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Marcelo Serpa costumava reforçar que “ideias valem dinheiro” e merecem respeito
por Gabriela May*
Recentemente, fomos procurados por uma empresa do segmento de construção civil interessada em estruturar a comunicação para o lançamento de um novo empreendimento imobiliário.
Durante a primeira reunião, apresentamos nossas credenciais, cases de sucesso e experiência no setor. Fomos selecionados para uma segunda etapa junto com outra agência candidata, ocasião em que detalhamos nossa proposta comercial para a diretoria.
Poucos dias após essa segunda apresentação, recebemos a notícia de que haveria ainda uma terceira etapa, na qual as agências precisariam apresentar sua estratégia completa para o lançamento. A justificativa: a agência com a melhor estratégia seria finalmente contratada.
Situações como essa são familiares para muitos gestores de agências. Mas, pare e pense: em qual outra área isso ocorre com tanta naturalidade? Você conhece advogados que oferecem pareceres detalhados gratuitamente antes de serem contratados? Ou médicos que fazem consultas sem cobrar? Provavelmente não. Por que então, nós, profissionais da comunicação, frequentemente cedemos às pressões do mercado e entregamos aquilo que deveríamos vender?
O O CENP-Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário, no Guia das Boas Práticas do Mercado Publicitário Brasileiro, destaca que concorrências devem ter premissas transparentes, objetivos claros, escopo definido e prazos adequados para que as agências possam entregar propostas consistentes e justas. Também recomenda uma sistemática de remuneração quando forem exigidas propostas complexas, evitando que o trabalho intelectual e criativo seja entregue gratuitamente.
Grandes nomes da publicidade já alertaram sobre esse cenário. Marcelo Serpa costumava reforçar que “ideias valem dinheiro” e merecem respeito. Em uma de suas entrevistas, Serpa afirmou que o mercado publicitário precisa aprender a se posicionar firmemente quanto à precificação do trabalho intelectual, uma vez que ideias são a essência do que entregamos. Washington Olivetto também enfatizava que as ideias só terão valor real quando nós mesmos pararmos de oferecê-las sem remuneração. Segundo ele, “não existe almoço grátis, especialmente quando falamos em criatividade”.
Então, como as agências podem escapar desse ciclo vicioso? O primeiro passo está em reconhecer claramente o valor que entregamos aos nossos clientes. Diferentemente de produtos tangíveis, a comunicação estratégica e criativa muitas vezes é invisível, mas seus efeitos são palpáveis e significativos. Um bom posicionamento, uma campanha bem estruturada ou uma estratégia eficaz de branding podem gerar resultados expressivos e mensuráveis.
O CENP também recomenda evitar concorrências desnecessárias e sugere que antes de abrir um novo processo seletivo, seja feita uma avaliação honesta da relação atual com a agência parceira, possibilitando correções de rota e ajustes contratuais para continuidade do trabalho.
Precisamos aprender com outros setores. Quando um escritório jurídico é procurado, o cliente paga pela experiência do advogado, seu histórico profissional e pela confiança de que aquele profissional resolverá seu problema. O mesmo ocorre na medicina: ninguém espera um diagnóstico gratuito ou um tratamento sem custos antes de decidir se contratará ou não determinado especialista.
Dessa forma, é fundamental construirmos uma narrativa forte, que demonstre claramente nossa competência. Precisamos destacar nosso histórico comprovado de sucesso, as certificações que validam nosso trabalho, as premiações que recebemos e as recomendações sinceras e transparentes dos nossos clientes satisfeitos. Mostrar esses elementos não é arrogância, mas sim uma demonstração justa e necessária do valor que proporcionamos.
Outro ponto importante é estabelecer limites claros em relação ao que oferecemos gratuitamente. É saudável e necessário fazer apresentações iniciais mostrando nossos cases, metodologias e resultados anteriores. No entanto, entregar estratégias detalhadas e personalizadas sem garantia de contratação vai além do razoável. Precisamos criar juntos um padrão ético e comercial que defenda melhor nossos interesses e valorize nossa entrega criativa.
Por fim, é essencial que agências se unam para dialogar sobre esse tema, criando padrões mais justos de atuação no mercado. Não se trata apenas de proteger o interesse comercial individual, mas também de educar o mercado sobre o valor e o papel das agências como parceiros estratégicos indispensáveis.
Mostrar valor não é pedantismo, é uma questão de respeito profissional. Está na hora de revermos nosso posicionamento e refletirmos juntos sobre esse modelo de negócio. Afinal, se não valorizarmos nosso próprio trabalho, quem mais o fará?
*Gabriela May – VP de atendimento e novos negócios na agência 9MM