Publicado originariamente em meados de 2010
Não seja mala. A menos que você queira um estágio na Samsonite. Propaganda é um mundinho pequeno, uma área onde todos se conhecem. Se o rótulo de “mala” grudar em você e se espalhar, você estará acabado antes de começar.
O primeiro anúncio da pasta é o que rotula e classifica você. É a famosa primeira impressão. Se o primeiro anúncio for bom, os que se seguirem vão apenas ter que reforçar isto. Se for ruim, caberá aos outros a hercúlea tarefa de reverter uma má impressão inicial. Viu a responsa? Viu a diferença? Carinho com o primeiro anúncio. Idealmente, o primeiro anúncio deve produzir a seguinte sensação em quem vê a pasta: “Epa! Aqui tem coisa. Deixa eu ver se tem mais”. Peça opinião de colegas, promova uma votação secreta na sua casa, pergunte ao zelador do prédio, mas não erre no primeiro anúncio.
Minha sugestão de como montar um portfólio que impressiona é a seguinte: Comece dispondo os seus anúncios numa fila crescente de qualidade. Primeiro o meia-boca, por último o melhor deles: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. Depois, pegue o último (o melhor) e coloque na frente de todos: 10, 1, 2, 3, 4, 5, 6 ,7, 8, 9. Está pronta a pasta: um grande anúncio abrindo – e em seguida um crescendo de qualidade. Naquela bolsinha lateral, você põe os discutíveis e polêmicos. E só os mostra se for necessário ou se houver clima para tanto.
Regra: o que é consenso vem primeiro, o que é discutível e polêmico, só no final. Não fui eu quem inventou isso. Esta é uma regra básica de retórica. Tanto que ninguém começa um discurso com “Sou a favor da pena de morte”. Em geral, começa-se com pontos em que todos concordam, tais como “?? preciso diminuir a violência”. No portfólio é a mesma coisa: só depois de “ganhar” quem está vendo a pasta, é que você pode arriscar e mostrar aquela peça que 9 entre 10 pessoas acham que é delírio. E principalmente aquela peça que é igualzinha a uma outra que está no anuário, mas que você jura ter feito primeiro. Pois só depois de ver vários anúncios bons seus, só depois de estar convencido de que você tem realmente talento, é que existe a chance de que alguém acredite na coincidência. Anúncio chupado no começo da pasta, ainda que involuntariamente, é filme queimado na certa. Aliás, isso merece um parágrafo.
Uma das coisas mais chatas que podem acontecer a quem está começando é o “plágio retroativo”: um belo dia, sai na Veja um anuncio igual ao que você fez faz tempo, mas não saiu. Como você ainda é desconhecido, vão pensar que o SEU é plágio. ?? duro, mas nestes casos, não há muito o que fazer. ?? mais negócio tirar da pasta. Você vai ter que dar tantas explicações que não vale a pena.
Além de todas essas preocupações, não se esqueça de colocar uns 5 ou 6 anúncios indiscutivelmente geniais na pasta. Costuma funcionar.
Pelo dono da agência. Uma agência sempre tem a cara do dono. Os valores e prioridades do dono permeiam toda a estrutura. Assim como também é a identificação com estes valores que atrai clientes e profissionais parecidos. Logo, se você é de criação, vai se sentir muito mais realizado se procurar agências cujo dono seja de criação. Certamente serão agências onde a criação vai ter mais peso e mais voz que, por exemplo, numa agência de mídias. Mas não siga esta regra cegamente. A Talent, uma das agências mais sistematicamente criativas do país, pertence a um profissional de Planejamento (vá lá, ele foi redator em início de carreira). Mas se você tiver a sorte de conseguir um estágio lá, não seja louco de desperdiçar.
As pessoas olham as pastas, mas contratam pessoas. Comporte-se. Se você já está em alguma outra agência, não fale mal das pessoas de lá. Vão adorar ouvir as fofocas, mas não vão confiar em você. Não fique tentando explicar, contextualizar as peças. Deixe o portfólio falar por si próprio. Anúncio que precisa de explicação é, em princípio, anúncio ruim. Além do mais, ninguém consegue ler um texto com alguém do lado matraqueando sem parar. Lembre-se do primeiro e fundamental mandamento. Não seja porfólio-sem-alça. Não seja presunçoso. Provavelmente você ainda não é tão bom quanto pensa. E, ainda que seja, talvez não seja o suficiente. A concorrência hoje em dia, entre estagiários, está assustadora. Um dia surgiu uma vaga numa agência em que eu trabalhava. Pensa que o pessoal veio com idéias rabiscadas em papel almaço? Nada disso. Profissionalíssimos. Lay-outs de computador. Portfólios em CD-ROM. Um dos canditados tinha até filme concorrendo em Cannes. E não levou a vaga. Tenha sorte de ser a pessoa certa na hora certa no lugar certo. Eu não sei onde se compra isso, mas arranje.
