, muitas vezes, esquecemos como nós mesmos éramos.
Viajei para quase 50 países, e gosto de visitar lugares com culturas muito diferentes. Não sou do tipo que vai à Torre Eiffel, prefiro viver o cotidiano dos locais. Amo entender como as culturas funcionam, o que comem, como pensam. Isso me tornou mais humana. Cada novo lugar me ajuda a descobrir mais de mim mesma, como uma filha da Criação. Assim como existem milhões de flores diferentes, Deus também nos criou com uma diversidade enorme. Nós, como seres humanos, somos mais uma expressão desse arco-íris de personalidades, gostos e culturas. E isso é lindo.
Você construiu uma trajetória sólida na área jurídica e de compliance, e hoje lidera duas empresas nos Emirados Árabes. O que te motivou a internacionalizar sua carreira e empreender justamente na região do Oriente Médio?
Agora você talvez se surpreenda. Eu não vou dar a resposta que os empreendedores gostariam de ouvir. O que me motivou foi o casamento, meu marido, o amor. Nada do que as pessoas imaginariam de uma mulher como eu. Muito pelo contrário. No Brasil, eu já tinha meu escritório, um negócio de joias e semijoias. Também tinha um spa no Chile, em Vitacura, uma das avenidas principais, porque eu vivia entre Brasil e Chile.
Quando meu marido foi transferido, nós já estávamos casados havia sete anos. Era um bom casamento, depois de dois fracassos. Esse era meu terceiro matrimônio. E então me vi confrontada com uma situação: deixar tudo o que eu havia construído, meu legado, minha casa em Jurerê, meu conforto, meus negócios, meu nome, meu escritório, tudo aquilo que me fazia sentir que havia chegado em um lugar confortável, para ser apenas a esposa de alguém. Algo que, até então, eu nunca havia sido.
Meus dois casamentos anteriores foram bem diferentes. O primeiro durou um ano. No segundo, eu morava no Brasil e ele no Chile. Um casamento moderno, com total liberdade nos negócios e na vida pessoal. Já o terceiro foi mais tradicional: vivíamos juntos no Brasil, viajávamos, depois fomos morar no Chile. Mas, em certo momento, ele perdeu o emprego.
O próximo trabalho que surgiu foi nas Filipinas. Ele se mudou para lá. Ficou um ano e meio nas Filipinas, e depois foi transferido para a Arábia Saudita. Durante esse tempo, passamos dois anos nos encontrando a cada período de dois meses, em algum país da Europa, em Airbnb ou hotel. Eu ficava dois meses no Brasil, e 15 dias com ele, e ainda dividia meu tempo entre Brasil e Chile. Virei praticamente uma comissária de bordo. Minha vida virou um caos. Já não tinha casa, não pertencia mais a nada, não conseguia administrar meus negócios, minha família ficou desorganizada. Mas eu amava, e amo muito o meu marido.
Foi um dilema: marido ou negócios? Minha vida profissional ou minha vida pessoal? Eu tive que escolher. Como já vinha de dois fracassos, pensei: “A pior coisa que pode acontecer a um homem é perder o emprego”. O homem, na nossa cultura, é provedor. Meu marido ficou nove meses desempregado, e foi uma experiência terrível. Ele vinha de 19 anos numa multinacional, em cargos de alta gestão. Perder o emprego foi, para ele, como uma morte. Então, quando surgiu essa oportunidade nas Filipinas, era impensável pedir para ele esperar. Eu o apoiei. Disse: “Vai, sai dessa depressão, a gente dá um jeito”. Mas, depois de dois anos nessa vida nômade, eu não queria mais viajar. Queria uma vida normal. Precisávamos decidir: ele viria para o Brasil e arriscaria ficar desempregado, ou eu mudaria?
No nível em que ele estava, não era simples encontrar uma recolocação. Os cargos eram poucos, e ele estava próximo da aposentadoria. Recomeçar do zero não era viável. Ele sempre atuou como site management, em diferentes países. Então, eu tomei a decisão de acompanhá-lo.
