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Parte 2 da Entrevista com Mário Motta, comunicador do Grupo RBS em Santa Catarina
23 de Setembro de 2013

Parte 2 da Entrevista com Mário Motta, comunicador do Grupo RBS em Santa Catarina

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A primeira parte desta entrevista, publicada na última sexta-feira, dia 20 de setembro, você acessa aqui

Nasce o jornalista

Ping – Vamos para Santa Catarina, foi em Lages que você começou no Jornalismo?

Mário Motta – Eu estava muito bem em Tupã. Trabalhava na rádio e tinha uma facilidade muito grande de comunicação na cidade. Todos me conheciam não só porque trabalhava em rádio, mas porque era o marinho do circo do Motinha, que já tinha passado na cidade.

 

Ping – Você apresentava um programa no rádio? Fazia o quê?

Mário Motta – Eu fazia de tudo. Comecei lá com 13 pra 14 anos e era o officeboy do microfone. Na medida em que fui pegando experiência, eu passei a ter um programa de esportes, um programa musical, chamava-se MMBom.

Mas no final de 1974 resolvi vir à Santa Catarina passear e acabei conhecendo Lages. Fomos muito bem recebidos no planalto serrano e na época, a cidade de Lages tinha 120 mil habitantes, quatro emissoras de rádio e dois jornais. Quando eu soube disso, tanto eu, quanto um outro amigo que também trabalhava em rádio, pensamos: de fome aqui nós não vamos morrer. Se não conseguirmos aulas como professores, tem várias rádio aqui.

 

Ping – E onde foi que você começou a atuar na imprensa?

Mário Motta – Aqui em Santa Catarina, comecei na Rádio Princesa. Havia conseguido aulas no Centro Educacional Vidal Ramos Jr. Como Professor e no dia seguinte também já estava empregado na Rádio Princesa pelo Carlos Henrique Marc Fiuza. Como ainda não havia muito material humano e eu já tinha uns dez anos de experiência em rádio, aliás, já tinha até o próprio Registro Profissional como Radialista do Ministério do Trabalho.

 

Ping – E quais foram os teus primeiros trabalhos na rádio Princesa de Lages, que era uma rádio pequena. Que jornalismo era esse?

Mário Motta – Eu comecei na área de esportes. Mas, nessa época, não era uma rádio pequena. Era uma das maiores emissoras e de maior alcance em Santa Catarina.

 

Ping – E qual a sua atividade nela?

Mário Motta – Repórter esportivo. O narrador era o Sandro Santos, o homem da moça branca; o Quirino Ribeiro era o comentarista realmente técnico; o Rogério Ramos era o repórter objetivo e eu era o repórter descontraído. Eram esses os nossos slogans.

Nessa época, eu também escrevia uma coluna no Correio Lageano, sobre futebol.

Trabalhei um ano na Princesa. E fui convidado a trabalhar na Rádio Clube. Com a morte do seu fundador Carlos Jofre do Amaral, seu filho Roberto Amaral deixou a Telesc onde era Engenheiro e assumiu os negócios da família. A família Amaral (que hoje mantém o SBT/SC) já tinha planos de montar uma televisão em Lages.

 

Ping – E na Rádio Clube, o que você fazia?

Mário Motta – Fui para a Rádio Clube, nesse período, ainda para trabalhar com esportes. Depois, recebi um convite para trabalhar em Florianópolis na área pedagógica de educação física na Secretaria de Educação. Mas essa experiência acabou não dando certo e como eu já havia deixado Lages, resolvi que não retornaria para a Serra. Como alternativa, eu tinha acabado de passar em concurso para o magistério público em São Paulo e fui chamado para assumir uma vaga num colégio da rede pública como professor. E decidi voltar para São Paulo.

Meus pais já haviam retornado a Santo André. Como tinham uma casa própria por lá, entenderam melhor voltar para a capital. Quanto retornei à Santo André, já havia casado com a Glorinha (que também é de Tupã e formou-se na mesma turma que eu em Educação Física). Nesse retorno, além de me efetivar como professor de educação física num pequeno colégio em Mauá (município que faz divisa com Santo André), também acompanhei um amigo chamado Valdir Ferreira Martins e fui treinar o time Masculino de Voleibol do Clube de Regatas Tietê, na Ponte Grande em São Paulo.

