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Coluna Julio Pimentel | 60 anos na estrada: Você tem CC?
17 de Março de 2017

Coluna Julio Pimentel | 60 anos na estrada: Você tem CC?

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Na Irmãos Lever, no começo de 1959, quando fui contratado, o presidente era Clive Van den Bergh, descendente dos fundadores da empresa no ramo holandês, e os executivos eram importados para preparar os que iriam substituí-los. John Somerville, que havia me entrevistado e admitido, era formalmente o Diretor de Propaganda, embora na prática toda atividade de marketing estivesse a ele ligada. Oficialmente, porém, o Diretor de Marketing era George Pollock. Perdão, Sir George Montague Pollock. O “Sir” faz toda diferença, porque nos diz que é um Cavaleiro do Reino de Sua Majestade. Sir George, como o chamávamos, lutara na segunda guerra e, por alguma razão que desconheço, havia recebido o título. De porte altivo, atlético, entre os 60 e 70 anos, falava pouco, pouco participava de reuniões, mas sabíamos que tinha muito poder de decisão e muita influencia sobre Van den Bergh.

Não haviam ainda passado dois meses de meu trabalho com Rafael Rios, quando fui chamado à sala de Sir George que, com seu inglês marcadamente tradicional, disse:

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“Julio, Rios afirma que você está ajudando muito com Rinso. Bom, temos no mesmo grupo um produto que já vendeu muito, mas está com problemas no mercado, e gostaria que você fizesse uma análise e me entregasse um relatório em três semanas. É capaz de fazer isso?”

Obviamente era um desafio, uma forma de me testar. É bom lembrar que não havia o Google, era necessário ir aos arquivos e livros. Dediquei-me ao projeto com ajuda do Rios e uma semana depois entreguei meu relatório para um Sir George surpreso e um tanto reticente:

“Foi muito rápido… Vou ler e depois comento com você.”

O tal produto com problema de vendas era o sabonete Lifebuoy. Fui checar a história, histórico de vendas no Brasil e no mundo, propaganda, promoções, preço, tudo que pudesse dar uma pista do por que da decadência. Meu relatório, que tinha umas 5 páginas, dizia resumidamente que  a Lever Brothers havia lançado no mercado inglês em 1894 a marca LIFEBUOY como um sabonete desinfetante real. O novo produto foi o primeiro sabonete do mundo com ácido carbólico (fenol), um ingrediente revolucionário descoberto havia pouco, e foi acolhido com grande sucesso como um importante auxiliar para a saúde das pessoas, principalmente os mais pobres que sofriam naquela época epidemias e todo tipo de doenças infecciosas. A marca expressava de forma convincente sua proposta – Lifebuoy, bóia salva vidas ou simplesmente salva vidas.

Durante a Primeira Guerra Mundial, milhões de sabonetes Lifebuoy foram mandados para os soldados nos frontes de batalha e, na segunda grande guerra, Lifebuoy forneceu lavatórios de emergência para as áreas da Grã-Bretanha mais devastadas. Isso reforçava a credibilidade na marca, que àquela altura estava presente em muitos mercados no mundo, usado inclusive para crianças para evitar contágios.

Foi nesta década que o tradicional sabonete chegou ao mercado brasileiro. Contudo, o apelo publicitário escolhido para suportar a marca não foi o de saúde, que já havia sido abandonado na Inglaterra, e sim o de comportamento social. Com muito sucesso na Europa, o tema “BO – Body Odour”, lançado nos anos 30, foi literalmente traduzido para CC – Cheiro de Corpo. Lifebuoy garantia que acabava com o mau cheiro causado pela transpiração, surgindo daí o termo “cecê”, que seria popularizado nos anos de 1940 e 1950 nas campanhas publicitárias.

Embora Lifebuoy tivesse sido bem aceito no mercado e vendesse bem como marca específica, a consciência do CC era muito diferente entre Brasil e Europa onde, sabe-se, os banhos não eram (e não são ainda) um hábito diário. Mas a expressão CC pegou e foi incorporada ao linguajar brasileiro, era usada largamente nas conversas e piadas, mas esgotou-se com o tempo. Por outro lado, os benefícios contra germes e higiene foram assumidos por outros segmentos de produtos e Lifebuoy acabou tendo sua sustentação reduzida.

Mas a marca ainda tinha força e as pesquisas confirmavam isso. Tudo encaminhava para uma proposta – usar a força da marca, reformulando o produto, com um perfume que substituísse o cheiro de remédio e um apelo mais glamoroso.

“Parabéns, muito boa análise. Vamos continuar a estudar o que fazer”, disse-me Sir George.

Eu tinha marcado um gol! E a partir daí, sempre que recebi dele uma missão, consegui outros.

Passado um tempo isso foi realmente feito, as vendas reagiram, mas o produto acabou sendo retirado de mercado por não se encaixar no portfólio da Lever. Mais recentemente acabou sendo relançado, aproveitando a onda de proteção anti-germes.

Aliás, é curioso ressaltar que o nome Lifebouy, de difícil pronúncia e tradução praticamente desconhecida, nunca foi problema entre consumidores brasileiros. Estudiosos do assunto “marca” devem ter esta como elemento de análise.

Uma curiosidade: naquela época a Gessy lançou o sabonete Salus, que fazia a mesma promessa. Aconteceu que, mesmo sem redes sociais, hackers e movimentos organizados de difamação, surgiu um apelido que se espalhou rapidamente: “Salus, sabonete pra cavalos”. Foi mortal para a marca.

Alguns anos depois, fui mais uma vez chamado à sala de Sir George, mas agora para um assunto muito diferente. Ele ia voltar para Londres e pediu minha ajuda para seu discurso de despedida. Queria que termos como fog, dias ensolarados, cordialidade, frio, receptividade fossem corretamente traduzidos e encaixados.

Senti-me extremamente gratificado por isso, pois outros, mais próximos dele, poderiam ter feito a mesma coisa, até melhor. Foi como um prêmio de despedida.

Bom, vamos falar de  Rinso?

Na próxima coluna, onde espero por você.

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