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Coluna Jean Caristina | Barbie e a “brecha do sonho”: empoderamento ou uma brecha da realidade?
07 de Dezembro de 2018

Coluna Jean Caristina | Barbie e a “brecha do sonho”: empoderamento ou uma brecha da realidade?

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Por Jean Caristina 07 de Dezembro de 2018 | Atualizado 07 de Dezembro de 2018

 

A Mattel, proprietária da marca de bonecas Barbie, lançou o vídeo “Brecha do Sonho”, com o objetivo de discutir a diferença de gênero em questão de expectativa profissional.

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Mais uma campanha publicitária que traz à tona a diferença de tratamento que se dá a meninos e meninas desde tenra idade. E, como era de se esperar, mais uma publicidade sujeita a elogios e críticas.

A diferença de gênero. Nos últimos meses, em todo o mundo, houve uma verdadeira multiplicação de campanhas se posicionando favoravelmente à igualdade de gênero. Apenas para lembrar duas delas, que inclusive já foram objeto de artigos no IntervaloLegal pela forma contraditória com que se posicionaram, a AVON criticou a forma de tratamento que se dá às meninas e a OMO discutiu o porquê de não permitirmos que meninas possam brincar com brinquedos identificados tradicionalmente como masculinos.

Por outro lado, também é inegável que a sociedade mundial ainda tem resquícios de machismo e preconceito contra a igualdade de gênero, que, de certo modo, acaba refletindo na vida adulta dessas meninas, estereotipadas como o sexo frágil, incapazes de atingirem postos profissionais de relevância.

A campanha “Brecha do Sonho”. No filme da campanha, as atrizes argumentam haver uma brecha do sonho, que consiste numa distância entre as meninas e todo o seu potencial. Segundo os idealizadores, as meninas, a partir dos 5 anos, deixam de sonhar que podem ser cientistas, astronautas, engenheiras, médicas, grandes pensadoras, CEOs de empresas etc.

Tudo isso, segundo o filme, porque têm menos probabilidade de ganharem brinquedos científicos!

Assim, há uma convocação para que as meninas vejam mulheres brilhantes sendo brilhantes, e que os pais e professores se empenhem para fechar essa brecha.

A Barbie e as acusações de sexista. A Barbie existe desde 1959. Nos últimos anos, talvez por causa da maturidade da sociedade em torno de questões relativas a igualdade de gênero, tem se envolvido cada vez mais em situações no mínimo constrangedoras.

Em 2013 foi lançada a “Casa da Barbie” em Berlim, que provocou protestos de vários grupos que consideraram a proposta sexista, materialista e responsável por estimular transtornos alimentares nas crianças.

Reportagem publicada no Estadão revela como era o passeio na Casa da Barbie:

“A visita à casa oferece um passeio por todos os cômodos, da cozinha ao banheiro. Os visitantes podem conhecer o enorme guarda-roupas, a penteadeira, joias e artigos de maquiagem e a interminável coleção de sapatos da boneca. A casa permite às crianças provarem os vestidos da boneca virtualmente, cozinhar seus alimentos também virtualmente e desenhar e pintar as suas roupas.”

Para Doreen Siebernik, representante do Sindicato de Educação e Ciência da Alemanha, não havia nenhuma proposta pedagógica na Casa da Barbie. Katharina Nesterowa, ativista do grupo Femen, disse que “a boneca define um modelo que pede às meninas, de forma irônica, que sejam mais sensuais, loiras e tenham mais peitos e menos quadris”.

Em 2014 foi lançado o livro “I can be a computer engineer” (Eu posso ser uma engenheira de computação). O livro foi criticado, por retratar uma mulher frágil e incompetente. Na história, a Barbie deixa o computador de um amigo ser infectado por um vírus e não consegue solucionar o problema sem ajuda de um amigo. Noutro trecho do livro, Barbie depende do trabalho de dois amigos para criar um jogo.

Em suma, o livro passou a mensagem: sem a figura masculina, Barbie estaria perdida!

A acusação de que a boneca incentiva um estereótipo de difícil alcance é antigo. Branca, loira, corpo esguio e seios firmes são padrões de beleza para muitas meninas que sonham em se parecer com a Barbie, e não medem esforço para tanto, o que pode levá-las a quadros de depressão ou transtornos alimentares, tais como bulimia e anorexia.