 

Ping – Estacionou os trabalhos no jornalismo?

Mário Motta – Não. Cheguei e há um mês na cidade, assistindo alguns programas de televisão, e eu dizia, mas não é possível, esse pessoal é muito ruim, com todo o respeito! Ou melhor, eu não sou pior do que eles. Não é possível. Eu não vou ficar fora do meio, de forma alguma. Então procurei a primeira emissora que me deu na cabeça. Era a rádio Emissora ABC de Santo André, que transmitia o campeonato da divisão intermediária de São Paulo. O Santo André estava tentando subir para a divisão especial. Nesse ano, o time conseguiu o acesso, com o Sebastião Lapola de técnico.

Aí me disseram que a equipe era pequena e que não tinha salário, mas eu não estava interessado em salário, o que eu queria era não ficar fora do meio

Procurei a emissora e falei: “Sou repórter esportivo e quero trabalhar”. Aí me disseram que a equipe era pequena e que não tinha salário fixo, etc. Eu não estava interessado em salário, o que eu queria era não ficar fora do meio. Aí me deixaram fazer um teste. O Santo André tinha um amistoso em Rio Claro e eu fui como repórter. Mas o comentarista titular da equipe não chegou a tempo para a jornada e me pediram para “quebrar o galho”. Naquela época, eu já estava fazendo o Curso Técnico de Futebol e além do conhecimento técnico e tático, tinha também o linguajar muito mais adequado. O intervalo do jogo naquela época não era como hoje em que as emissoras preparam uma série de participações. Naquela época o comentarista segurava sozinho os 20 minutos de intervalo. Quando terminei o comentário, o narrador me perguntou se eu achava que era melhor repórter do que comentarista. Respondi que sim e ele me disse: “Desculpe-me, mas não acho que seja possível. E você vai ser nosso Comentarista Ponto final. No fim, passei a ser comentarista da Rádio Emissora ABC e assim não me afastei da área esportiva e da Comunicação, que tanto amava.

Permaneci um ano em Santo André, quando o pessoal da rádio Piratininga, onde eu havia começado lá no interior, me convidou para voltar à terra e assumir a direção artística da emissora, era uma espécie de gerente da rádio. Aceitei, pedi afastamento sem vencimentos do meu cargo de efetivo como Professor, pedi demissão do Clube de Regatas Tietê e voltei para Tupã para dirigir a rádio Piratininga, onde eu havia começado em 1964. É verdade que o estado de saúde de meu sogro (Jornalista Aleixo Correa Neto) que continuava morando em Tupã, foi um motivo importante e quase decisivo para que eu decidisse pela volta. Ele veio a falecer seis meses depois. Fiquei até a metade de 1980 em Tupã.

Os amigos de Lages também não se conformavam de eu ter saído de lá para ir para Florianópolis e de repente ter aparecido em Tupã novamente. E me cobravam para voltar ao Planalto Serrano onde deixara muitos amigos. Modéstia à parte, organizei uma estrutura que não existia em Lages na área de Educação Física e por isso deixei saudades. Eu também tinha deixado muitos amigos na área de comunicação, porque na época da rádio Princesa, eu viajei o estado inteiro e depois na Rádio Clube, embora por pouco tempo consolidei esses relacionamentos. Nessa época, embora tivesse morado apenas dois anos no estado, eu já podia dizer que conhecia Santa Catarina. Mas, fiquei indeciso quanto a retornar, pois não podia me aventurar de novo em Santa Catarina uma vez que ainda mantinha meu cargo de Professor Efetivo no Estado de São Paulo (eu apenas havia pedido um afastamento sem vencimentos e poderia reassumir meu cargo em Mauá há qualquer tempo). Então, disse aos amigos de Lages que só voltaria se saísse um Concurso Público para Professores em Santa Catarina e se eu passasse teria as mesmas condições de segurança que já tinha em São Paulo.

