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Coluna Ozinil Martins | Macunaíma: o herói sem caráter!
26 de Janeiro de 2021

Coluna Ozinil Martins | Macunaíma: o herói sem caráter!

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Por Prof. Ozinil Martins de Souza 26 de Janeiro de 2021 | Atualizado 26 de Janeiro de 2021

Em 1928 Mário de Andrade escreveu o livro Macunaíma. A intenção do autor era, através de uma narrativa de caráter mítico, em que os acontecimentos não seguem as convenções realistas, procurar fazer um retrato do povo brasileiro, por meio do “herói sem caráter”; daí a expressão Macunaíma, o herói sem caráter, cuja principal característica é a malemolência com que encara os acontecimentos e seu pouco compromisso com a realidade.

Este sentimento de não urgência caracteriza, sobremaneira, o perfil do povo brasileiro e, principalmente, de órgãos públicos em que tudo pode ser resolvido amanhã, depois e depois e, talvez seja esquecido e não se resolva nunca até o próximo evento que o coloque na mídia e obrigue os responsáveis a se explicar. Assim tem sido a gestão pública no país.

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Quando Gabriel Garcia Marques escreveu “Crônica da Morte Anunciada” mal sabia ele que, em parte, estaria escrevendo sobre as tragédias brasileiras que sabemos, de antemão quando acontecerão e o que ocasionarão. Juntando Macunaíma e Crônica da Morte Anunciada desnuda-se a forma de comportamento da gestão pública brasileira. Todos, reforço todos, sabemos que o verão é caracterizado pela temporada de chuvas em boa parte do Brasil; sabemos que, ano após ano, as chuvas chegam com maior intensidade e volume e em períodos mais curtos; sabemos da precariedade dos nossos sistemas de captação de águas das chuvas e do estado das canalizações que recebe estas águas; sabemos como foram construídas as cidades brasileiras, sem planejamento e na maioria das vezes seguindo os cursos de rios e foram se impermeabilizando aos poucos pelo uso inadequado do asfalto, pelo qual o povo tanto anseia, sem sequer imaginar os efeitos causados na precipitação das chuvas, cada vez mais intensas.

Junte-se a isto um povo com baixo nível educacional e com um sistema de coleta de lixo deficiente e pode escrever uma crônica das consequências de todas estas variáveis atuando em conjunto. Final de tarde, quando chegam às notícias do dia, o que se vê são casas inundadas, carros empilhados em ruas alagadas, pessoas alegando que perderam tudo, que sequer havia sido pago o que tinham reposto depois do último aguaceiro. A omissão do poder público associa-se a um povo que vende seu voto por dentadura, por um par de sandálias, que saqueia caminhões acidentados, sem sequer observar se o motorista precisa de socorro, que elege e reelege políticos corruptos, alguns condenados, para exercer cargos de representação desta própria população e que vê a elite política do país furando fila da vacina.

O acontecido na Lagoa da Conceição na madrugada manhã de segunda feira mostra de tudo um pouco. Ausência de planejamento em se construir um sistema de retenção de águas em areia e em plano elevado em relação às casas da região, ausência do poder público no acompanhamento do nível de água na barragem após semana de chuvas intensas, desconsideração de alertas de moradores que reportaram barulhos fortes no sistema implantado. Se ilustrarmos esta coluna com o índice de perdas de água tratada no Brasil – 38,3% e, em Santa Catarina – 37,1% pode-se estabelecer o índice de eficiência do serviço prestado.

Alguns países, que já entenderam a extensão das mudanças que a humanidade enfrentará, já estão se preparando. A Arábia Saudita está construindo, ao custo de U$500 bilhões, a primeira cidade inteligente da região. Sem carros, sem ruas, com 16 km² de extensão, com 100% de energia limpa e que deverá estar concluída até 2025. Enquanto isto, por inércia do poder público e por interesse de deputados e senadores, que pensam em benefício do povo, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a tratamento de esgoto e, 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável no país que tem as maiores reservas de água potável do mundo. É ou não a velha malemolência “macunaimica” em ação?

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