Resumindo sua pergunta: o que me motivou foi o amor. Simples assim. E eu tenho orgulho de dizer isso, porque é exatamente o que muitas mulheres não querem fazer. A mulher quer ser empoderada, independente, mas também quer alguém do lado que dê suporte para tudo. Só que, às vezes, a vida nos coloca em situações onde não dá para ter tudo ao mesmo tempo. E aí vem o dilema: você quer manter sua independência ou quer um companheiro ao seu lado?
Eu precisei escolher. E escolhi ser esposa. Amélia, se quiser chamar assim. Foi difícil. Eu nunca fui filha, quanto mais esposa. Sempre fui sozinha, independente. Nunca tive chefe, nem pai, ninguém. Então, virar “só” esposa foi um enorme desafio. Custou muito. Fiquei dois anos até me decidir. E, quando me decidi, era para ir para a Arábia Saudita, e fui, era o que tinha para o momento.
Essa história virou um manifesto, que será publicado agora em Portugal, num livro. Eu contei como fui parar na Arábia Saudita por amor, e como escolhi ser esposa, algo que nunca havia sido. Fiz um enorme sacrifício, larguei tudo, e ainda me perguntava: “E se ele me troca por duas de 20 depois de tudo isso?”. Era um risco real.
Mas fui assim mesmo. E se não desse certo, eu voltaria como um “perro”, como diria o Chaves, com o rabo entre as pernas. Mas, graças a Deus, deu certo.
Passei por um período de depressão na Arábia Saudita. Desde os 9 anos eu trabalho. De repente, me vi sem nada para fazer. Foi como se me tivessem tirado minha droga: o trabalho. Descobri ali que era workaholic. Foi uma verdadeira síndrome de abstinência. Nunca tive depressão antes, porque nunca tive tempo. Lá eu tive tempo de sobra, e foi muito difícil.
Mas sobrevivemos. Nosso relacionamento ficou mais sólido, porque ele viu tudo o que estava em jogo. Não me arrependo de nada. Foi uma grande lição de vida. E, se precisasse, eu faria tudo de novo.
A experiência foi tão marcante que escrevi esse manifesto. Um dia, quero transformar isso num livro. Porque o que falta para muitas mulheres empoderadas — empoderadas de verdade — é falar sobre esse dilema: amor ou carreira? Amor ou negócios? Amor ou filhos? A gente, em algum momento, vai viver isso.
E eu vivi esse dilema de forma extrema. Larguei meus filhos, meus negócios e fui para um lugar onde só podia ser esposa. Mas valeu a pena. Acho que esse “deserto” foi necessário para conquistar o que estou construindo hoje em Dubai. Tudo o que sou ou estou me tornando tem um preço. E eu paguei o meu.
A Tarkia Wealth tem como missão apoiar empresas e investidores que desejam atuar em Dubai, oferecendo soluções personalizadas. Quais são os principais desafios que os brasileiros enfrentam ao buscar oportunidades de negócios nesse mercado?
O brasileiro, em geral, não fala bem inglês. Até arrisca algumas palavras, mas não domina o idioma. Acredito que isso faz com que muitos, ao pensarem em expandir um negócio, escolham Portugal ou Miami. Em Miami, por exemplo, fala-se muito espanhol ou mesmo o “portunhol”. Orlando também tem um ambiente bastante latino.
Não é uma estatística que eu possa comprovar, mas imagino que o idioma seja um fator determinante para essas escolhas, lugares que, aliás, já estão saturados. Em Dubai, fala-se inglês, sim, mas é um inglês diferente. Meu marido, que viaja o mundo todo, sempre comenta que, ao conversar com indianos, por exemplo, muitas vezes é preciso repetir a mesma frase dez vezes para que se entenda. É um inglês com sotaques diversos e, muitas vezes, difícil de compreender. Então, acredito que a primeira barreira seja o idioma.
A segunda barreira, no caso de Dubai, é o preconceito. Quando se fala em Dubai, muitos pensam apenas em turismo de ostentação. Vêm à mente os prédios gigantescos, ilhas artificiais, Ferraris e Lamborghinis circulando por aí, mulheres lindas, rooftops e drinks. Mas essa parte da economia representa, se não me engano, apenas 5% da economia de Dubai.