Você é que pensa que não conseguiu nada. Conseguiu sim: a esta altura, seu critério já está mais apurado. Depois de passar por um monte de gente, você já descobriu quais são os anúncios realmente bons, quais os meia-boca, etc. O pessoal diverge um pouco, mas o que é muito bom e muito ruim aparecem claramente. Isso vale ouro. Aproveite para ir promovendo ajustes na pasta. O que dá origem a uma subdica: não cole as peças com adesivo muito forte. Colar e descolar vai ser um exercício constante. Cuidado também com as peças xerocadas: elas soltam um pó que gruda no acetato da pasta, estragando o portfolio. Se não der para evitar a xerox, experimente jogar um spray fixador nelas. Não resolve de todo, mas ajuda. Nunca deixe o porfolio no carro: o calor deforma completamente o acetato. E se levarem o veículo, além do seguro não cobrir, ainda existe o risco de o ladrão fazer carreira com as suas idéias. Pensando bem, isso já deve ter acontecido muito.
Uma pasta inteiramente renovada – e, de preferência, levando em consideração todos os conselhos que você recebeu no primeiro périplo que fez – é a melhor desculpa para conseguir uma segunda chance. Pasta igual, sem novidade, nem pensar. Por outro lado, um jeito simpático de se fazer lembrar, sem amolar ninguém, é mandar pelo correio, para pessoas que você já visitou, uma versão xerocada e reduzida do seu portfolio. Com nome, telefone e um bilhete curto. Se pintar uma vaga no futuro, pode ser que se lembrem de você.
Sabe o primeiro e fundamental mandamento do candidato a estagiário? Também é o primeiro e fundamental mandamento do estagiário: não seja mala. O departamento de criação é lugar sem paredes, onde as pessoas têm que conviver entre si 12 horas por dia. Ou seja, inconvenientes incomodam. Publicidade é uma profissão em que as pessoas têm que se expor muito, falar e propor muita bobagem, então elas preferem trabalhar com gente em quem possam confiar. Seja legal. Ou finja que é. Depois que você virar dono de agência, aí pode ficar intragável à vontade. Não defenda excessivamente um trabalho recusado. Gente que se agarra demais a uma idéia é porque deve ter poucas. Confie nos mais experientes. Você pode até ter mais talento que eles. Mas, nesse ponto da sua carreira, eles provavelmente sabem usar o seu talento melhor que você. Não discuta, não argumente demais, não pondere e, sobretudo, não comece frases com “Veja bem”. Se mandarem você refazer, refaça. Por quê? Leia o segundo e fundamental mandamento do estagiário.
Resolva problemas e suba. Crie problemas e suma. O primeiro produto que você vai ter que vender é você mesmo. Seu consumidor, no bom sentido (ou no mau, a vida é sua) é o Diretor de Criação. E você só será um produto útil, desejado e valorizado se resolver problemas para ele. Vamos analisar mais detalhadamente esta criatura: O Diretor de Criação é um ser atormentado com pressões de todos os lados. A diretoria pressiona por faturamento, o atendimento pressiona por prazos, o cliente pressiona por custos e, às vezes, por uma visão criativa própria. A equipe de criação pressiona pela aprovação daquela campanha que vai dar prêmio. Isso sem contar a pressão que ele sofre do próprio ego, por estar cada vez mais envolvido com atividades executivas e menos com Criação. Diariamente, toda sorte de pepinos aterrissam na mesa dele, travestidos de “Pedidos de Criação”. Alguns desses pepinos ele vai repassar para você. Se você souber descascá-los com competência, rapidez e, ainda por cima, com brilho, você terá no Diretor de Criação um homem eternamente grato. A simples idéia de perder você para outra agência vai tirar o sono dele. Por outro lado, se em vez de levar soluções, você for um pepino ambulante, você não serve. Se o diretor de criação tiver que perder mais tempo com você do que perderia fazendo ele mesmo o trabalho, você é apenas um estorvo. Tema pelas sextas-feiras, dia em que tradicionalmente as agências se livram dos chatos. Quanto mais rápido e talentoso for o Diretor de Criação, mais cuidado você vai ter que tomar com o precioso tempo dele. Se ele resolve com um pé nas costas aquilo que você enrola uma semana, o próximo pé dele pode ser nas suas costas. Acredito que essa dica vale para a vida inteira, não importa se você é estagiário, junior, senior ou seja lá o que for.
Principalmente, seja humilde. A arrogância inibe opiniões sinceras. Você vai receber respostas diferentes se perguntar “o que você acha deste título?” no lugar de “não é genial este título?”
