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Carta ao pai*
08 de Agosto de 2023

Carta ao pai*

Por Rogério Kiefer 08 de Agosto de 2023 | Atualizado 15 de Agosto de 2023

O 16 de maio é uma espécie de segunda data de aniversário do Kiefer pai. Em um 16 de maio, no distante ano de 1957, com 15 anos incompletos, ele começou a trabalhar – se não me engano como ciclista entregador de documentos e remédios – em uma das farmácias da Drogaria. Desde que me conheço por gente, a dedicação ao trabalho e à empresa é impressionante. Períodos de férias foram pouquíssimos – uns dias para cuidar do filho mais velho quando nasci e tive de ficar no hospital graças a uma heritroblastose fetal; semanas internado no hospital depois de pontes de safena; seis dias para viajar com uma das netas para o Rio de Janeiro, e acabou.

No resto do tempo, trabalho até em casa, almoço apressado para voltar cedo para o escritório, dedicação sempre em 100%, fidelidade total à “firma”. Nas primeiras décadas de vida dos filhos, quando todos somos irremediavelmente chatos, o comportamento foi gerador de atritos domésticos, incompreensão e certa dificuldade de relacionamento. Para uma criança ou adolescente, nem sempre é fácil entender o pai pouco presente por causa do trabalho em excesso.

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O bom da juventude, como alguém já disse, é que ela passa com o tempo. Hoje, com poucos e brancos cabelos, entendo melhor a cabeça do coroa.

Dia desses, quando fui a Joinville a trabalho, jantei em casa e a conversa acabou no álbum da Copa de 2014. O Bernardo comprou sei lá quantos pacotinhos de figurinhas e está na batalha para juntar as trocentas mil imagens até julho.

Quando criança, meu pai lembrou, ele e as irmãs não faziam coleções de figurinhas ou coisa parecida. Muito pobres, as brincadeiras incluíam correr pela roça de aipim que o pai cultivava. Travessura era, depois de quebrar um pé da planta por acidente, “replantar” o talo para evitar que os pais vissem o estrago e brigassem com a piazada. Isso no tempo que sobrava depois da escola e de ajudar os meus avós na lida da pequena agricultura de subsistência.

Posso estar completamente equivocado, mas a tese que criei é que experiências simplórias como essa explicam o que leva um sujeito a dar tanta importância para um emprego – o que torna a dedicação plena algo não apenas compreensível, mas inescapável. O trabalho, no caso, foi a ponte entre a pobreza da infância e a situação tranqüila da velhice. O salto entre a criança com pouco mais do que o necessário para viver e os futuros filhos com mordomias variadas. A segurança que permitiu ao filho comprar uma casa para a velhice dos pais. A caminhada que transformou um sujeito com potencial, competência e dedicação enormes em alguém que venceu na vida – porque vencer na vida é algo muito diferente de se tornar milionário da noite para o dia ou coisa que o valha. Vencer tem a ver com dignidade, perseverança, dedicação – e isso tudo, a partir de um 16 de maio, o seu Kiefer mostrou que tem de sobra nos últimos 57 anos.

*Texto escrito em maio de 2014

Imagem em destaque Freepik

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