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STF reabre debate sobre publicidade e bônus de volume
10 de Setembro de 2012

STF reabre debate sobre publicidade e bônus de volume

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Críticas dos ministros do STF à lei que regulamenta a contratação de serviços de publicidade por órgãos públicos suscitam o debate sobre sua constitucionalidade. O MPF já pediu ao TCU a suspensão das apurações de contratos deste tipo, alegando que a matéria “encontra-se sob extensa e minuciosa análise da Corte Suprema”. Cinco réus foram denunciados, entre outros crimes, pela prática de peculato referente a desvios dos chamados “bônus de volume”, a comissão paga pelos meios de comunicação às agências de publicidade As críticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) à Lei 12.232/2010, que regulamenta a contratação de serviços de publicidade por órgãos públicos, apresentadas durante o julgamento da ação penal 470, reabriram o debate sobre a regulamentação da publicidade estatal no Brasil.

O presidente da corte, ministro Ayres Britto, definiu o dispositivo como “um tranco à função legisladora do estado”. Outros ministros, como Celso de Mello, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, também apontaram para a inconstitucionalidade da norma. Em um voto incisivo, Britto chegou a afirmar que o anteprojeto da lei foi alterado durante sua tramitação na Câmara para beneficiar os réus do chamado “mensalão”, ao incluir um artigo que estende a norma “às licitações já abertas, aos contratos em fase de execução e aos efeitos pendentes dos contratos já encerrados na data de sua publicação”. Conforme ele, o texto acrescido é uma afronta ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

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Para o doutor em Direito e autor do livro “Direito da Publicidade”, Henrique Costa, as manifestações dos ministros abrem espaço para uma ação declaratória de inconstitucionalidade da lei 12.232. “O voto do Ayres Britto pode reabrir, no futuro, o debate sobre como deve ser interpretado esse dispositivo. Isso é o mais importante para todo o setor [da publicidade], que foi ao Legislativo e conseguiu uma lei que o Supremo parece estar insatisfeito agora”, afirma.

O Ministério Público Federal (MPF) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) já deu indícios de que poderá seguir este caminho ao pedir a corte de contas o sobrestamento das apurações feitas em contratos de agências de publicidade com o Banco do Brasil. “A matéria que ora se examina encontra-se sob extensa e minuciosa análise da corte suprema, nos autos da Ação Penal nº 470, cuja decisão pode vir a influenciar o mérito deste apelo”, justificou o subprocurador-geral do MPF junto ao TCU, Paulo Bugarin, em recurso de revisão expedido em agosto. Apesar do recurso de revisão se referir a contratos específicos, Henrique Costa aponta que o significado prático da medida “é que ninguém vai decidir nada sobre publicidade no TCU até o fim do mensalão”.

Bônus de volume
A lei 12.232/2010 entrou na discussão da ação penal 470 porque cinco réus foram denunciados, entre outros crimes, pela prática de peculato referente a desvios dos chamados “bônus de volume”, ou BV, a comissão paga pelos meios de comunicação às agências de publicidade, conforme o volume de propaganda negociado entre eles. Apesar de ser uma prática de mercado que remonta aos anos 1950, o pagamento do bônus só foi institucionalizado pela lei em questão. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, e os sócios da DNA Propaganda, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, foram acusados de permitir que a agência se apropriasse dos R$ 2,9 milhões repassados como bônus pelos veículos de comunicação. Já o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, foi acusado de possibilitar que a agência SMP&B, dos mesmos sócios, ficasse com os R$ 2,1 milhões dos BVs decorrentes da publicidade feita pela casa. A defesa dos réus, entretanto, alegou que a edição da lei 12.232 teria configurado “abolitio criminis”, ou seja, tornado lícita a conduta pela qual os empresários foram denunciados. A lei evocada diz em seu artigo 15 que pertencem ao “contratante as vantagens obtidas em negociação de compra de mídia”. Porém, abre uma exceção e legaliza o bônus de volume ao permitir, no artigo 18, “planos de incentivo por veículo de divulgação” e ao definir que os frutos resultantes destes planos constituem “receita própria da agência”. Mas o ministro-relator, Joaquim Barbosa, considerou as acusações procedentes e pediu a condenação de todos. “Até mesmo na contratação de serviços de mídia, o Banco do Brasil era o titular dos créditos eventualmente concedidos por veículos de divulgação. O contrato assim estabelecia porque não era a agência quem negociava com o veículo de divulgação, mas sim o próprio Banco do Brasil o fazia diretamente”, esclareceu.