Os anuários do Clube de Criação de São Paulo são o registro daquilo que a propaganda brasileira produziu de melhor nos últimos anos. Leia, releia, decore cada um deles. Ajuda muito, em pelo menos três aspectos: a) você aprende, sem perceber, como dar forma às idéias. O estagiário de talento é alguém que já tem boas idéias, mas se perde na formulação. Os anuários são um prato cheio delas. Algumas, de tão gastas e repetidas, já viraram fórmulas,truques. Mas sempre ajudam.
Vire-se para arranjar. Mas o ideal é que você já tenha, e bastante. Porque depois de entrar numa agência competitiva você não vai ter, infelizmente, muito tempo para ir a cinema, ler, viajar etc. Então, é indispensável que você já tenha acumulado uma boa cultura geral, seja através de vivência, seja através de livros, etc. Imagine que você é uma bateria. A cultura é sua carga, carregada a vida inteira. O processo de criação exige que você gaste esta carga ??? e sem muito tempo para recargas. Se você é uma bateria fina, vai se esgotar logo. Tomara que você e seus pais tenham investido na sua educação. Senão, esqueça. Vá ser Dee-Jay.
Se você já se perguntou algum dia para que serve a famosa cultura inútil, eu respondo: para fazer propaganda. ?? impressionante o que isso rende. Um dia, li uma notinha sobre um homem que criava um leão no quintal e que esse leão havia sido roubado. Virou texto de anúncio de seguradora: “Se os assaltantes não têm medo nem de leão, você acha que um cão de guarda vai defender seu patrimônio? Faça um seguro etc” E por aí vai. Fatos dão sabor e consistência a qualquer argumentação. E propaganda, lembre-se, é argumentação embrulhada para presente.
É verdade. Desculpe não ter avisado antes. E quer ouvir outra má notícia? Apesar da Criação ser a área mais desejada e procurada, entrar em Atendimento é mais difícil ainda. Por quê? Porque não existem parâmetros objetivos para avaliar o talento do iniciante nessa área. Querendo Criação, você faz um portfólio e mostra. Mas, querendo Atendimento, vai mostrar o quê? Sua habilidade em dar nós Windsor na gravata? Acho que a seleção de estagiários em Atendimento acaba sendo meio na base do feeling, da química. Resta a você tentar uma entrevista com alguém da área, dizer que os deslumbradinhos adoram criação, mas você que é sensato gosta mesmo é de Atendimento ??? e torcer para irem com a sua cara. ?? difícil e imprevisível. Mas, pensando bem, essa dificuldade inicial é justa: afinal, para você que um dia vai estar convencendo clientes a aprovar campanhas que custam milhões de dólares, convencer alguém a comprar um estagiário bom e baratinho vai ser moleza. Boa sorte. E antes que você fique com a impressão de que tratei o seu problema com descaso, quero dizer que acho Atendimento tão ou mais importante que Criação numa agência que pretenda ser criativa. Porque uma agência não é percebida como criativa pela qualidade daquilo que ela consegue criar, mas sim pela qualidade daquilo que ela consegue aprovar e veicular. Idéia boa, recusada, não vale nada. Por isso, toda agência boa de criação é, antes de tudo, boa de aprovação. Vou torcer para você se tornar um grande profissional de atendimento, porque nós da Criação precisamos muito dessa turma.
Não faça tráfico de informações. Não comente fora da agência nada que você ou um colega criou e que ainda não foi veiculado. Isso é propriedade da agência e do cliente. Nada de conversinhas de bar do tipo: “vocês não imaginam o puta anúncio que eu fiz hoje”. Bico calado até o anúncio sair. Aí, pode fazer quanto lobby quiser. Alguns estagiários tentam compensar o pouco status inicial com o tráfico de informações. “Faço estágio na agência tal e fulano que trabalha lá disse o seguinte”. Alta traição. Um inocente comentário fora da agência pode colocar campanhas a perder, prejudicar os clientes, concorrências e prospects. Além do fato de que os ouvintes, embora possam se aproveitar da informação recebida, vão pensar duas vezes antes de contratar um boquirroto como você. Propaganda é uma indústria e não está imune à espionagem industrial. Não facilite.
Talvez eu esteja sendo muito ingênuo ou distraído, mas não conheço muitos profissionais que façam uso delas. O ambiente das agências hoje em dia é predominantemente careta. Até o cigarro está diminuindo. O volume atual de trabalho exige produtividade, profissionalismo, atletismo intelectual. Chegar, ligar o computador e trabalhar. Muito, num ritmo forte que a droga, em que pese uma ou outra suposta “iluminada”, acaba prejudicando. A grande droga consumida nas agências hoje em dia é a pizza para viagem.