O empoderamento da Barbie. Após anos de acusações de ser sexista, de estereotipar o sexo feminino e contribuir para transtornos alimentares, a Mattel lançou uma coleção de mulheres consideradas poderosas, para acabar com o padrão de beleza histórico da boneca: loira, branca e magra.

Na sua coleção “Mulheres Inspiradoras” foram lançadas as bonecas de Frida Kahlo (pintora mexicana), Amelia Earhart (a primeira aviadora que a cruzar o Oceano Atlântico) e Katherine Johnson (cientista americana que, com seus cálculos, ajudou a Nasa a colocar o homem na Lua).

Além da linha “Inspiring Women”, a Mattel criou a linha Sheroes (mistura de “She” com “Heroes”), que trará 14 mulheres de sucesso em seus respectivos campos de atuação.

Também houve mudanças no campo da comunicação. Pela primeira vez um comercial da Barbie mostrou um pai brincando de boneca com sua filha. Com a hashtag #DadsWhoPlayBarbie (Pais que brincam de boneca), a campanha recebeu elogios do mundo todo.
 

Imagem da campanha em que propunha aos pais que brincassem de boneca com suas filhas

 

Realidade x expectativa – a Barbie no comércio. No site da Barbie não há comércio da boneca. Apenas jogos, vídeos, links para aplicativos e arquivos para download.

A preocupação com a Brecha do Sonho está apenas num banner no rodapé do site. Veja que na imagem abaixo, da página principal do site, não é possível ver a campanha.
 

As imagens mostradas em destaque continuam sendo da mesma Barbie de sempre: a boneca Barbie e Ken com sanduicheira, a boneca Barbie com forno e comida que cresce, o carrinho de comida da Barbie, as bonecas irmãs da Barbie com pets e comida e o conjunto de fazer pizza da Barbie.

Logo abaixo, nos Jogos e Aplicativos, estão a Barbie Life, a Barbie Closet Fashion, a Dreamtopia Cabelos Mágicos e a Magical Fashions.

A página da Barbie nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha, na Espanha e na Índia, todos acessados, são idênticos e mostram o mesmo festival de cores rosa, cabelos loiros e corpos esguios.

No site de um dos principais revendedores da boneca no Brasil, utilizando-se o filtro “AS MAIS VENDIDAS”, e desconsiderados os produtos em promoção, figura como primeira da lista a Barbie Reinos Mágicos (sereia rosa), por R$ 69,99; em segundo a Barbie Reinos Mágicos – Princesas Penteados Mágicos (princesa rosa), por R$ 79,99; A Barbie Fada – Dreamtopia – meia rosa, por R$ 69,99; as Barbies Morena e Loiras – Fashion and Beauty – com Vestido, por R$ 32,99. São milhares de modelos da boneca, sendo que a maior parte brancas, loiras e com aspecto de anoréxicas.

A Barbie Frida Kahlo é vendida por R$ 229,99, já aplicados 8% de desconto. Não havia Amelia Earhart, tampouco a Katherine Johnson à venda*.

No site americano barbie.mattel.com as bonecas da Frida Kahlo, da Amelia Earhart e da Katherine Johnson custam US$ 29,99, ao passo em que as da linha fashionistas custam US$ 9,99. Há outras, bem mais caras, com vestidos super trabalhados e acessórios**.

Em síntese. Realmente, parece haver uma Brecha. Não apenas a do Sonho, que é real, infelizmente. Há uma Brecha entre prática e publicidade.

Na prática, sujeita à realidade imposta pelo capitalismo, é preciso vender, e isso significa continuar incentivando as bonecas brancas, loiras e com aparência de anoréxicas. Na prática, é mais caro ser a Frida Kahlo ou a Katherine Johnson, do que ser uma sereia, uma dona de casa, a namoradinha do Ken ou a bonequinha dona de um cachorrinho de estimação.

* Informações extraídas do site rihappy.com.br/barbie, acessado em 19/10/2018.

** Informações extraídas do site barbie.mattel.com/shop/en-us/ba/barbie-dolls, acessado em 19/10/2018.

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