Bônus X outras bonificações
O ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, discordou. Para ele, os bônus de volume não podem ser confundidos com as demais bonificações pagas pelos veículos, essas sim devidas ao BB por questões contratuais. “Uma coisa são os bônus de volume, que podem até ter sido legitimamente recebidos, segundo os conceitos vigentes no mercado. Outra coisa é a empresa emitir faturas a título de bônus de volume, mas que na verdade correspondem a outros serviços”, destacou. Com base neste entendimento, ele absolveu João Paulo Cunha que, na interpretação dele, repassou à agência apenas os bônus de volume, prática já pacificada pelo mercado na época. Mas condenou Pizzolato e os sócios da DNA por considerar que eles permitiram a apropriação indébita pela agência de outras bonificações que deveriam ser destinadas ao BB. Com base em parecer do TCU, o revisor sustentou que o valor relativo aos bônus de volume era de apenas R$ 420 mil. Segundo ele, o restante dos R$ 2,9 milhões era proveniente de outras bonificações. Porém, à exceção de Dias Toffoli, os demais ministros não fizeram distinção entre BV e demais bonificações. E criticaram duramente o parecer do TCU, alegando que o entendimento contrastava com o do Instituto Nacional de Criminalística, que não considerou os bônus devidos à agência.

O presidente da corte disse que, frente ao impasse, prevalecia o entendimento do último. “A minha conclusão é a de que, no caso, diante dessa divergência, desse confronto de apreciação sobre os mesmos fatos, o que deve ser levado em consideração pelo magistrado é o quadro factual devidamente provado pela instância penal”, observou. O posicionamento do TCU em considerar regular o mecanismo do bônus de volume desde a edição da lei 12.232 já vinha sendo criticado no curso da ação penal. Às vésperas do julgamento, em 20 de julho, o órgão emitiu nota explicando que apenas “aplicou disposição explícita de lei aprovada pelo Congresso Nacional”.

Pressão do mercado
Um dia após o presidente do STF criticar a lei que regulamenta a publicidade estatal, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), refutou, em entrevista à imprensa, a hipótese dela ter sido alterada para beneficiar os réus do mensalão. “Sinceramente eu acredito, por tudo aquilo que eu vi, que não havia ali nenhuma outra intenção que não fosse acolher um posicionamento do mercado, das agências de propaganda e de televisão, não somente nos novos contratos, como previa o projeto original, como também em relação ao passado”, afirmou. Cardozo foi o autor do antiprojeto da lei 12.232, quando era atuava como deputado. No texto original apresentado por ele, os efeitos da lei só valeriam para contratos futuros. Entretanto, durante a tramitação da matéria na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (Ctasp) da Câmara, sob a relatoria de Milton Monti (PR-SP), foi incluído o artigo que estendeu o alcance da lei aos chamados “fatos pretéritos”. O acréscimo foi defendido também pelo relator da matéria na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), André Vargas (PT-PR), e declarado constitucional pelo relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), hoje ministro da Agricultura. Ainda que réus do mensalão tenham se beneficiado da nova redação, corrobora com o entendimento de Cardozo o fato que, no Senado, a matéria passou pelas mãos de parlamentares da oposição e governistas, e sempre manteve o dispositivo.

Na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o relator foi Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Na CCJ, Francisco Dornelles (PP-RJ). A importância da matéria chegou a ser destacada várias vezes pelo então presidente da CCJ, o senador cassado Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), nos seus balanços de gestão. “A lei, na verdade, foi uma reação do mercado ao terror gerado pelo TCU após a exploração das denúncias sobre o Valerioduto”, afirmou à Carta Maior uma fonte do meio publicitário que pediu para não ser identificada. Conforme esta fonte, logo após o escândalo do mensalão, o TCU deu início uma série de apurações sobre a publicidade no serviço público e, em 2005, chegou a suspender vários contratos e pagamentos. “Para as agências, o importante era dissociar-se do escândalo com uma legislação que, ao mesmo tempo, garantisse contratos passados ou em vigor e regulasse mecanismos há tempos praticados pelo mercado, como o bônus de volume”, acrescentou. Em julho de 2008, foi realizado em São Paulo o IV Congresso Brasileiro de Publicidade, no qual foi lançada a “Frente Parlamentar da Comunicação Social”.

Conforme os organizadores, a frente reunia 198 deputados e 38 senadores de 17 partidos políticos. Monti e o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) saíram de lá encarregados de lançar a frente oficialmente no Congresso. O primeiro, inclusive, foi eleito seu coordenador. Entre as deliberações do encontro estava o apoio ao projeto de lei de Cardozo. Entre os patrocinadores, os grandes grupos de mídia, como Globo, Terra, Record, Abril, RBS, Bandeirantes e SBT.
Fonte: Carta Maior, com texto de Najla Passos e Vinicius Mansur

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