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Coluna Alisson Barcelos | Entrevista com Vaniza Schuler, a paralisação e a retomada dos eventos
10 de Agosto de 2020

Coluna Alisson Barcelos | Entrevista com Vaniza Schuler, a paralisação e a retomada dos eventos

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Por Alisson Barcelos 10 de Agosto de 2020 | Atualizado 10 de Agosto de 2020

 

A coluna desta semana abre espaço para uma mulher que é referência no setor de turismo e de eventos no país: Vaniza Schuler, bacharel e mestre em Turismo, especialista em Consultoria Turística e em Relações e Negócios Internacionais, que trabalha há 35 anos no setor de eventos, atuando em organizadoras de congressos, Convention & Visitors Bureaus, na Secretaria de Estado do Turismo do Rio Grande do Sul e no Ministério do Turismo (Embratur). 

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Na última sexta-feira (7), Vaniza recebeu o convite para representar o Brasil no projeto dos 15 Líderes Mais Influentes da Indústria de Reuniões da América Latina, mas desde desde 1998, Vaniza presta consultoria para empresas, organizações empresariais e governamentais e para o terceiro setor e, nesta pandemia, está à frente de um grupo que reúne representantes das 25 principais cidades turísticas do Brasil para debater e trocar experiências sobre a retomada dos eventos presenciais. 

Ela tem uma visão bastante crítica e pertinente da paralisação dos eventos e argumenta que o setor e seus representantes foram completamente ignorados – por falta de conhecimento dos gestores, ela grifa – na tomada de decisão pela proibição dos eventos. Confira:

 

Alisson Barcelos – Como foi a chegada da pandemia para o setor de eventos no Brasil?

   
Vaniza Schuler –
A pandemia chegou logo após o Carnaval, com o setor de eventos profissionais (congressos e feiras, principalmente) vindo de seu período de  baixíssima e ingressando na baixa/média temporada. Num primeiro momento, os profissionais com quem me relaciono estavam muito otimistas e até relaxados por causa da aceitação da campanha “Não cancele, remarque”. Nesta época, tínhamos tido poucos cancelamentos de congressos. Entendíamos que seria algo de rápida solução e vários colegas achavam que no final de junho (início da média/alta temporada) já retomaríamos as atividades. No fim de maio, alguns promotores ficaram mais temerosos, mas a grande maioria ainda acreditava que os eventos ocorreriam no segundo semestre de 2020. Julho foi decisivo para os adiamentos, porque empresas e organizadores ficaram receosos sobre a presença física de patrocinadores e participantes nos seus eventos. O cenário atual aponta que a  maior parte dos congressos nacionais e internacionais, festivais foi transferida para o próximo ano.

 

Alisson Barcelos – Como foi a tua relação com a quarentena? 

 

Vaniza Schuler – Quando a pandemia começou, na China, a maioria de nós, brasileiros, não acreditou que chegaria aqui com a mesma força. Confesso que eu também tive meu  momento de negação. Na segunda semana de lockdown, já em Gramado, comecei a ficar muito abalada emocionalmente. Foi assim durante mais ou menos um mês. Aos poucos consegui me reequilibrar. Muitos colegas do turismo e de eventos me procuraram para pedir conselhos, orientações de o que fazer e fui me dando conta da gravidade e da amplitude do abalo psicológico ao que o setor estava submetido. Não era algo meu, era geral. E por incrível que pareça, percebi que eu estava bem mais estável emocionalmente do que a maior parte dos colegas e isso me deu muita força para começar a colaborar, a reconstruir, a ajudar de alguma forma as pessoas, o setor. Trabalhei insanamente. Em nenhum período dali para frente, menos do que 10 horas por dia. Não consegui encontrar ainda o tal do tédio, não aprendi a fazer nenhuma terapia ocupacional diferente. Não consegui. Em todas as bandeiras vermelhas, ficamos em casa para colaborar com a menor disseminação do vírus e com a disponibilidade de leitos. Mas sempre que há liberações faço a minha parte de ampliação da movimentação para as atividades não essenciais. Nunca tive medo do vírus (tenho certeza de que não se trata de uma gripe simples) mas cuido religiosamente da minha imunidade há muitos anos. Entendo que trabalhando no setor de eventos estaremos muito mais expostos que em outras profissões, então é uma questão de tempo. Caberá ao meu corpo definir o meu futuro, hoje ou daqui a três meses. 

