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Coluna Julio Pimentel | 60 anos na estrada: Dia das Mães, Ella e eu.
25 de Maio de 2017

Coluna Julio Pimentel | 60 anos na estrada: Dia das Mães, Ella e eu.

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No dia 25 de abril, Ella Fitzgerald, a “Primeira Dama da Canção”, estaria completando 100 anos. E em maio, está fazendo 57 que se apresentou pela primeira vez no Brasil, no Golden Room do Copacabana Palace, no Rio e em São Paulo, no antigo Teatro Record, na Consolação. Exatamente um ano antes, Nat King Cole, que nasceu no mesmo ano que Ella, também fez turnê nas mesmas capitais, em São Paulo no Teatro Paramount, na Brigadeiro Luiz Antônio.  Quem viveu naquela época sabe que esses Teatros eram pólos culturais, recebendo grandes astros internacionais frequentemente.

Eu estava na platéia do Paramount: o palco fortemente iluminado, cenário despojado, tudo branco, um piano branco, tendo ao lado uma bateria e um baixo. Entra Nat King Cole, de smoking também branco, e começa a desfilar um repertório maravilhoso que incluiu “Mona Lisa”, “Love Letters”, “Nature boy”, “Unforgettable” e tantas outras lindas canções. Com sua voz diferenciada e estilo inconfundível, proporcionou uma noite inesquecível para mim.

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Porém, no Teatro Record eu não estava na platéia, e sim no palco. Como isso? Francamente não sei. Deve ter sido, certamente, efeito de meu trabalho na Lever. Explico:

Era política da empresa dar à gerência júnior o treinamento mais horizontal possível, evitando especialização em benefício do conhecimento global. Foi essa filosofia que anos mais tarde gerou o Management Treinee Program, programa de treinamento de gerentes, processo pioneiro que atraia os melhores recém formados nas faculdades de comunicação, marketing, economia. Eu entrei em março de 1959, tive uma curta passagem pelos vários departamentos, apenas para saber o que faziam e como funcionavam, fixando-me por 10 meses no Marketing com Rafael Rios, fartamente citado aqui. Aí fui para Lintas, como contato de Atkinsons, o braço de perfumaria e cosméticos da Lever, sediada no Rio de Janeiro. Em março de 1960 fui transferido para o cliente, Atkinsons, para implantar o departamento de marketing, uma experiência fantástica, que vou descrever numa das próximas colunas. O fato é que no Dia das Mães daquele ano eu atuava na empresa que, acredito, devia ter um laço internacional com Ella Fitzgerald, o que me levou a ser designado como seu anfitrião. O patrocinador da temporada em São Paulo era Ultragaz que, aliás, anos mais tarde foi meu cliente, mas que naquele momento não estava em meu círculo profissional. Portanto, só pode ter sido via Atkinsons Internacional, por mais que não consiga encontrar confirmação nos escaninhos da memória, alguns já com teias de aranha…

Meu papel era cuidar para que tudo estivesse a contento, para que nada faltasse no teatro durante a apresentação em São Paulo. E lá estava eu, frente a frente e conversando com a grande, enorme Ella Fitzgerald. E grande aqui não se refere apenas à artista genial, famosa, mas também ao porte físico, pois devia pesar uns 120 quilos cobertos por um vestido longo de cetim vermelho – pelo  menos é assim que me vem à memória a dama que eu tinha que cuidar.
Extremamente cordial, à espera que sua banda se aprontasse e que fosse dado o sinal de começo, ficava sentada num banquinho alto, quase imóvel para não aumentar a abundante transpiração, que uma assistente diligentemente enxugava, lutando para manter intacta a maquiagem.
Casa lotada, quase dava para sentir materializada a expectativa do público. Soa a campainha, o banco é retirado, vou para os bastidores, abre-se a cortina e uma voz angelical preenche o espaço e empolga a audiência que vai sorvendo, nota a nota, “Blue Moon”, “Summertime”, “Stela by Starlight”, “Solitude”, “Yesterdays”, “Mack the knife”…
Então, pergunto: quantos, entre os 70 milhões de brasileiros, que era a população daquela época, tiveram esse privilégio? Ultragaz anunciava as apresentações de Ella Fitzgerald como um presente de Dia das Mães, mas creio que nenhuma mãe se sentiu mais presenteada do que eu.

Até a próxima.

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