 

Ping – E saiu?

Mário Motta – Saiu. E eu recebi em Tupã, num envelope, as duas inscrições, a minha e a da minha mulher. Não tivemos alternativa. Minha mulher estava grávida, não queria vir até por que iríamos deixar a mãe dela viúva recente sozinha em Tupã. Então eu falei: vamos lá, a gente presta o concurso e se passarmos a gente decide o que fazer depois. Para encurtar a história, passamos os dois. Escolhemos Lages. Eu pedi demissão da Rádio Piratininga, pedi demissão do meu cargo público junto ao Magistério Público paulista e voltei a Lages para trabalhar na Unidade Coordenação Regional de Educação que hoje responde pelo nome de Gerei – Gerências Regionais de Educação.

Em paralelo a isso, o Quirino Ribeiro, com quem eu tinha trabalhado na Rádio Princesa e que também havia se transferido comigo para a Rádio Clube a convite do Roberto Amaral lá em 1975, era agora gerente comercial da Rádio Clube e me convidou a trabalhar lá. Paralelo a isso, o Roberto Amaral tinha conseguido instalar a TV Planalto, que era o projeto de vida do pai dele. Carlos Jofre do Amaral tinha a concessão de uma emissora de TV para Lages válida por 10 anos e como esse prazo estava se esgotando, Roberto Amaral decidiu fazer uma parceria com a Perdigão, na época dirigida pela família Brandalise e cuja matriz era em Videira. Saul Brandalise Junior, hoje dono da Rede Barriga Verde, motivado pela iniciativa tornou-se o mentor da área de Comunicação da Perdidão Mas, por mais bem montada tecnicamente, ainda não havia estrutura nacional para manter a programação. A idéia de uma “rede nacional” ainda era incipiente e por esse motivo, tínhamos que produzir aproximadamente 10 horas de programação diária a partir de Lages.

Eu cheguei justo nesse momento. Eu me considero privilegiado por dois aspectos. Primeiro porque comecei numa emissora relativamente pequena, que era a Rádio Piratininga, mas que me propiciou aprender de tudo. Eu cheguei a transmitir um campeonato brasileiro de beisebol no rádio.

Quando eu voltei, fui trabalhar com o Quirino na área de marketing, mas daí eu já me meti na programação da Rádio Clube, e em pouco tempo o Dr. Roberto Amaral me disse que eu não podia ficar no marketing. Quando eu percebi, eu estava apresentando um programa noticioso, O grande Jornal Falado Rádio Clube de Lages, e eu comecei a dar pitacos.

“O Roberto, por que se chama Grande Jornal Falado Rádio Clube de Lages?”

“Porque meu pai, há 50 anos, quando montou a Rádio Clube pôs esse nome.”

“Tá roberto, mas você vai na rua ali, pergunta, você ouviu essa notícia aonde? Aonde é que as pessoas te dizem?”

“Ah ouvi no Jornal da Clube.”

“Então por que Grande Jornal Falado da Rádio Clube de Lages? Vamos botar o nome de Jornal da Clube”

“não mas”…

Aquela dificuldade… “Tá bom Roberto, deixa eu colocar uma abertura diferente?”

Começa com a música de Honras Coroadas, uma gravação antiga da Banda dos Fuzileiros Navais do Rio de Janeiro, que parecia que era o mesmo disco de quando fundaram a rádio, Está no ar, o Grande Jornal Falado Rádio Clube de Lages um negócio pesado, mas não tinha como, era tradição da Rádio Clube, a família sentia orgulho e a maioria da população de Lages também.

Mas tinha que evoluir, se ele quisesse brigar com as outras emissoras. A rádio estava em terceiro lugar na audiência, tinha quatro emissoras só na cidade. Então bolamos uma nova abertura, com uma gravação moderna da música de Honras Coroadas, e criei um texto assim: Há mais de 30 anos esse som significa notícia, os tempos mudaram, mas a Clube mantém viva a tradição de bem informar. No ar, Jornal da Clube. Em pouco tempo, a Rádio Clube foi para o primeiro lugar de audiência. E logo em seguida, saiu a televisão. Eles começaram a trazer a televisão, e eu não mexia com a TV ainda.

