Por Marcelo Hessel*
Quando entregou a Palma de Ouro a La Vie dAdèle, no encerramento da 66ª edição do Festival de Cannes, o presidente do júri, Steven Spielberg, disse que não era uma escolha política, que o filme é uma “grande história de amor”. Mas, no mundo de hoje, particularmente na França, é evidente que a premiação adquire uma carga política.
O drama sobre o despertar sexual de uma adolescente, que se apaixona por outra menina, chega em um momento em que o debate sobre casamento gay gera na França não apenas revolta de religiosos e conservadores, mas também atos extremos, como o suicídio de um ativista de direita dentro da Igreja de Notre Dame, no final de maio. O fato de o diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche ser de ascendência árabe torna ainda mais aguda a premiação, numa França de inclinações cada vez mais xenófobas.
Adaptação da história em quadrinho Le Bleu est une Couleur Chaude, de Julie Maroh, La Vie dAdèle não foi o único filme com teor homossexual que chamou atenção emCannes. Behind the Candelabra, de Steven Soderbergh, foi elogiado pelo trabalho doelenco (em especial Rob Lowe) e LInconnu Du Lac, que deu a Alain Guiraudie o prêmio de melhor direção na mostra paralela Un Certain Regard, ganhou destaque por transformar em suspense a premissa do encontro de pessoas do mesmo sexo. La Vie DAdele já tem distribuição garantida no Brasil, ainda sem data definida, pela mesma Imovision – que trouxe ao país os dois longas anteriores de Kechiche, O Segredo do Grão e Vênus Negra. Behind the Candelabra passará no Brasil nos canais HBO.
A Palma de Ouro dada por Spielberg pode ser considerada corajosa – vamos torcer para que a versão de La Vie DAdele exibida no festival, com três horas e algumas cenas de sexo, não seja mutilada comercialmente. Mas, nas demais categorias, quem se saiu melhor foram os filmes que não dividiram demais júri e crítica.
Palma de Ouro à parte, é mais provável que Cannes 2013 seja lembrado pelos longas que geraram opiniões opostas (como Wara no Tate, de Takashi Miike, The Immigrant, de James Gray, ou Only God Forgives, de Nicolas Winding Refn) do que pelos demais vencedores.
Outro que sai da França com um certo favoritismo para o Oscar é Inside Llewyn Davis, o elogiado longa dos irmãos Coen, que teve de se contentar com o Grande Prêmio do Júri, espécie de medalha de prata em Cannes.
A divisão das categorias na competição principal é pensada para pulverizar os prêmios, mas ainda assim alguns nomes saem de Cannes prestigiados, como Jia Zhang-Ke, que fez em Tian Zhu Ding um raro (e violento) flerte com o cinema de gênero e saiu com o prêmio de Melhor Roteiro.
Entre os desprestigiados, destacam-se dois: o italiano xodó de Cannes, Paolo Sorrentino (que compareceu à cerimônia de entrega, sinal de que poderia sair com algum troféu, mas não levou nada) e o iraniano do momento, Asghar Farhadi, de A Separação, cujo Le Passé levou o troféu de Melhor Atriz (para Bérenice Bejo) de forma praticamente simbólica, porque Adèle Exarchopoulos, a protagonista de La Vie dAdèle, dividiu a Palma de Ouro com seu próprio filme, por sua atuação.
*Marcelo Hessel é editor no Omelete, maior portal de cultura pop e entretenimento Geek doBrasil.