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Propaganda para céticos
29 de Maio de 2020

Propaganda para céticos

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Certamente o leitor  já ouviu muitas frases
conceituais sobre PROPAGANDA.  
Aqui tem duas:
. Propaganda é a alma do negócio.
. Propaganda é a arma do negócio.

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Como é fazer propaganda nos dias atuais? Numa época em que basta um celular para as pessoas se transformarem em gênios da comunicação, a importância da boa propaganda só cresce para marcas que precisam se destacar no tsuname de “inputs” a que as pessoas estão sujeitas todos os dias. O CENP-Conselho Executivo das Normas-Padrão preparou uma resenha sobre o livro “Propaganda para céticos”, de autoria de Bob Hoffman, publicado pela Type A e disponível na Amazon (mas ainda sem tradução para o português). Trata-se um livro muito curto, por opção do autor, mas pode ser comparado a clássicos como foram, a seu tempo, “Scientific Advertising” (1923), de Claude Hopkins; “Ogilvy on Advertising” (1985), de David Ogilvy; ou “Pub Story” (1994), de Jacques Séguéla. Sobre a obra, o professor Byron Sharp escreveu: “Estou com inveja. Eu gostaria de ter a coragem de ser assim tão rude”.

O  livro é dividido em 7 partes
– Ilusões, Fingidores, Heresias, Perdidos, “Recreio”, Perigo e Conselhos – e tem muitos capítulos, fazendo sua leitura ser fácil e gostosa, apesar de sua densidade, de bater com uma saraivada de jabs e alguns diretos no leitor praticamente a cada capítulo e o fazer refletir bastante sobre o sentido do que ele está pensando, propondo e fazendo em propaganda nos dias atuais.
Afinal, como o próprio autor ressalta, a obra é “uma espécie de destilação de tudo que escrevi sobre publicidade” nos últimos 15 anos, em seus 4 livros, blog e newsletters, após uma carreira de muitos anos como redator, CCO e CEO de três agências de sucesso. Boa leituira:

 

Ilusões

Hoffman abre o primeiro capítulo da primeira parte comentando sobre a vida na “terra da fantasia” que levou as primeiras décadas do século XXI, especialmente a última, a uma sequência de ilusões e ao desencanto com a promessa do digital e dos dados de falarem apenas com as pessoas certas no momento certo e com o conteúdo adequado a esse momento, o que gerou muito mais frustrações que alegrias, pois o que seria uma era única e a mais produtiva da publicidade acabou gerando mensagens menos eficazes, marcas mais frágeis e menor rentabilidade para a atividade – uma vez que resultou em “publicidade mais irritante, mais antipatizada e mais evitada” pelos consumidores.

Citou, em seguida, um estudo da Nielsen que constatou que “46% das pessoas nos Estados Unidos estão mais dispostas a mudar de marca que há cinco anos e apenas 8% dizem que são efetivamente leais a elas”.

Em seguida aborda a “promessa de um milagre”, a interatividade, expressa por conceitos como “join the conversation”, que pretendia levar os consumidores a falarem espontaneamente das marcas, sem que elas investissem em mídia, diálogo que continuou a ser uma ação muito rara e muito fortuita.

A realidade, lembrou, é que o consumidor age no mundo digital com o mesmo comportamento que adota no offline, ou seja, muito poucos e em raras situações, dão bola para as marcas.

O capítulo seguinte discorre sobre as adtechs e sua “long tail of trash” gerada por elas, que alimentou um monstro que consome metade da verba e originou todo um universo de fraudes de vários gêneros, a prestidigitação da mídia programática e uma imensa concentração de receita no duopólio Google e Facebook, que usam suas próprias réguas para afirmar que o anunciante está obtendo grandes resultados que, na realidade, são pífios.

 

Fingidores
No capítulo intitulado “fingidores”, Hoffman explora o fato que as mudanças que implodiram o mercado publicitário após quase um século de evolução levaram a uma situação na qual grande parte de seus integrantes “fingem ser consultores de negócios,  analistas de dados, experts em tecnologia, vetores de transformação digital, autoridades em experiência do consumidor e mestres em um sem número de especialidades ‘quase publicitárias'”.

Em comum, todos vendem talentos que de fato não têm e pouco valorizam, o que resultou em uma imensa desvalorização das práticas publicitárias, das agências e até das mídias, gerando um  verdadeiro caos na atividade.

No fundo, enfatiza “não sabemos o que pensamos que sabemos” e geramos ilusões batizadas como “melhores práticas” e “precision guessing”, que no fundo são muito pouco assertivas.

Muito dessa confusão decorre de preconceito com as mídias tradicionais e um excesso de wishful thinking com o digital. Um exemplo mencionado é de uma pesquisa junto a publicitários americanos, que afirmou que o share de vídeo assistido pelos consumidores na TV era de 25%, quando de fato é 82%, e que a participação dos smartphones era de 18%, quando na realidade é de 2%.

