Em meio às conversas sobre a desvalorização dos profissionais de marketing e às reclamações sobre salários baixos, uma pergunta surge: será que nós, como profissionais, estamos realmente nos valorizando? Para sermos valorizados pelo mercado, primeiro precisamos nos valorizar internamente, o que exige um compromisso com a ciência e o estudo profundo da nossa área de atuação.
Recentemente, participei de dois eventos que me fizeram refletir sobre isso: o Festival of Marketing e a IPA Conference, ambos realizados em Londres. Em ambos os encontros, o foco estava em um aspecto que considero crucial para a evolução do marketing: a efetividade baseada em dados e métodos científicos. Foi uma imersão em conhecimento, que me fez perceber que o marketing, assim como outras áreas, está em constante evolução e precisa ser tratado com seriedade, fundamentado em ciência.
No entanto, ao olhar para o nosso mercado, muitas vezes percebo uma lacuna entre o que discutimos em eventos de grande porte e o que realmente acontece no dia a dia das empresas. Há uma tendência entre muitos profissionais de marketing de seguir fórmulas prontas, repetir o que está sendo feito ao redor ou apostar em modismos que não têm base científica. Será que essa atitude não contribui diretamente para a desvalorização do nosso trabalho?
Durante o Festival of Marketing e a IPA Conference, esses avanços foram discutidos e reforçados por grandes nomes da indústria. Abaixo, compartilho algumas das principais descobertas que marcaram esses últimos 10 anos, desmistificando práticas antigas e estabelecendo novas bases para o marketing moderno.
A ideia de que campanhas publicitárias perdem eficácia com o tempo, o chamado “wear out“, foi amplamente desmistificada. Pesquisas recentes da System1 e da Analytic Partners mostraram que campanhas eficazes continuam sendo eficazes ao longo do tempo. Se forem criativas e relevantes para o público, elas mantêm sua capacidade de gerar resultados de maneira contínua.
Uma das descobertas recentes envolve a importância dos ativos de distinção de marca. Jenni Romaniuk, uma das principais especialistas no assunto, aponta que marcas que se destacam através de elementos como cores, logotipos, slogans e até sons, conseguem uma vantagem competitiva notável. Esses ativos formam memórias na mente dos consumidores e facilitam o reconhecimento em mercados competitivos. No entanto, eles só adquirem valor real quando são usados de forma consistente e exaustiva. Ou seja, mudar a identidade visual constantemente não é uma boa estratégia, ao contrário do que se acreditava anteriormente.
Um dos principais temas discutidos nos eventos foi o papel crucial da criatividade na comunicação. Em um ambiente repleto de distrações e com a atenção do público cada vez mais escassa, a criatividade se destaca como a única ferramenta capaz de capturar e manter o interesse, além de criar uma conexão emocional. Sem ela, qualquer esforço de marketing corre o risco de ser ignorado ou esquecido.
Nas últimas três décadas, as marcas que experimentaram crescimento sustentável foram aquelas que mantiveram uma divisão equilibrada de investimentos entre o longo (60%) e o curto prazo (40%). Esse equilíbrio foi crucial para construir marcas fortes e garantir resultados de vendas consistentes, como indicam os estudos de Les Binet e Peter Field.
Por fim, trocar de embaixadores de marca ou influenciadores frequentemente pode parecer uma estratégia eficaz para revitalizar a imagem da marca, mas, na verdade, isso pode ser prejudicial. Marcas que se mantêm consistentes em sua comunicação, utilizando as mesmas personalidades ao longo do tempo, como a Nespresso faz com George Clooney, tendem a construir maior confiança e reconhecimento junto ao público.
Essas são apenas algumas das descobertas recentes que têm transformado o campo do marketing. Mas a questão é: quantos profissionais estão realmente atentos a essas informações? Quantos de nós estamos dispostos a sair do piloto automático e buscar um conhecimento mais profundo, baseado em estudos robustos e na ciência do marketing?
Durante as palestras e debates, ficou claro que as marcas e agências que estão na vanguarda são aquelas que têm um profundo respeito pelo método científico. Elas investem em pesquisa, entendem seus consumidores com base em dados reais e fazem campanhas fundamentadas em princípios que foram provados eficazes ao longo dos anos.
É fácil culpar o mercado pela desvalorização da nossa profissão, mas a verdade é que essa mudança precisa começar dentro de nós. Como podemos ser valorizados se não valorizamos o próprio marketing? Se nós mesmos tratamos o marketing como algo instintivo, em vez de algo técnico e científico, por que os clientes fariam diferente?
A boa notícia é que o conhecimento está mais acessível do que nunca. Autores como Byron Sharp, Jenni Romaniuk, Les Binet e Peter Field estão disponíveis para todos nós. Instituições como o Institute of Practitioners in Advertising (IPA) têm cursos e publicações que são verdadeiras minas de ouro para qualquer profissional que deseja evoluir.
Participar de eventos como o Festival of Marketing e a IPA Conference foi uma escolha consciente da SPR em dar mais um passo no caminho do conhecimento. Mas acredito que todos nós precisamos fazer essa escolha. Precisamos parar de nos contentar com o básico e buscar o conhecimento que realmente faz a diferença. Só assim conseguiremos ser valorizados — não apenas pelos clientes, mas também por nós mesmos.
por Gustavo Ermel, Sócio e diretor de estratégia e inovação da SPR.
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