Dubai é, acima de tudo, um hub de negócios. Mais que uma cidade ou um Estado, é um centro estratégico para o mundo corporativo. Outro preconceito comum é achar que a economia de Dubai é baseada no petróleo, e o petróleo representa apenas 1% da economia local.
Então, quando alguém considera vir para cá, pensa: “Mas o que eu vou fazer em Dubai? Não trabalho com turismo nem com petróleo, e aqui só tem empresas gigantes.”
Além disso, há preconceitos relacionados ao papel da mulher. Muitas me perguntam: “Serei respeitada? Terei voz e vez? Vou precisar usar abaya?” Existe um imaginário coletivo que associa Dubai à Arábia Saudita de antigamente, ao Irã ou ao Paquistão.
Mas a realidade é outra. Dubai tem 88% da população formada por expatriados. Apenas 12% são emiratis. Desses expatriados, 51% são indianos, um povo extremamente inteligente, trabalhador e altamente qualificado, especialmente nas áreas de TI e desenvolvimento de software. Esse pessoal literalmente construiu a cidade.
Aqui só se fala de negócios. Tudo gira em torno de economia e networking. Estamos no meio do mundo, e as maiores feiras do planeta, como a Gulfood e a Gitex, acontecem aqui. Mas o brasileiro ainda não conhece esse potencial. Ou então diz: “Ah, é muito longe.” Longe? Ir aos Estados Unidos leva praticamente o mesmo tempo.
Essa percepção é mais uma questão de impressão do que de realidade. Longe é a China. Dubai, não.
Também há dúvidas de ordem religiosa. Muitos dizem: “Sou cristão, como vou viver num país muçulmano?” Mas aqui há todas as religiões. Inclusive, temos o complexo da Família Abraâmica, com um templo judeu (sinagoga), uma igreja católica e uma mesquita, todos no mesmo local. Ao lado, há também um templo budista enorme. Há muitos evangélicos por aqui, eu mesma sou uma deles, e não há qualquer problema em professar a fé. Ou seja, muitas das barreiras são, na verdade, frutos de desconhecimento e preconceito. Há também os boatos sobre trabalho escravo em Dubai. Escuto muitas coisas assim. Falta informação. E essa é a minha missão: abrir essa janela para o mundo. Mostrar que o centro das atenções não é mais os Estados Unidos. O momento é aqui. Não só para os brasileiros, mas para o mundo inteiro.
A tecnologia, em especial a Inteligência Artificial, tem transformado profundamente diversos setores, abrindo caminho para novas oportunidades, mas também impondo desafios complexos. Na sua visão, de que forma essas transformações tecnológicas têm impactado as atividades de compliance, e quais tendências você acredita que devem ganhar força nos próximos anos?
Boa pergunta e bem atual. Olha, todo mundo está assustado com a tecnologia que vai tomar o emprego de todo mundo, que as IAs vão substituir o ser humano. E essa resposta eu te diria: sim e não, depende. Depende de onde você está nessa cadeia alimentar.
As IAs, por exemplo, aqui — estou em um país extremamente tecnológico — tudo relacionado à tecnologia chega primeiro. Não há dúvida disso. Dubai faz hoje o que os Estados Unidos sempre fizeram: financia as melhores mentes pensantes, projetos pequenos e grandes. Dá visto, oferece tudo. Os hubs aqui disponibilizam apartamento, visto, salário, apenas para que as mentes mais brilhantes tragam seus projetos e se estabeleçam. Isenção de impostos e tudo mais.
A tecnologia faz parte do nosso cotidiano aqui. Aprendemos a conviver com ela. Não é algo estranho para ninguém que mora em Dubai, inclusive a vigilância que vem junto com ela.
Acredito que, para o compliance, o desafio mesmo é a proteção de dados. Porque essa invasão, esse monitoramento por parte das IAs — onde colocamos o dedo, onde falamos, tudo está sendo ouvido, tudo está sendo registrado — é muito real. Existe, sim, uma invasão absurda da nossa privacidade.