O autor também destaca que enquanto na maioria das atividades há um profundo conhecimento sobre os fundamentos da área e da atividade, para se evoluir a partir dessa base, em publicidade há o devaneio de acreditar que tudo muda a cada geração, gerando uma avalanche de jargões como likeonomics, engagement, conversations, storytelling, empowerment.

O resultado de tudo isso, um grande perigo para toda a atividade, é que a publicidade, na última década, se tornou menos eficiente, invertendo a tendência de décadas de progresso nesse sentido.

 

Heresias
No primeiro capítulo da terceira parte, Hoffman desenvolve uma teoria clássica da propaganda, assim como da vida: a das probabilidades, que explica que nesta atividade não há certezas, nem questões do tipo sim/não, falso/verdadeiro, mas apenas probabilidades de uma mensagem funcionar ou não, funcionar mais, ou funcionar menos.

Nos últimos tempos, observou, gasta-se muitos recursos e tempo com a precisão de estratégias, discutindo minúcias dos adjetivos do briefing e a tipologia de websites, mas parece que está sendo esquecida a principal razão pela qual uma marca tem mais chances de dar certo: seu grau de fama. Pois as mais famosas têm uma imensa vantagem de negócios.

E qual é a melhor ferramenta para se obter fama, ele se pergunta e já responde: “propaganda, a mais cara e a mais confiável. Para muitas marcas, é o único caminho que você pode comprar”.

Continuando, lembra que os dois principais instrumentos que as marcas têm para obter um lugar no spot da fama são o dinheiro, a verba, e a criatividade, a ideia. “Mas raramente o dinheiro é suficiente”, destaca, “o que evidentemente valoriza a criatividade”.

Na sequência, ele destaca que existem duas formas de publicidade: a pública, nas mídias de massa; e a privada, pessoal, através do marketing direto e do digital. O que leva os executivos de marketing que desejam ver suas marcas crescerem ao dilema de fazer propaganda pública, e desperdiçar recursos, ou ser invisível para a maioria das pessoas.

“Dessa forma, Hoffman enfatiza em um dos capítulos desta parte, é preciso avaliar com ceticismo a afirmação de que a publicidade personalizada e dirigida um-a-um é superior à publicidade em geral”.

No capítulo seguinte ele analisa as teorias de Byron Sharp e Mark Ritson, sendo que o primeiro defende uma postura mais dirigida à mídia de massa e o segundo tem uma perspectiva de segmentação e targeting. Para o autor, a verdade está no meio e é preciso balancear o intenso uso das mídias de massa com as mais dirigidas.

 

Perdidos
Na parte seguinte do livro, Hoffman começa comparando a lógica de causa e efeito dos negócios em geral com a lógica das probabilidades que regula a publicidade, pois “é mais provável que os consumidores comprem produtos com os quais estão familiarizados; eles são muito mais propensos a comprar produtos fáceis de comprar; são muito mais propensos a comprar produtos que consideram socialmente aceitáveis; eles são muito mais propensos a comprar produtos que os fazem se sentir bem”.

Mas isso são apenas probabilidades, pois muitas vezes o comportamento do consumidor foge completamente dessa lógica, dependendo da categoria, do momento de vida da pessoa e de fatores fortuitos que fazem a publicidade ter mais de feeling e de arte do que ciência.

Em seguida, aborda a questão das narrativas do setor, que tendem a isolar fatores para justificar estratégias e campanhas, além de produzir campanhas e até lançar produtos hiper segmentados que possam gerar “sucessos”, mas que pouco têm a ver com 99% do que acontece no mundo real do marketing e da publicidade.

Ele lança luz, também, sobre a argumentação das mídias digitais, que analisam pedaços limitadas do mercado para justificar suas soluções, ampliando seus resultados para o todo e levando toda uma geração de profissionais de marketing e publicidade a graves erros de concepção e análise.

Com isso, avalia, há uma enorme quantidade de bobagens – bullshit, no original – a serem apresentados como fatos reais e inteligentes sacadas, que acabam sendo reproduzidas pela mídia e se transformam em verdades seguidas por muitos.

Outro ponto que desviou a atenção e o pensamento lógico do mercado foi o impacto do click na publicidade digital. Mesmo considerando que a imensa maioria desse gênero de publicidade não gera cliques, todo o mecanismo de mensuração do digital está voltado a contabilizá-los, ainda que forma fraudulenta – uma vez mais induzindo todos a erro.

Não escapou da análise aguda de Hoffman outro fenômeno muito falado e bastante comum na vida das pessoas mas, na prática da realidade do mercado, de impacto relativamente baixo em termos de marketing, que também está eivado de fraudes e exageros: a chamada mídia social.