 

Ping – Mas entrou para a televisão e foi fazer esporte?

Mário Motta – Fui fazer esporte. A TV Planalto não tinha programação nacional em rede ainda. Ela foi fazer TV em rede com a TVS, do Silvio Santos, quase um ano depois. Mas, durante esse início tínhamos que inventar programas variados para uma cidade como Lages e região. Um único programa era fruto de uma espécie de rede regional, via Embratel com a TV Guaíba de Porto Alegre e se chamava Guaíba ao vivo. Dentro dele, uma série de comentaristas em quadros fixos – como Lauro Quadros, Armindo Ranzolin, Eduardo Streeck, Lazier Martins enfim… E havia um quadro denominado EsporteVisão. Durante 20 minutos, um apresentador chamava as notícias e um comentarista dava sua breve opinião sobre elas. E um dia, na ausência do comentarista titular – Eugênio Martins Teixeira, como eu era formado em Educação Física e trazia alguns cursos técnicos na bagagem, fui chamado para substituí-lo.

 

Minha experiência com câmera tinha sido lá atrás, com sete anos de idade. Mas eu aceitei. Entrei e comentei. O conteúdo foi perfeito. Mas, como era gravado, ao assistir à noite percebi que eu piscava doidamente enquanto falava. Risos e mais risos. No dia seguinte, jurei que isso não iria acontecer novamente. E não aconteceu mesmo. No segundo dia eu arregalei e endureci de tal forma os olhos que não pisquei. Nenhuma vez. Risos e mais risos de novo. Então percebi que talvez o grande “segredo” da comunicação televisiva seja você imaginar que está conversando mesmo com as câmeras, como se falasse para alguém que está ali, dentro delas. Jurei que nunca mais iria me preocupar com nada além disso. Daquele dia até hoje, é assim que eu atuo.

 

Ping – Vamos falar um pouco mais dos trabalhos na Rádio Clube, que eu acredito que tenha sido o lugar onde você praticou, pela primeira vez, um jornalismo mais social, no programa A Hora da Corneta?

Mário Motta – A Hora da Corneta foi trazida da Rádio Piratininga de Tupã. A gente já fazia isso lá. Tinha um quadro inclusive com esse nome. A única diferença, é que algo semelhante nunca tinha sido feito em Lages. No interior de São Paulo, esse tipo de quadro era mais comum.

Quando cheguei em Lages, percebi uma certa acomodação do radiojornalismo, quase como uma subserviência. Como eu havia recém chegado, sem comprometimentos outros ou relacionamentos consolidados, comecei a fazer um jornalismo absolutamente isento, tratando com respeito, mas cobrando o que entendia justo e correto. E recebi todo o apoio por parte do Roberto Amaral e seus diretores. No início, essa postura certamente assustou alguns políticos e outras pessoas. Mas aos poucos eles começaram a perceber que era uma cobrança absolutamente estruturada em argumentos convincentes e feita de forma inteiramente isenta. Talvez não fosse imparcial, até porque não se deve esperar imparcialidade no jornalismo. Você tem que cobrar isenção e a isenção é justamente isso. Se eu tenho que fazer uma cobrança, não importa quem seja, desde que ela seja justa. E eu comecei a agir assim. E mais: eu comecei a tentar antecipar as soluções, antes de colocar no ar a reclamação. Eu comecei a fazer o meio-campo entre o problema e a solução, sem qualquer outra intenção que não a de resolvê-los o mais rapidamente possível.

Na próxima 4a feira, 25/09, você terá aqui a terceira e penúltima parte desta ampla entrevista  produzida por Nícolas David – graduando do curso de jornalismo da Unisul e criador do personagem Repórter Ping-Pong que entrevista profissionais da imprensa.