Ganhei um prêmio em 2022, se não me engano, porque fui uma das primeiras a levantar esse tema: proteção de dados no metaverso. Houve um congresso internacional de advogados aqui, cada um trouxe um tema novo, e a minha palestra foi sobre proteção de dados no metaverso. Justamente porque ali estão todas as tecnologias: IA, blockchain, VR… tudo funciona ali. E como fica a proteção de dados? Essa invasão do nosso ser, dos nossos sentimentos… nem se trata mais só de dados. Hoje, a IA tem condições de nos conhecer mais do que nós mesmos. A grande questão é: o que a IA, ou a empresa dona dela, vai fazer com esses dados? O quanto seremos manipulados?
Hoje, as pessoas estão muito preocupadas com o trabalho. “Vou perder meu emprego?” Essa não é a preocupação que eu tenho. Contudo, é sabido, estudei isso desde a época em que fiz um curso em Harvard, que haverá um salário. As grandes corporações, digamos, as cinco maiores e outras, em menor escala, vão pagar salários para que as pessoas não trabalhem. Você vai receber uma espécie de “bolsa família”, digamos assim.
E nesse momento, teremos as CBDCs (moedas digitais dos bancos centrais), todos estão tokenizando suas moedas, e o governo vai determinar como você poderá usar esse salário. Ah, quer jogar “tigrinho”? Não. Quando você passar seu Drex ou Pix, não será permitido. Você poderá comprar gás naquela esquina ali, para movimentar o comércio local.
Então, acredito que, no futuro, o emprego não será o problema. As pessoas que não quiserem trabalhar estarão felizes recebendo um salário e fazendo seu churrasquinho na laje. E as outras, que quiserem trabalhar, essa é a verdade, continuarão atuando.
Antes de ontem, fui a uma palestra aqui, de uma brasileira que está rodando o mundo, falando justamente sobre um tema ligado ao futuro. Ela é futurista, trabalhou muitos anos na IBM, e hoje orienta corporações sobre o que vem por aí. Essa, aliás, é outra pessoa que você poderia entrevistar. Ela fala para as empresas sobre como lidar com essa nova geração. A geração Z, por exemplo, está mais preocupada com seus direitos ou em salvar o mundo, e as corporações não podem mais fazer o que quiserem em detrimento do futuro dessas pessoas.
Tudo isso tem a ver com a nova geração, com a nova IA, que está nos trazendo justamente uma forma de humanização, que é o que está faltando.
A IA é lógica, pensa logicamente, depende de comandos. Mas a IA nunca terá intuição, sentimento, empatia. Sempre haverá trabalho humano a ser feito. Mesmo para dar os comandos (prompts) para uma IA, ou para fabricá-la, é necessário um toque humano. Algo de humanização, para que seja possível se comunicar com outro ser humano.
A IA pode dominar o mundo, mas ninguém vai substituir os sentimentos, que só o ser humano possui.
Portanto, se estivermos falando exclusivamente de compliance, minha preocupação é a proteção de dados. Mas, no geral, o que todas as empresas e pessoas devem se perguntar é: como manteremos a humanidade diante da lógica das IAs?
Diante de sua larga experiência em complaince, qual seria sua mensagem final para esta entrevista, visando contribuir com alguém em início ou fase de transição de carreira considerando esta área como atuação?
É uma profissão muito moderna. Tanto é que, no Brasil, só se começou a falar sobre compliance na época da Lava Jato, com Sérgio Moro atuando. As empresas passaram a se adequar ao compliance a partir daí. Quando eu estava na Arábia Saudita, meu dilema era: “Estou em um país em que as mulheres podem trabalhar, estou no exterior, sou advogada tributarista… O que posso fazer para não perder o conhecimento que adquiri até aqui?”
A decisão de migrar para o compliance nasceu lá, na Arábia Saudita, porque o mundo inteiro, naquele momento, falava sobre o tema. No Brasil, havia a Lava Jato; na Europa, o foco era o GDPR — que mais tarde originou a LGPD no Brasil. Naquele período, existiam apenas duas faculdades nos Estados Unidos e duas na Europa que ofereciam cursos em compliance. Era algo muito novo, e não estou falando de décadas atrás, estou falando de sete ou oito anos atrás.