No final desse capítulo, Hoffman pontua que “a mídia social é um fenômeno mundial incrível. Mas o marketing de mídia social – e a promessa de almoço grátis por meio de conversação sobre as marcas e compartilhamento – acabou sendo uma fantasia”.

Os dois últimos capítulos dessa parte do livro são dedicados a explorar a hiper-valorização da juventude e o “desprezo” com a que a propaganda trata os seniores, que representam, na grande maioria das categorias de mercado, a maior parcela de consumo.

“Recreio”

Nesse ponto do livro, Hoffman dá um break na parte “séria” do livro, de discussão de seus problemas e desafios fundamentais, e aborda algumas questões leves, que ele chamou de “recreio”.

Em uma delas, chamado de “life in conferenceland”, ele fala sobre a realidade paralela dos eventos publicitários, com a apresentação de casos de sucesso baseados em narrativas adrede preparadas e o wishfull thinking analítico e futurístico que leva a audiência a devanear em conjunto com os apresentadores.

E conclui observando que “assim como na Disneylândia, a Conferenceland do marketing é muito mais limpa, mais bonita e mais segura do que o mundo real”.

O autor também assesta suas baterias sobre o Festival de Cannes, o suprasumo –  à beira mar, no início do verão do hemisfério norte – da fantasia das conferências, neste caso regadas com múltiplos prêmios, boa parte dedicada às narrativas mirabolantes, tudo regado por almoços e festas custeadas pelas verbas de marketing e publicidade

 

Perigo 
Retornando à vida real, a sexta parte do livro começa falando das fábricas de fraudes que sustentam a performance enganosa do universo digital, pois várias pesquisas indicam que apenas 50% do tráfico da internet registrado é humano e real, “roubando”, portanto, 58 dos US$ 106 bilhões aplicados nesse meio em 2018.

Em seguida Hoffman aponta sua baterias para o universo das adtechs, que ficam, segundo cálculos do The Guardian e da WFA, a entidade mundial dos anunciantes, consomem entre 40 e 70% das verbas direcionadas ao digital.

Isso faz com que, pelas contas da ANA, a entidade americana dos anunciantes, apenas 25% do que é aplicado no digital se transforme em “mídia líquida”, ou seja, recursos transformados em mensagens publicitárias.

Mas o autor não deixa de reconhecer o imenso valor do digital, suportado pela publicidade, que oferece uma miríade de informações, notícias, entretenimento e serviços de graça – ou por valores muito baixos – aos consumidores.

Trata-se de um meio que transformou radicalmente o mundo e deverá modificá-lo ainda mais, mas que está demandando um profundo  e abrangente processo de limpeza, incluindo a recuperação de seu controle por parte dos milhares de players sérios e bem intencionados que o compõem.

 

Conselhos
Na parte final, Hoffman não resiste e oferece alguns conselhos sobre como resolver alguns desses problemas enfrentar os desafios relatados ao longo do livro.

Para começar, ressalta que “assim como a história da publicidade, o futuro se baseia em probabilidades, aleatoriedade e sorte”, com alguns vencedores, uma massa de sobreviventes e uma boa dose de fracassos.” Feito esse “alerta”, lembra que suas próprias propostas devem ser vistas com “uma dose inteligente de realidade e um nível saudável de ceticismo”.

Depois de observar que “estamos expostos a milhares de mensagens publicitárias todos os dias. Apenas uma pequena proporção delas tem algum impacto sobre nós. No seu conjunto, a publicidade é uma força de mercado relativamente fraca”.

A exceção, observou, são os grandes anúncios, cartazes e comerciais, capazes de superar a apatia e até a rejeição dos consumidores. O que leva naturalmente a destacar a força das grandes ideias, que sempre fizeram a diferença na atividade.

Como a maioria das pessoas não dá a mínima para a esmagadora maioria das marcas, a única forma de gerar bons resultados não é nenhuma estratégia milagrosa, mas a “grande ideia”, como lembrou.

Ele também se mostrou pouco crente na alegada “força dos dados”, observando que um pessoa medíocre transforma todos os dados, mesmo os mais precisos, em bobagem, enquanto uma pessoa brilhante pega um fato crítico e o transforma em vigoroso sucesso.
Pessoas como Steve Jobs, Walt Disney, J.K. Rowling ou Bill Gates, para mencionar apenas alguns, são a prova viva dessa realidade, registrou.

E encerrou afirmando que “nossa indústria está se afogando em matemática e morrendo de fome de idéias. Precisamos de pessoas que possam sonhar. Precisamos de pessoas não-práticas ​​e ilógicas. Temos muitos dados. Precisamos mais do oposto.”

O que você, leitor, o que achou dessa proposta do livro de Bob Hoffman?

 

 

 

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