Ter um texto enxuto é bom. Mas nunca nas fichas técnicas. Se você foi ajudado, reconheça e registre. Você é pequenininho demais para fazer inimigos. Por incrível que possa parecer, sua sobrevivência vai depender mais da sua reputação que da sua pasta. Já vi pessoas perdendo a chance de conseguir emprego porque alguém na criação levantou uma sobrancelha, ironicamente, quando o nome do candidato foi citado. Nenhuma pasta, por melhor que seja, sobrevive a um “Esse cara aí é bom. Mas”. Existe uma teoria do Bill Bernbach, citadíssima, mas que sempre vale a pena relembrar. Dizia o mestre: “Se vejo uma pasta medíocre de um bom sujeito, gasto horas com ele, explico que não vai ser possível, lamento profundamente. Mas se vejo uma pasta brilhante de um mau-caráter, despacho o canalha a pontapés. A vida é curta demais para perdermos tempo com filhos da puta”.
Carreiras são como aviões: você precisa de mais força na decolagem do que para se manter nas alturas. Ou seja, esteja preparado para ralar muito nos primeiros anos.
Não mude de agência pelo dinheiro. Só pense no fator dinheiro depois que estiver convencido de que a mudança, por si só, já vale a pena. E aí sim, negocie o melhor salário que puder. Mais vale um estágio não-remunerado em agência boa do que emprego em agência média. O autor da frase “o dinheiro não é tudo” provavelmente era um estagiário esperto. Recebendo uma proposta, não blefe, não faça chantagens, cabos-de-guerra ou joguinhos espertos com a agência. Verdade que com uma proposta na mão você tem um trunfo – mas nos outros 364 dias do ano você não tem. Não costuma ser bom negócio colocar um diretor de criação contra a parede. E, se o seu ego permitir, não divulgue por aí as propostas que você recusou. Por educação, nada mais. Você também não iria gostar se alguém saísse espalhando que não quis nada com você. Resumindo todo esse papo de escoteiro: em propaganda você tem que ser esperto. Nunca espertinho ou espertalhão.
Você acha que a agência vai dar a campanha mais importante de um cliente grande para um desconhecido qualquer? Ainda que eles fossem loucos para fazer isso, seria um desrespeito para com os clientes. Seus jobs irão ganhando complexidade e importância à medida que você for inspirando confiança. E tem mais: o que parece um osso muitas vezes é um filé. E um filé muitas vezes é um osso. Depende do seu talento. Qualquer boteco faz filé ao molho madeira. Mas poucos fazem um ossobuco como o Il Fornaio d’Itália (mais uma vez, não estou ganhando nada por este merchandising. Mas quem sabe assim o Vito me serve uma porção mais caprichada).
Os médicos levam uma vida muito mais dura que você. Eles estudam seis anos, depois mais dois de especialização. No começo, só podem ficar assistindo às cirurgias de médicos mais experientes, sem fazer nada. Depois, passam a colaborar nas cirurgias dos outros, sem nenhum crédito. Depois, passam a operar, mas vigiados de perto. E só depois disso, muitos e muitos anos depois, é que ficam sozinhos diante de um pâncreas. Tudo isso por um salário menor do que aquele que você estará ganhando em breve, se tiver talento. E com muito mais plantões.
Todo job é osso, chato, difícil e complicado – até você ter uma boa ideia. Aí ele fica legal.
Eugênio Mohallem nasceu em Itajubá, MG. Antes de se tornar sócio e diretor de criação da Fallon PMA, trabalhou em agências como DM9, Talent e Almap BBDO ??? onde, por quatro anos, dividiu a direção de criação com Marcello Serpa. ?? um dos redatores mais premiados de toda a história do Anuário do Clube de Criação de São Paulo, com mais de 330 peças premiadas. Dentre elas, campanhas para as sandálias Havaianas, Audi, Volkswagen, Samsung, Bayer, Apple, Mizuno, Veja, Pepsi, Folha de São Paulo, Uol, Bol, Semp Toshiba, Estadão, Notícias Populares, Sharp, Itaú Seguros, Valisère e muitos outros.Profissional de Criação do Ano 2000 segundo a APP é um dos poucos criadores a ter recebido por duas vezes o disputado Prêmio Caboré ??? Profissional de Criação do Ano, dado pela Revista Meio & Mensagem. Já ganhou 9 Leões no Festival de Cannes, incluindo o Leão de Ouro “Double Check”, para Volkswagen, 4 Profissionais do Ano da Rede Globo, Prêmio Abril, além de diversas premiações no Fiap, Art Directors, One Show, Londres, Clio e outros. O manual foi escrito em 1997 por sugestão de José Carlos Lollo.