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Como a Nespresso se tornou um ícone sem nunca ter vendido café
06 de Julho de 2015

Como a Nespresso se tornou um ícone sem nunca ter vendido café

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É possível gerar diferenciação a partir de valores intangíveis?

Café. Este grão categoriza-se como uma commodity. Será possível criar diferenciação neste segmento? A Nespresso, desde 1993, vem demonstrando que sim.

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Muito mais do que café, a Nespresso vende “uma experiência única”, é assim que a empresa define seu negócio. As promessas da marca giram em torno da experiência: – “Nespresso traz uma nova dimensão ao mundo do café”. – “Nespresso é um estilo de vida e uma arte de viver”. – “Nespresso é uma experiência única que alia perfeição, prazer, simplicidade e estética.”

Nespresso é uma subsidiária da Nesté. Sua estratégia foi vender café diretamente para o consumidor final (B2C). Lançou suas operações inicialmente na França e na Suiça, sem nenhum suporte de propaganda, voltada para um nicho preciso de formadores de opinião. Suas pesquisas identificaram potencial para o segmento premium de luxo e, assim, boutiques de luxo em endereços nobres das cidades foram abertas, apoiadas por um e-commerce com forte expressão de códigos de luxo.

A Nespresso é hoje uma marca icônica. Seu “monopólio”, “Experiência única de luxo”, é difícil de ser desafiado ou copiado.

“O que diferencia a marca Nespresso no mercado são suas promessas de valor, sua experiência única de luxo. A marca diz que sua revolução não é sobre café, mas sobre a experiência do café.”

O produto café tem a ver com a razão, a experiência café atinge o emocional e é muito mais poderosa. O produto café se refere a coisas. A experiência café se refere a gente, e esta deve ser a prioridade.

As marcas, o conhecimento corporativo, a sustentabilidade, a rede de relacionamentos, o capital intelectual são todos ativos de natureza intangível, que garantem diferenciação, venda e margem das empresas.

Não precisamos de bola de cristal para prever que, em um futuro próximo, haverá excesso de empresas empregando pessoas com qualificações semelhantes, oferecendo produtos e serviços semelhantes, com qualidade e preços semelhantes, onde todos estarão competindo. Como consumidores, ok, gostamos de ter liberdade de escolha e ficamos cada vez mais exigentes. Afinal, quando o consumidor tem escolha, é ele que manda.

Como empreendedores, entretanto, não vai ser moleza. Não será nada trivial criar vantagens competitivas sustentáveis em um ambiente com tanto dinamismo e opções. Dentro deste ambiente extremamente ofertado, a diferenciação em relação aos concorrentes e o conhecimento do consumidor não será apenas um desejo das empresas mas uma necessidade para garantir sua sobrevivência.

Ativos intangíveis

De maneira evolutiva, os diferenciais competitivos das empresas estão em seus valores intangíveis. O conjunto deles é o que garante a diferenciação competitiva das empresas, que impulsiona os seus negócios e que permite que alcancem altas margens.

O planejamento estratégico de médio e longo prazo da companhia deve se fixar na marca, no conhecimento corporativo, na sustentabilidade, na rede de relacionamentos, no capital intelectual… ou seja, em ativos de natureza intangível. Serão estes os indutores que vão, com maior probabilidade de sucesso, habilitar a empresa para ser percebida como original e única por seus clientes – um desejado “monopólio”.

As empresas costumam medir seu desempenho baseadas em indicadores financeiros e medidas quantitativas. Tais critérios não são mais suficientes: o novo ambiente exige que as empresas adquiram a capacidade de gerir rotineiramente aquilo que representa sua vantagem competitiva.

Escolhas

Estratégia tem a ver com escolhas, um território em que a empresa procura ser única. A essência da estratégia consiste em fixar limites para aquilo que se deseja fazer. É impossível ser tudo para todos e, em um ambiente muito ofertado, é melhor identificar os nichos do mercado.

A empresa precisa desenvolver um profundo conhecimento sobre quem escolheu ser (genuinamente) e desta forma, sem desvios, desenvolver um profundo conhecimento sobre seus clientes, o ambiente competitivo e suas realidades econômicas.

O objetivo correto da estratégia é a lucratividade maior. Ela se refere ao significado essencial que estamos tentando passar para o cliente e o tipo de cliente que desejamos atingir.

Clientes

A empresa define seus clientes se manifestando de forma coerente com o que escolheu ser, seus valores intangíveis, ética, estética. Quando bem executado, vai transmitir a identidade desejada e atrair o público que lhe interessa facilitando bastante a criação de valor sustentável, por já  existir identificação e empatia.

“Para ser autêntico de verdade, temos que ter a capacidade de nos colocar no lugar do cliente. O cliente que nos interessa.”

Devemos buscar empatia antes de conhecer sua motivação: isso é importante.