 

Alisson Barcelos – Qual a sua visão sobre a paralisação e proibição dos eventos presenciais em todo o Brasil?

 

Vaniza Schuler – Falo sem medo que o setor foi vítima da ignorância de tomadores de decisão e muito dos formadores de opinião, que nos impediram de trabalhar sem entenderem a  natureza múltipla e complexa do nosso setor.  Por que motivo um restaurante pode funcionar, espaçando devidamente mesas e cadeiras de acordo com os protocolos vigentes e um jantar de premiação com exatamente a mesma configuração não pode ser realizado? Até agora não consigo entender como várias pessoas podem circular pelos corredores nem sempre amplos de um supermercado (atividade essencial) e tocarem na mesma fruta ao escolhê-la, e não se pode fazer um evento em que as pessoas possam circular por corredores – concebidos para serem largos – e passarem na frente (sem entrar e sem ter contato físico com ninguém) de um estande. Que um shopping possa acolher até 10.000 pessoas e um centro de convenções de igual dimensão não possa receber 1.000 participantes devidamente monitorados num evento. A falta de critério é absurda.

Também, em nenhum momento,  foi considerado o comportamento das pessoas nos locais ou nas atividades econômicas liberadas. Em praças, parques e todos os demais locais de circulação de pessoas físicas, não se pode ter alguma previsibilidade ou controle de sua forma de agir. Mas, participando de um evento, profissional, por exemplo, na qualidade de representante de uma empresa, a pessoa é muito mais cautelosa do que quando está anônima. Você com certeza não irá  fazer algo que deponha contra a empresa ou instituição que vc representa. Além disso, por trás da promoção e organização de um evento, mesmo aqueles cujos participantes são pessoas físicas, há CNPJs responsáveis pela observação dos protocolos, o que não acontece nos espaços públicos. Então, isso tudo é muito injusto e mal concebido.

 

Alisson Barcelos – Houve conversa com o setor de eventos e turismo para decidir pela proibição de eventos?

 

Vaniza Schuler – Não houve diálogo, não houve a análise mais aprofundada. Houve a proibição de forma categórica e foi o setor que teve de ir atrás para esclarecer a natureza de sua atividade. Claro, com um gigantesco esforço e união das nossas entidades setoriais nacionais e locais estamos conseguindo vitórias importantes. Mas foi necessária muita luta e dedicação. Obviamente que em períodos de lockdown não se pretendia trabalhar, mas sim, precisamos fazer parte da flexibilização e só queremos isonomia com as atividades econômicas e sociais correlatas. Fomos julgados culpados sem processo. Passamos a ser vistos como os causadores das aglomerações, e os insensíveis que as desejam de volta. Evento (uma palavra para lá de genérica) virou sinônimo de inferno e seus organizadores viraram os anticristos. Definiram que somos aqueles responsáveis pela contaminação de forma exponencial e não tivemos sequer oportunidade de nos defender. Nos debruçamos em protocolos que são os mais rígidos dentre todos os setores, propusemos soluções de distanciamento e de diminuição de fluxos, de concentração que poucas atividades se dispõem a observar. Ainda assim, estamos muito longe de ser contemplados de forma justa nas flexibilizações. Em vários estados, ainda nem fazemos parte do plano de retomada. Representamos um setor gigantesco que está impedido de trabalhar, mesmo com a observação de todos os cuidados.

 

Alisson Barcelos – Esse tomadores de decisão não estão pensando na cadeia da produção de eventos? 

