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Coluna Lígia Fascioni | Será mesmo que o ócio é motivação para criar?
25 de Maio de 2016

Coluna Lígia Fascioni | Será mesmo que o ócio é motivação para criar?

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Há alguns anos, o pesquisador Carel van Schaik, especialista em primatas, fez uma escada de corda para pendurar seus instrumentos de medição numa das árvores em uma floresta na Sumatra. Os macacos que frequentavam o local simplesmente ignoraram. Na época, ele não pensou muito a respeito, mas depois, em outras pesquisas e vendo como os macacos costumavam ser inteligentes e curiosos, ficou intrigado com o caso. Como assim os orangotangos sequer prestaram atenção aqueles objetos totalmente inéditos para eles?

O jornal Die Zeit, que publicou Muße küsst Affe (Ócio beija macaco), conta que Schaik ficou surpreso com a resposta que encontrou para o enigma:  o ócio (sim, aquele mesmo de que falava o italiano Domenico de Masi). Quanto estão no habitat natural, os orangotangos estão preocupados em construir abrigos, escapar de predadores e conseguir comida. Eles não têm tempo para pensar, brincar ou ficar imaginando coisas. Toda energia é focada na sobrevivência. Novidades, inclusive, são vistas como ameaças (melhor não se aproximar de objetos estranhos).

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Schaik repetiu a experiência, dessa vez com flores e frutas de plástico, além de bichos de pelúcia, nas florestas indonésias de Bornéu e Sumatra. Mesmo resultado; os macacos nem ao menos tomaram conhecimento. Mas quando colocou os mesmos objetos à disposição dos orangotangos em zoológicos de Zurique e Frankfurt, precisou de apenas alguns segundos para despertar a curiosidade dos bichos. Os brinquedos foram desmontados, separados em partes e cuidadosamente analisados.

A pergunta estava posta: será que os animais do zoológicos são mais curiosos e criativos, ou apenas mais entediados?

Para o pesquisador, as duas coisas são compatíveis. O tédio pode ser um forte fator para o desenvolvimento da criatividade. Para ele, pensar em arte, filosofia e até ciência, só é possível depois que as necessidades básicas já tiverem sido atendidas (faz sentido, se a gente se lembrar da pirâmide de Maslow). Os animais, num bom zoológico, se estão em um ambiente confortável e conhecido, podem gastar seu tempo brincando, aprendendo e pensando; o exato oposto de quem precisa lutar pela sobrevivência.

A ideia de zoológicos me incomoda bastante, principalmente quando os enjaulados são macacos. Mas a conclusão da pesquisa não deixa de ser interessante.

Não dá para pedir para uma pessoa que leva quatro horas indo e voltando do trabalho e mais oito cumprindo a jornada, além das tarefas domésticas e outras obrigações, que ainda por cima tenha grandes ideias. Ela realmente não tem cabeça para isso; está concentrada em sobreviver e encontrar um meio de pagar as contas. Quando uma população está exausta tentando obter o básico da sobrevivência, fica muito difícil se concentrar em ideias mais complexas, em ampliar o repertório, em aprender coisas diferentes.

Mas aí fiquei pensando que a falta e a necessidade de sobrevivência também provocam a busca de soluções criativas para problemas cotidianos; os livros, jornais e portais de internet estão cheios de casos assim, o que, de certa maneira, confronta os resultados da pesquisa com os orangotangos.

Não sei, mas talvez a curiosidade e a criatividade sofram mais influência da cultura do que o ambiente. Num zoológico, além do tédio e da segurança, o macaco que descobre alguma coisa interessante para brincar deve fazer sucesso no meio e, por isso, de alguma maneira é incentivado a procurar novidades. Na selva, o sucesso se chama comida; qualquer outra novidade é desaprovada pelo bando.

Numa sociedade de humanos, a situação é análoga, mas penso que há grupos que, mesmo com dificuldades de sobrevivência, de alguma maneira valorizam o curioso, o original, as soluções engenhosas. De certa forma, a criatividade acaba sendo estimulada porque a aceitação social passa por ela. Se a pessoa não consegue o sucesso pelo dinheiro (que seria a comida, para os macacos), consegue ser admirada pela criatividade.

De qualquer maneira, é só um achismo, pois não tenho nenhum estudo para fundamentar isso. Mas que fiquei com a pulga atrás da orelha, fiquei. E ela pulou de um orangotango…

Nota: tempo e ócio são fundamentais para a criatividade; sem tempo de relaxamento, não há como organizar as ideias, faz parte do processo (meu texto Tempo para criar fala mais sobre isso). O que estou discutindo aqui é a motivação; se é a falta do que fazer, como defende o artigo do jornal Die Zeit,  ou se é aceitação social (uma ideia que me ocorreu, mas totalmente sem fundamento). O que você pensa a respeito?

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