Cliente e consumidor são diferentes na essência. Consumidor representa um personagem indefinido, uma estatística, representa um sem número de indivíduos indistintos que consomem bens por seu valor prático ou econômico. O cliente, entretanto, é um personagem definido, com personalidade distinta, com estilo seletivo e particular, que tem uma relação emocional frente às criações da empresa.

Os clientes não compram produtos apenas pelo seu valor prático ou econômico, eles demonstram compreender o valores intangíveis e o significado daqueles bens em suas vidas. Além disso, eles percebem que tais produtos ajudam a defini-los da maneira como desejam ser entendidos pela sociedade.

A maioria das pessoas no mundo dos negócios está olhando as coisas analiticamente, levantando números e fazendo planilhas. Ao invés de se perguntar qual é a experiência real, costumam pensar de um ponto de vista logístico operacional. Hoje em dia, é difícil vencer confiando apenas na dominância dos sistemas clássicos de distribuição; devemos focar na apresentação da marca com forte conteúdo emocional.

Outro exemplo:

Camisas, calças, bermudas também são commodities. Como conseguir ser visto como único, no segmento de roupas? A Richards vem fazendo isso há 40 anos.

Em 1974, resolvi abrir em Ipanema uma boutique masculina. Eu queria que ela fosse completamente diferente das lojas existentes. Na época, ao meu ver, as lojas existentes eram sem alma, atendidas por profissionais com os quais eu não me identificava e que apenas queriam transformar os produtos (dobrados, alfinetados embalados em sacos plásticos) em dinheiro. As lojas eram mal iluminadas e, para não correrem risco, ofereciam produtos básicos, sem apelo, que seriam vendidos em algum momento, mesmo que demorasse. Eles só queriam vender.

Resolvi fazer algo diferente, completamente associado ao estilo de vida que eu valorizava: um estilo de vida informal, porém elegante e verdadeiro. Eu queria oferecer valor de verdade e emoção.

“Fundamentalmente, sabia que não tinha o poder de vender nada, que os clientes é que tinham o poder de comprar.”

Percebi logo que deveria entender muito mais de gente do que de coisas. Tendo esta premissa em mente, decidi fazer das lojas um oásis, espaços para fazer uma pausa, escutar música e refletir sobre questões pessoais diante de roupas fantásticas penduradas informalmente, como nos antigos armazéns. O objetivo era afastar as pessoas da correria do dia a dia.

Queria misturar roupa e romance e fazer isso com estilo e bom gosto; vender emoção, e não qualidades objetivas focadas em roupas. Achava que as pessoas não se impressionariam muito com os benefícios isolados oferecidos por produtos, que fariam escolhas baseadas em produtos que combinassem com seu estilo de vida e que representasse uma experiência desejável.

Tudo aquilo deu certo. As pessoas bem sucedidas demandavam bens de experiência, nos tornamos diferentes, realmente um oasis no mercado cada vez mais saturado, oferecendo produtos e serviços ricos em emoções. Acredito que o fator essencial de longevidade da marca seja seu foco nos clientes, no seu pessoal e em parceiros comerciais, que são poucos.

A Richards se define como “Uma deliciosa experiência carioca, tropical, aventureira e elegante de se levar a vida”. Seu mantra é “sabor de férias no cotidiano”. Sua missão, “oferecer um estilo inconfundível de se levar a vida, despertando e inspirando pessoas a buscarem mais prazer no cotidiano”. E vem funcionando. Ficamos conhecidos no Rio de Janeiro, São Paulo, em todas as capitais e mais dezenas de cidades do país, apenas pelo boca a boca. Nunca investimos muito em publicidade; ao invés disso, investimos em nosso pessoal e nossas lojas.

A publicidade pode ajudar a construir marcas, mas a autenticidade é o que as faz durar. Quando as pessoas (seu pessoal e clientes) acreditam compartilhar valores com a empresa, permanecem leais a ela.

A melhor forma da Richards (ou qualquer outra empresa) ter sorte é construí-la por ela mesma. Isto exige o conhecimento do que faz o negócio ter êxito. O maior desafio é se mater relevante e vibrante, consistente e íntegro.

Os valores intangíveis de uma empresa em nossa indústria vêm da qualidade da experiência oferecida. Esta experiência é holística, completa, abrangente, transformadora e, acima de tudo, emocional.

Os ativos intangíveis e intelectuais estão relacionados às vantagens competitivas das empresas. São eles que viabilizam retornos excepcionais e, quanto maior for a parcela destes ativos na empresa, maior a geração de valor aos seus acionistas.

 

Por Ricardo Ferreira, sócio-fundador da Richards, da qual esteve à frente de 1974 a 2011. Atualmente, é membro do conselho de administração da InBrands (onde também é sócio), da BrMalls, e membro do conselho consultivo da Star Think Uniforms.

 

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