 

Vaniza Schuler – Nesses 140 dias depois da proibição dos eventos, atendi várias organizadoras de eventos, algumas delas que empregavam mais de 100 pessoas e tiveram que cortar até 90% de seus postos de trabalho, colaboradores com muitos anos de dedicação. E não se tratam somente de dados econômicos, são pessoas em sofrimento que estão por trás disso: autônomos  e proprietários de pequenas e médias empresas que, vindo já de uma baixa temporada de eventos em janeiro e fevereiro, viram seus rendimentos cessarem há mais de quatro meses. Vidas que ruíram do dia para a noite. São famílias inteiras em situação de calamidade econômica. E então convencionou-se que empatia é um sentimento que deve se ter exclusivamente com o grupo de risco. Empatia é sentir a dor no lugar do próximo. E a dor pode ocorrer em várias formas. Vejo muita hipocrisia de pessoas que podem tranquilamente trabalhar de dentro das suas casas condenando comportamentos da circulação, atribuindo culpa aos que saem. Mas sim,  convivem com seus grupos próprios de forma “secreta” e sem proteção e distanciamento. Vários estudos apontam justamente que a contaminação ocorre em ambiente doméstico, quando você relaxa os cuidados. Eventualmente, esses defensores ferozes do #fiqueemcasa fazem uma pequena compra no mercadinho local e batem no peito dizendo que apoiam o comércio. Nem tudo se transforma em tele-entrega. Toda a gama de serviços presenciais (principalmente os não essenciais) precisa de pessoas circulando – à medida que haja maior capacidade de acolhimento hospitalar nas regiões – para que possa assegurar que as pessoas possam contar com seus trabalhos e manter o mínimo de dignidade. Não queremos dizimar vidas. Ao contrário, queremos promover uma retomada responsável e temos a mais absoluta convicção que podemos proporcionar isso de melhor forma que muitas atividades liberadas. 

 

Alisson Barcelos – Percebo que o setor como um todo ficou um pouco abatido. O que você tem feito para tentar retomar os eventos em todo o Brasil? 

 

Vaniza Schuler –  Perdi a conta de quantas lives realizei procurando levar mensagens de esperança, de resiliência e de caminhos possíveis para diferentes destinos. Estou trabalhando voluntariamente com vários projetos de retomada gradual do turismo e de eventos. Criei e sou coordenadora de um grupo que reúne captadores de eventos dos conventions bureaus representantes das principais cidades turísticas do Brasil (Gramado, Porto Alegre, Balneário Camboriú, Florianópolis, Joinville, Curitiba, Foz do Iguaçu, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, entre outros) e que desde abril trabalha para o monitoramento dos congressos. Como a pandemia se espalhou de forma diferente no país, achei positivo criar um  grupo que trocasse informações, experiências e casos de sucesso. Nossa proposta é reforçar o relacionamento com os promotores de eventos, trabalhar em parceria com eles para que juntos consigamos desenhar estes evento em médio prazo, para 2021. Mas estou principalmente trabalhando em treinamentos de aplicação de protocolos de distanciamento social  em eventos em Bento Gonçalves, Gramado, Porto Alegre, Florianópolis.

 

Alisson Barcelos – E qual é a proposta deste  projeto? 

 

Vaniza Schuler –  Evidenciar por meio da prática, aos nossos tomadores de decisão, a segurança que os eventos podem proporcionar ao processo de retomada. Por meio da construção dos formatos habituais dos cenários e da utilização da logística dos eventos, tendo por participantes exclusivamente os profissionais de eventos, treinar os protocolos e capacitar o setor. Esse exercício é fundamental para o entendimento do nosso discurso, para que possamos sair dessa condenação precipitada e injusta da natureza das nossas atividades.

 

Alisson Barcelos – E qual é a reação do setor de eventos neste momento? 

 

Vaniza Schuler – Não tive a dor de demitir ninguém, mas a grande maioria das empresas do setor de eventos foi impactadas emocional, física e financeiramente. O setor passou por um processo de negação, depois por um momento de luta e de esperança, mas percebo que alguns estão esmorecendo dada a falta de perspectivas. Precisamos de todos neste momento. É hora de estarmos todos juntos em uma corrente para achar soluções para este retorno saudável. Precisamos nos fortalecer e encontrar novos caminhos. Sim, vamos precisar estudar e nos adaptar. Precisamos estar junto aos nossos clientes e assegurar-lhes apoio e segurança para que sigam firmes no propósito de não abandonar os modelos presenciais (ainda que incluindo as versões digitais para proporcionar alternativas para os vários grupos). Não à toa os eventos sobreviveram à era da internet. Os encontros são o nosso ativo. Então, a médio prazo, tenho certeza de que sairemos mais valorizados. Somos nós os detentores daquilo que esta nova sociedade mais tem sentido falta: a magia dos encontros.

 

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