Pesquisei para entender qual seria uma profissão que me permitisse trabalhar em qualquer lugar do mundo, sem ficar dependente de um diploma, como o de Direito. Afinal, como advogada tributarista, o que eu faria em outro país? Ainda que, hoje, em Dubai, eu atue mais como tributarista do que com compliance, por outras razões.
Naquele momento, o compliance surgiu como um “coringa” — uma profissão possível em qualquer lugar, em qualquer empresa. O compliance se subdivide em várias áreas. Se você não quiser ser Chief compliance Officer, pode trabalhar, por exemplo, apenas com proteção de dados, focando na LGPD ou no GDPR de cada país. Pode também atuar como auditor, ou ser responsável pela elaboração de políticas e procedimentos para os departamentos, é um campo muito amplo.
Fiz mestrado, então estou capacitada para atuar em todas essas frentes, mas é possível também fazer cursos em áreas específicas. Pegando o exemplo da LGPD, que é bastante conhecida: cada país criou sua própria legislação com base no GDPR, a lei “mãe”. As mudanças são pequenas, mais nos detalhes.
Eu tinha um canal no YouTube chamado “LGPD pelo mundo”. Como gosto de viajar, comecei a filmar e explicar como funcionava a lei de proteção de dados em cada país que visitava. Gravei episódios sobre Índia, Singapura, Omã, França e até o Vaticano, onde estudei a legislação local in loco. O programa acabou pausado quando mudei o foco da minha atuação, mas a ideia era mostrar como as leis se pareciam, com pequenas nuances. Em alguns países, como a Arábia Saudita, há prisão de até dois anos por vazamento de dados sensíveis. No Egito, a pena é de três meses. Em outros lugares, há apenas multa, algumas muito altas, como na Europa.
O compliance é aplicável em qualquer lugar. Hoje, as pessoas valorizam muito a liberdade geográfica, e o compliance permite isso. Sempre atuei de forma remota: visito a empresa, aplico questionários, entrevisto as pessoas, mas o trabalho em si é feito no meu computador. Posso estar em qualquer lugar do mundo e fazer tudo de forma remota, viajando apenas quando necessário para treinamentos ou entrevistas iniciais.
Além disso, é uma profissão do futuro. Por exemplo, pensando na proteção de dados, falamos anteriormente sobre como a inteligência artificial está manipulando tudo. As leis virão, como sempre, mais devagar que a tecnologia, mas virão. E isso tudo será função do compliance.
O compliance também está vinculado ao ESG. Trata-se de pensar no futuro da sociedade. Não é apenas sobre ganhar dinheiro, é ganhar dinheiro com consciência. Há marcas que, por exemplo, fazem publicidade com temas controversos, como pedofilia. Isso também é uma questão de compliance. Qual imagem a empresa deseja transmitir? Isso é o futuro. E o compliance será essencial nesse processo.
Atualmente, poucas pessoas prestam atenção nessa área. Normalmente, alguém só implementa compliance quando é obrigado por lei, por contrato ou por exigência de um parceiro comercial. Mas, no futuro, isso será diferente. Será uma consciência comum.
Lições de carreira
Conheci o trabalho de Vania Tarkiainen ao ler seu artigo Dubai: A Revolução Fiscal que o Empresário Brasileiro Precisa Conhecer. Imediatamente, percebi que ela seria uma pessoa especial com muito a contribuir. Decidi contatá-la, referenciando uma amiga em comum, e ela prontamente me respondeu, disposta a compartilhar suas experiências, e tivemos esta rica interação. Sua trajetória revela como o mundo profissional está se transformando, como é possível antecipar tendências e se preparar para elas. Ao investir em formação sólida e construir uma carreira com propósito, ela mostra que o sucesso pode ser global, consciente e alinhado com valores. Mais do que uma empresária em Dubai, ela é uma referência de visão de futuro e coragem para agir fora da zona de conforto.
Grato pela leitura. Nos encontramos no próximo artigo!
Abraço, Jonny